quinta-feira, 18 de outubro de 2018

Daniela Lima: Com o Supremo, com tudo

- Folha de S. Paulo

Impressiona a incapacidade da Justiça de se entender como parte do sistema em crise

Ok que a Justiça precisa ser cega para ser imparcial, mas deveria parar por aí. Chega a impressionar a incapacidade do Judiciário brasileiro de entender que faz parte do sistema que vive uma crise de legitimidade no país.

Há dificuldade entre ministros de cortes superiores, juízes e também entre membros do Ministério Público de compreender que estão, todos eles, inseridos até a alma na estrutura contestada por parte significativa do eleitorado.

O sintoma mais visível dessa cegueira deliberada é a letargia de ministros que compõem o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) de responder à altura os ataques que o tribunal, como instituição, vem sofrendo diuturnamente.

Diante das centenas de questionamentos sobre a lisura da eleição, das urnas, e também diante das fake news, tudo o que os guardiões da Constituição produziram foi bravata, ironia e inação.

O líder das pesquisas repetiu pela enésima vez em setembro que o sufrágio no Brasil não é seguro. "Tem gente que acredita em SaciPererê", respondeu Dias Toffoli, presidente do Supremo Tribunal Federal. Sim, ministro. Ao que parece, muita gente.

Luiz Fux, que presidiu o TSE até agosto, chegou a dizer que as eleições poderiam ser anuladas se influenciadas por notícias falsas. E agora?

Rosa Weber, que assumiu a corte depois dele, se limitou a proferir meia dúzia de declarações protocolares.

No dia do primeiro turno, diante da proliferação de vídeos (montagens, depois se comprovou) e suspeitas lançadas por candidatos, um ministro do TSE se limitou a dizer que é com "isso aí que a gente vai ser obrigado a lidar".

Foi preciso que Weber, que ainda tem a imagem pessoal preservada, recebesse uma ameaça para deflagrar um arremedo de reação. A mensagem ofensiva foi revelada pela repórter Thais Arbex, no Painel desta Folha, na segunda-feira (15).

As instituições estão funcionando? A maioria da sociedade parece não concordar e o faz dando uma belíssima banana para o sistema vigente. O que vão fazer os magistrados que defendem uma Justiça atenta "aos anseios das ruas" diante da agenda que se levanta nesta eleição?

Eliéser Girão Monteiro Filho (PSL-RN), general recém-eleito deputado, disse em entrevista ao Estado de S. Paulo que o impeachment e a prisão de ministros do STF deveria integrar o "plano de moralização das instituições da República". Está bom ou querem mais?

Uma reforma do Judiciário estava na agenda das duas campanhas que chegaram ao segundo turno da disputa pelo Planalto. Jair Bolsonaro (PSL) e Fernando Haddad (PT) recuaram, mas a prudência recomenda que o assunto não seja dado como enterrado.

Entre os generais que assessoram Bolsonaro, hoje franco favorito à Presidência, há um que afirmou que a década de 1970 foi uma maravilha porque não tinha Ministério Público nem Ibama "para encher o saco".

O presidenciável, por sua vez, não se comprometeu em escolher o Procurador-Geral da República por meio de lista tríplice. Quer alguém isento, disse. O que seria isso? Ele esclareceu: não pode ser de esquerda.

Procuradores e promotores já demonstram preocupação com retrocessos na defesa dos direitos humanos e da legislação ambiental. O que farão se forem tolhidos de parte de suas obrigações legais? Vão se contentar com o papel de polícia [da] política?

O Judiciário precisa tirar a venda para se olhar no espelho. A pauta corporativista regada a auxílios, os embates públicos e os ataques de voluntarismo deixam rastros de caminhos retóricos que podem ser acionados para questionar o funcionamento dos tribunais.

Sim, excelências, a era é a do "fora todos", com o Supremo, com tudo.
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Daniela Lima é editora do Painel.

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