segunda-feira, 29 de outubro de 2018

Bolsonaro e a esfinge: Editorial | Folha de S. Paulo

Ou o presidente eleito decifra a enormidade dos desafios que terá pela frente, ou será devorado

Partidários do presidente eleito, Jair Messias Bolsonaro, ainda comemoram a vitória nas urnas neste domingo (28). Nada mais justo. Com o endosso de quase 58 milhões de votos, a sua eleição cristaliza o colossal alcance atingido pelo movimento de mudança da política brasileira no pleito deste 2018.

Legítima, a plataforma conservadora consagrada nas urnas merecerá daqui em diante o debate que não houve durante a campanha. Na temática dos costumes e dos direitos difusos, em particular, quase tudo o que Bolsonaro propõe colide com o que esta Folha defende.

A ampliação do porte de armas, o abrandamento dos controles sobre policiais que matam, a censura a professores em sala de aula, o endurecimento das regras para o aborto e o consumo de drogas e a flexibilização das leis ambientais continuarão a ser objeto de crítica nestas páginas.

Este jornal entende, no entanto, que a propositura e o debate dessas ideias, desde que ocorram dentro das regras do jogo democrático, consolidam no Brasil um campo conservador, existente em quase todos os regimes abertos do mundo, importante para conferir mais dinamismo e representatividade à política nacional.

Com a condição de que, repita-se, os meios legais sejam respeitados, ordenamentos alinhados com o pensamento de direita serão válidos e terão de ser obedecidos por todos, inclusive pelos que deles discordem no mérito, aos quais sempre restará o recurso de tentar alterá-los pela via democrática.

Nem Jair Bolsonaro nem os quadros de que se cercou até aqui dominam as técnicas da administração pública e da negociação no Congresso Nacional. É perda de tempo insistir na bravata de que se possa governar um país continental e institucionalmente complexo sem essas habilidades.

Reconhecer a deficiência e identificar no acervo de políticas públicas em andamento o que precisa ser continuado —e, no conjunto dos técnicos experientes e capazes, quem mereça permanecer no cargo— seria um sinal de sabedoria.

Absorver quem os possa ajudar na complicada tarefa de coordenar apoio parlamentar, quando a fragmentação partidária na Câmara dos Deputados e no Senado alcança recordes planetários, também.

Maiorias congressuais expressivas e constantes serão insuficientes, entretanto, se não houver clareza quanto à ordem de prioridades a ser seguida. Nada precede a urgente necessidade de recolocar na linha as finanças federais e, subsidiariamente, a dos estados.

A reforma do sistema de aposentadorias avulta-se como uma espécie de enigma da esfinge para o sucesso do novo governo. Ou Bolsonaro o decifra —e enfrenta a espinhosa e impopular tarefa de alongar o período de trabalho e contribuição dos brasileiros e de acabar com privilégios de potenciais setores aliados— ou será devorado.

Sem um plano que assegure trajetória de contenção e declínio para o endividamento público, o Brasil não reencontrará o crescimento.

A estagnação dificultaria sobremaneira a execução de quaisquer plataformas em áreas decisivas como saúde, educação, infraestrutura e segurança. A frustração do eleitorado estaria garantida.

No ensino básico, fator com o maior poderio para libertar dezenas de milhões do labirinto da baixa remuneração, espera-se outro exercício de humildade do eleito.

Os diagnósticos dos problemas e as propostas para combatê-los estão extensamente realizados por técnicos de alta competência. Há décadas o sinal é de continuidade e aperfeiçoamento no Ministério da Educação. Seria despautério jogar tudo fora em nome de uma visão, ela sim, ideologizada do assunto.

A epidemia de homicídios não será combatida com voluntarismo nem truculência. Enfrentá-la requer organização das forças policiais e do sistema de encarceramento, a cargo dos estados. Reformas que descomprimam orçamentos serão a melhor contribuição ao alcance do governo federal.

Mais armas com a população e carta branca a policiais apenas aumentam assassinatos e suicídios.

A lista de propostas coligidas nesta página, sumário de opiniões reiteradas pela Folha nos últimos anos, dá uma pequena amostra da enormidade do desafio à frente de Bolsonaro. Não será exagero dizer que se trata de tornar viável um Estado concebido para reduzir a enorme desigualdade brasileira.

UMA AGENDA VIRTUOSA
1. Reequilibrar o Orçamento com controle dos gastos obrigatórios
2. Conter a escalada de despesas com aposentadorias e pensões
3. Eliminar privilégios de servidores; ajustar teto salarial
4. Simplificar a tributação sobre bens; rever incentivos tributários
5. Elevar a taxação direta sobre as rendas mais elevadas
6. Vender estatais e ampliar concessões ao setor privado
7. Abertura comercial, com redução de barreiras à importação
8. Ampliar o crédito facilitando a recuperação de garantias
9. Reduzir burocracia para abertura e fechamento de empresas
10. Priorizar ensino básico; buscar outras receitas no ensino superior
11. Implantar currículos nacionais para os níveis fundamental e médio
12. Aprimorar a gestão do SUS, com cadastro nacional e parcerias
13. Reforçar a Força Nacional de Segurança Pública
14. Harmonizar produção agrícola e metas ambientais
15. Instituir voto distrital misto e ajuste de bancadas na Câmara

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