segunda-feira, 15 de outubro de 2018

Fernando Limongi: O admirável mundo do Novo

- Valor Econômico

Partido toma decisões com olhos voltados à agenda econômica

O Brasil está à beira do abismo, a um passo da queda. Não há meias palavras, nem pílula a ser dourada. Ou Bolsonaro é derrotado ou viramos as Filipinas. O tamanho do desastre não pode ser minimizado. Não enxerga quem não quer.

O centro e a direita civilizada estão sendo vítimas dos fantasmas que criaram, do bicho-papão que inventaram para assustar a todos. Chamaram o lobo para protegê-los, mas se esqueceram de que nem todas as feras são passíveis de polimento. É como aceitar a proteção da máfia. Quando se derem conta, serão as vítimas de seus salvadores.

A hora da razão está sendo desperdiçada. Tome-se como exemplo o pronunciamento do candidato do Novo: "O PT é muito desalinhado com o que o Novo pensa, mas gostaria de ouvir mais do outro candidato. Ele tem algumas ideias na parte econômica, vindo do seu assessor, o Paulo Guedes, que se assemelham ao que defendemos."

O Novo, como se vê, toma decisões ouvindo apenas um lado e com olhos voltados exclusivamente para a agenda econômica. É assim que o "mercado" processa informações? Agentes racionais devem revisar seus juízos a partir das informações que recebem. O medo do bicho-papão faz com que Amoêdo se esqueça dos ensinamentos básicos que aprendeu em seu curso de economia. Tudo o que Bolsonaro falou e fez está sendo ignorado, ao passo que se deposita confiança em promessas que, levadas em conta as informações disponíveis, não são críveis.

Amoêdo, portanto, quer ouvir Guedes com a disposição dos crédulos, daqueles prontos a aceitar as provas do milagre. Interessante que não ocorra ao Novo perguntar por que ainda se sabe tão pouco do programa do candidato que tende a apoiar. Interessante também que Amoêdo queira ouvir Guedes e não Bolsonaro, de quem, com certeza, não ouviria o que deseja, se é que seria recebido.

Entrevistado pela Band, Bolsonaro declarou que não privatizará nada e que não fará a reforma da Previdência. O Novo ouviu? Onyx - o Novo sabe quem é? - também disse que não quer reformar a Previdência, que as contas não estão tão ruins. O pior crente é o que quer ser enganado.

Em 18 de abril de 2018, Gustavo Franco, ideólogo do Novo, declarou ao InfoMoney: "E, a julgar pelas pesquisas de agora, o risco da vitória desse populismo nacionalista militarista é ponderável e preocupante. Acho que será péssimo para a economia."

Por que o Novo mudou de posição? Mesmo sem novas informações - Amoêdo desconhece a proposta de Bolsonaro - o partido reviu sua postura. Por quê?

O fato é que, faz tempo, nem o Novo nem ninguém ouve nada de Bolsonaro ou Guedes. O PSL entendeu que o silêncio recompensa e recomendou a todos os seus seguidores: não falem, pois perderemos votos cada vez que dissermos o que faremos.

E, por acaso, é só a economia que conta? O Novo não quer saber a proposta do seu neocandidato para a educação? Aliás, custa crer que economistas, que colocaram a educação no centro da agenda do país, calem-se diante das propostas de Bolsonaro para a área. O atraso educacional do país não seria nosso principal problema? A baixa produtividade dos trabalhadores brasileiros não seria uma função da má qualidade do ensino? Não precisaríamos de investimentos massivos em capital humano?

Para resolver estes problemas, Bolsonaro tem grandes planos: educação à distância e a volta da cartilha "Caminho Suave", usada durante a ditadura. Optou por essa via porque acredita piamente que a escola é um criadouro de comunistas e homossexuais engajados em uma luta para destruir a família. O plano é genial: vamos melhorar o nível educacional dos brasileiros retirando crianças da escola. É assim que se eleva a produtividade do trabalho? É assim que vamos formar cidadãos conscientes?

Sim, há algo pior que o PT. Muito pior, e quem o diz não são barbudinhos de esquerda, homossexuais ou professorzinhos da USP e sim "The Economist", "Financial Times" e "The Wall Street Journal": o Brasil se prepara para se irmanar às Filipinas.
Na no pé da página de "O Estado de S.Paulo" que trouxe a entrevista com Amoêdo, o leitor podia ler o seguinte: "Witzel participou de ato em que placa de Marielle é destruída." Eis a transcrição de "O Globo" do discurso proferido no ato: "Marielle foi assassinada. Mais de 60 mil brasileiros morrem todos os anos. Eu vou dar uma notícia para vocês. Esses vagabundos, eles foram na Cinelândia, e à revelia de todo mundo, eles pegaram uma placa da Praça Marechal Floriano, no Rio de Janeiro, e botaram uma placa escrito Rua Marielle Franco. Eu e Daniel essa semana fomos lá e quebramos a placa. Jair Bolsonaro sofreu um atentado contra a democracia e esses canalhas calaram a boca. Por isso, a gente vai varrer esses vagabundos. Acabou Psol, acabou PCdoB, acabou essa p*** aqui. Agora é Bolsonaro, p***". O vídeo está na página do deputado federal eleito Daniel Silveira.

Não é grande a distância entre Ipanema e a Cinelândia e se enganam os que acham que quem despedaça placas com o nome de Marielle Franco não se aventurará a fazer o mesmo na Farme de Amoedo. O Novo talvez não tenha ouvido, mas no "Jornal Nacional" de segunda-feira, o primeiro agradecimento de Bolsonaro foi aos caminhoneiros. São estes os seus fiéis escudeiros, o seu exército, com quem e para quem vai governar.

Bolsonaro é antes de tudo um oportunista. Sua união com Guedes tem tanto valor quanto sua promessa de conceder o décimo-terceiro salário para beneficiários do Bolsa Família.

Convenientemente, a carreira politica de Bolsonaro, suas ligações com os porões do regime militar, sua oposição à abertura e à democratização do país são desconsiderados. Ninguém se lembra (ou quer ser lembrado) de que Bolsonaro ingressou na vida pública após planejar explodir bombas em quartéis.

Bem vindo ao admirável mundo do Novo. Congelado nos anos 60, o exterminador do futuro voltou à vida.
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Fernando Limongi é professor do DCP/USP, da EESP-FGV e pesquisador do Cebrap.

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