domingo, 7 de outubro de 2018

Fernando Henrique Cardoso: Hora de voto

- O Estado de S. Paulo

Mais do que nunca é preciso insistir em nossos valores, na democracia

A fragmentação partidária, os sentimentos exaltados e o personalismo triunfante não respondem às necessidades do povo e do País. Na vida política não basta ter ou imaginar que se tem razão, é preciso que a mensagem seja sentida pelas pessoas e que elas escutem e queiram avançar na direção proposta. Até agora o caminho das reformas e do equilíbrio não parece ser o preferido pela maioria. O eleitorado decidirá hoje os adversários que se enfrentarão no segundo turno. Ainda é tempo de parar a marcha da insensatez. Uma coisa é certa: o eleito ao final de outubro terá de obedecer à Constituição e tanto os que nele votaram como os que a ele se opuseram terão de respeitar o resultado das urnas.

O que está em jogo não é o partido tal ou qual, nem se o candidato é bom ou mau ser humano. Mas, sim, o que pretende e poderá fazer. Terá capacidade de juntar pessoas e forças políticas para governar? Dará rumo à Nação? Concordo com o que ele propõe e avalio que será capaz de fazê-lo? Para responder é preciso analisar o quadro político, social e econômico em que o novo presidente vai operar. Não se trata de escolher o candidato apenas por seus atributos pessoais nem pelo que dizem os partidos (os quais em geral silenciam sobre os verdadeiros problemas), mas, principalmente, pelo que o candidato já fez e por sua capacidade política.

Depois de 2013 os governos do PT levaram a economia à recessão. Como disse na carta que escrevi recentemente aos eleitores, há problemas gritantes no País, a desorganização das finanças públicas e o desemprego são sinais deles. A rigidez dos privilégios burocráticos dificulta cortar os gastos com o funcionalismo. As desigualdades gritantes da Previdência, em especial entre alguns servidores públicos e trabalhadores do setor privado, criam castas de beneficiários, muitos do quais se aposentam cedo com proventos muito acima do que seria justo receberem.

Diante dessas e de outras despesas obrigatórias, o governo federal acumulou nos últimos cinco anos déficits de R$ 540 bilhões. O que havia sido um superávit de cerca de 3% do PIB desde 1999, algo maquiado a partir do segundo governo Lula, se tornou um déficit de mais de 2% do PIB a partir de 2015, graças ao descalabro fiscal e ao desastre econômico produzido pelo governo Dilma. Acrescidos das despesas com juros, a sequência de déficits primários fez a dívida pública do governo federal se aproximar de R$ 4 trilhões e a do Estado brasileiro em seu conjunto superar os R$ 5 trilhões este ano. 

A dívida total, já perto de 80% do PIB, continua a subir, a despeito da queda da taxa básica de juros nos dois últimos anos. No ritmo de crescimento que a dívida vem apresentando - ela se situava pouco acima de 50% do PIB em 2011 -, chegará um momento em que só com inflação alta, que corrói o valor real da despesa do governo, o Estado brasileiro poderá financiar-se. O roteiro desse filme todos os que têm mais de 50 anos conhecem muito bem. E ele termina mal, com o empobrecimento do País e, sobretudo, das pessoas socialmente mais vulneráveis. Voltaríamos assim a um passado tenebroso, sobretudo para os mais pobres.

O agravamento da crise seria dramático para uma sociedade desigual e fragilizada por cinco anos de recessão seguida de recuperação econômica anêmica. O desemprego atinge entre 12% e 13% da população ativa, cerca de 13 milhões de pessoas. Sem falar nos que estão ocupados, mas sem carteira de trabalho, cerca de 38 milhões, e afora os chamados “desalentados”, que desistiram de procurar emprego. A soma ultrapassa os 60 milhões de adultos que estão ou correm o risco de cair na pobreza ou na extrema pobreza.

Ao desemprego somam-se o medo da violência crescente, em alguns casos da própria polícia, e a expansão do crime organizado. A sensação de desordem, a insegurança e a agonia do desemprego são a realidade cotidiana de dezenas de milhões de pessoas. Para muitas não resta opção que não seja aderir ou acomodar-se ao crime organizado, ou encontrar consolo espiritual e solidariedade nas igrejas.

Como falar de “democracia” nestas circunstâncias, se falta o pão e a segurança é precária? Por trás está um sistema político regado a corrupção e uma cultura de permissão e leniência com quem atua, no andar de cima, à margem das leis. O povo vê nos partidos e nos candidatos mais ligados a eles os responsáveis por tudo isso. Procuradores e juízes, frequentemente com razão, mas não raro sem o zelo e o equilíbrio que se espera dos profissionais do Direito, reforçam a sensação de que toda a política é suja e nenhum político escapa à podridão.

Quase todos os candidatos, especialmente os que aparecem à frente, nem sequer abordam com seriedade os problemas reais que estão por trás do mal-estar das pessoas. Estas, no desespero, agarram-se a aparentes soluções polares, mais por identificação simbólica que por adesão racional. Sentem medo, quando não horror, da volta ao lulopetismo e aderem ao candidato que promete tudo resolver no grito, quando não na bala, ou, no polo oposto, juntam-se em torno da nostalgia de um passado idealizado que, se tentar se repetir, comprometerá gravemente o futuro do País.

Mais do que nunca, é preciso insistir em nossos valores, a democracia entre os principais. Além de valores, quem pede o voto do povo deve ser capaz, no mínimo, de reorganizar as finanças públicas e as pôr a serviço dos maiores interesses da população e do País. É por isso que votarei em Alckmin: ele não apenas diz, mas fez. Basta comparar os resultados das políticas públicas de seus governos, inclusive na segurança e na oferta de serviços de saúde e educação, com a situação dramática de alguns outros Estados e do governo federal. Entre os principais candidatos é quem pode juntar forças para dar rumo novo ao governo.

É preciso parar a marcha da insensatez. Ainda há tempo. A hora é agora.
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*Fernando Henrique Cardoso é sociólogo, foi presidente da república

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