quinta-feira, 25 de outubro de 2018

Bruno Boghossian: Nada normal

- Folha de S. Paulo

Disposição em normalizar ditadura é fruto apodrecido da campanha

Quase um terço dos brasileiros acha que o legado da ditadura militar foi positivo para o país. Na última pesquisa do Datafolha, 32% dos entrevistados disseram que houve mais realizações boas do que ruins no regime autoritário. Há quatro anos, esse índice era de 22%.

Um dos frutos apodrecidos da campanha eleitoral deste ano é uma aparente disposição em normalizar os horrores do autoritarismo e da tortura. A defesa aberta do regime feita pelo líder da corrida presidencial e a leniência das instituições contribuem para o retrocesso.

A relativização ganhou ares oficiais quando o chefe do STF, Dias Toffoli, disse que a deposição do presidente da República em 1964 não foi um golpe militar, mas um “movimento”.

Nesta quarta (24), o TSE mandou suspender, pela segunda vez, uma propaganda do PT que vinculava Jair Bolsonaro ao torturador BrilhanteUstra. Para o ministro Luís Felipe Salomão, o vídeo “pode criar [...] estados passionais com potencial para incitar comportamentos violentos”.

Bolsonaro disse no Roda Viva, em julho, que “abomina” a tortura, mas se desmentiu logo depois. Insinuou que “este pessoal que se diz torturado” inventa histórias para obter indenizações e respondeu que Ustra era o autor de seu livro de cabeceira.

Confrontado meses depois, o vice Hamilton Mourão contemporizou. Disse que havia um confronto entre militares e terroristas, e acrescentou que Ustra poderia ser considerado um herói, mesmo condenado pelas barbaridades que cometeu. “Heróis matam”, sentenciou.

Os chilenos levam sua história a sério. Há dez dias, o Exército destituiu o diretor da Escola Militar do país. Ele havia permitido um ato em homenagem a um brigadeiro punido por crimes praticados durante o regime de Augusto Pinochet.

Militares reformados e da reserva podem participar da vida política. A prova disso é que Bolsonaro disputa a eleição democraticamente. Nada justifica, porém, o mofo corporativista que leva autoridades a tentarem apagar as atrocidades da ditadura.

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