sexta-feira, 26 de outubro de 2018

César Felício: O eleitor pisa no freio

- Valor Econômico

Radicalização de Bolsonaro pode ter assustado

O estreitamento da diferença entre Bolsonaro e Fernando Haddad registrado ontem pelo Datafolha e já detectado, de modo mais tênue, pelo Ibope, mostra que o parlamentar do PSL pode ter errado a mão na radicalização.

É curioso observar que a curva se inverteu depois que a militância bolsonarista foi às ruas em um domingo em que teve ampla divulgação o vídeo de Eduardo Bolsonaro discorrendo sobre o fechamento do Supremo. Para coroar o raro dia ensolarado de outubro, Bolsonaro fez um discurso inflamado, falando em colocar os adversários na cadeia.

Chama a atenção o paralelismo com o primeiro turno: Haddad entrou em trajetória declinante depois do #Elenao do sábado 29 de setembro. A primeira manifestação eleitoral feita não a favor, mas contra um candidato, no caso Bolsonaro. Há um bocado de raiva no eleitorado, mas os dados sugerem uma preocupação com a preservação de certos parâmetros. Parte do eleitorado, talvez a mais expressiva, busca mais a mudança e menos a revolução.

Uma eventual virada petista é um cenário improvável, raramente registrado não apenas em eleições brasileiras, mas em termos mundiais. Não pode mais ser dada, contudo, como absolutamente impossível. Para se materializar, Bolsonaro precisa errar mais.

O cenário ainda mais provável, que é o de vitória de Bolsonaro, já encerra em si um significado histórico claro e interrogações em relação ao futuro. Sabe-se o ciclo que se encerra, não o que se abre.

Este cenário colocaria fim a um movimento que começou no primeiro ano do governo Figueiredo. Pressionada pelas circunstâncias, a abertura organizada pelos ministros Golbery do Couto e Silva e Petrônio Portella fincou as balizas do jogo que vigorou por quase 40 anos.

A dupla dissolveu a Arena e o MDB e criou um sistema de cinco partidos. Golbery e Petrônio já anteviam que, para os militares, seria impossível manter uma maioria congressual e que portanto era importante criar um sistema fluido, que permitisse coalizões no Congresso.

Para impedir que Brizola disputasse a hegemonia na oposição, tolerou-se o PT de Lula. O brizolismo já tinha sido impedido de ficar com a sigla PTB, registrada em nome de Ivete Vargas. Brizola teve que inventar um PDT.

O PMDB preservou-se relativamente intacto e cavou uma cunha no PDS, sucedâneo da Arena, dissidência esta que se reuniu posteriormente no PFL. Juntos forjaram o governo Sarney.

Alicerçado em seus governadores, o PMDB se tornou uma máquina decisiva para formar maioria e incapaz de ter projeto de poder próprio. Atrás de um, parte do partido se separou e formou o PSDB. Um cacique, Miguel Arraes, ressuscitou uma sigla de expressão regional, o PSB. Instalou-se um sistema de oito partidos, PMDB, PDS, PFL, PSDB, PDT, PTB, PT e PSB que são os que tiveram importância nas últimas décadas, seja com estes nomes, seja trocando a razão social. O resto fez figuração.

A força do dinheiro entrou em 1989. Collor ganhou a presidência e governou de costas para o Congresso e para o empresariado. Caiu, não sem antes deixar evidente que as eleições se tornavam máquinas de fazer girar recursos. Cevou um sistema cleptocrático.

Este binômio, o da corrupção e o da composição, passou a guiar o Brasil. A isto convencionou-se chamar de presidencialismo de coalizão. Com ele abriram-se monopólios na economia, estabilizou-se a moeda, criaram-se programas de transferência de renda, garantiram-se direitos às minorias, acabou-se com a fome, criou-se uma nova classe média e o maior esquema de corrupção já noticiado no planeta. Muito se fez, muito se roubou.

O jacobinismo autoritário que aflorou com Bolsonaro era impensável quando o binômio viveu seu esplendor, no segundo mandato de Lula. O binômio tinha sua perversão, mas não colocava em risco a alternância democrática. Alimentava-se dela.

A vitória de Bolsonaro varreria esse sistema. Em um primeiro momento teríamos um presidente inexperiente, cercado de amadores na gestão pública, insuflados pela radicalização de parte dos eleitores, não a mais numerosa.

Bolsonaro e seus principais assessores em momento algum durante a campanha acenaram com o fechamento do regime, mas o mesmo não se pode dizer do seu vice, nem de parte de seus admiradores. Não faltará quem faça a sugestão ao próximo presidente.

Ele pode se tornar um ditador se vencer? Não há resposta cabal. Alguns argumentos sugerem que não. O discurso intolerante do último domingo está dentro de uma tradição bravateira. Significa que Bolsonaro pode manter o clima de campanha e de divisão, porque sabe de onde vem a seiva que o nutre. A crispação política o blindaria de apresentar resultados para demandas populares.

O truque é velho, efêmero e funcionou mal em outras ocasiões, como a da caça aos marajás e a da vassoura pra varrer a bandalheira. A demonização da oposição não tem preservado governantes e por isso parte da opinião pública desconfia do soco na mesa.

É de se pensar o que Bolsonaro faria na primeira greve de caminhoneiros que enfrentar. Boulos, Gleisi, e a constelação da esquerda podem ser bodes expiatórios, mas não viria desta oposição as maiores ameaças à estabilidade do governo. O perigo estaria nos que o favorecem por agora, seus aliados de ocasião, que fecham com ele pelo antipetismo.

Há também argumentos a sugerir que sim, Bolsonaro poderia transformar o Brasil em uma ditadura, se assim o desejasse. Há uma anomia, um enfraquecimento da imagem das instituições. Ele se ergue como única referência popular.

O autoritarismo hoje busca legitimação no voto. O cerceamento das liberdades, quando ocorre, tem a chancela da maioria popular. Fujimori no Peru em 1992 para dar um autogolpe colocou tanques nas ruas. Hoje talvez convocasse um plebiscito.

Por fim, e se Bolsonaro "desse certo"? "Dar certo" significa para alguns realizar um governo pactuado de direita. Ele garantiria a carta branca a Paulo Guedes, a independência ao Banco Central, a moderação no Legislativo ao enfraquecido centrão e transferiria poder a prefeitos e governadores.

Seria um presidente que delegaria mais poder, e não menos. Por enquanto, este cenário mais positivo é um artigo de fé.

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