quinta-feira, 25 de outubro de 2018

Mais ondas de instabilidade nos mercados globais: Editorial | Valor Econômico

O crescimento chinês está em seu nível mais baixo desde 2009 (ainda assim, 6,5% no terceiro trimestre), a expansão europeia perdeu ímpeto nos últimos meses e as empresas americanas estão enfrentando aumento de custos ao mesmo tempo em que suas perspectivas de lucros são rebaixadas. Os mercados acionários estão se reacomodando com baixas significativas em um ambiente de juros em elevação. O acúmulo de incertezas indica que aumentaram as chances de que o crescimento global se desacelere com mais força do que o previsto.

Depois da exuberância do desempenho dos mercados acionários dos países ricos, assiste-se agora ao movimento contrário, em uma reavaliação de preços dos ativos ainda ordenada, mas intensa. O índice de ações globais do Financial Times recuou apenas em outubro 7,3% até anteontem, a pior performance desde quando eclodiu a crise da zona do euro em 2012 (FT, ontem). As bolsas americanas estão em baixa, com a Nasdaq à frente - ontem ela teve queda de 4,4%, seu pior dia em 7 anos - e o S&P 500 caiu 3,1%, acumulando seis baixas consecutivas e atingindo rentabilidade negativa no ano. As bolsas europeias acompanham o movimento com fatores baixistas próprios, decorrentes de indicadores de atividades que registraram que a indústria alemã cresceu ao menor ritmo em dois anos e meio e a francesa, em 25 meses.

A China e a guerra comercial que os Estados Unidos a ela impuseram estão no centro dos desequilíbrios econômicos que estão se formando. Mesmo sem muitos vasos comunicantes com o exterior, o CSI 300 da bolsa de Xangai caiu 21% no ano, trazendo mais problemas para o governo chinês, que luta para harmonizar objetivos conflitantes. O cerco tarifário dos EUA ainda não atingiu de forma plena o nível de atividade econômica, mas começa a fazê-lo. Pequim tenta dosar os incentivos para suavizar a desaceleração, mas não pode fazê-lo como deveria ou gostaria porque os problemas associados à bolha de crédito do passado não foram eliminados.

Pequim rolou a dívida dos governos regionais, evitando uma escalada de falências de empresas e quebradeiras no setor bancário sombra. O ativismo do governo é um sinal da magnitude dos problemas. A crise do endividamento foi contida com mais liquidez, mas a derrocada da bolsa o obriga a agir da mesma maneira. Há US$ 720 bilhões em ações nas bolsas, de companhias listadas, que foram dadas como colaterais em empréstimos por elas contraídos para financiamentos e capital de giro (FT, ontem). Com a queda das bolsas, esses papéis têm de ser vendidos, ampliando as baixas, ou cobertos por pagamentos correspondentes à diferença do valor acordado. O governo prometeu injetar dinheiro para que as empresas paguem os credores e evitem uma enxurrada vendedora de ações.

O efeito das medidas foi a queda de 10% do renminbi em relação ao dólar no ano, em mais um momento em que o governo americano flerta de novo com a intenção de acusar a China de manipular o câmbio. Para sustentar a moeda, o BC teria de elevar a taxa de juros, o que não pode fazer diante do mar de dívidas existente e da desaceleração econômica. O efeito colateral positivo dessa charada é que a desvalorização alivia um pouco a barreira tarifária colocada pelos EUA nos produtos exportados pela China.

O protecionismo americano e o controlado desaquecimento chinês são parte do enfraquecimento do desempenho industrial da Europa, especialmente do forte recuo da Alemanha, a terceira maior máquina exportadora mundial. As consequências da proteção americana, por outro lado, alimentam a alta dos custos de produção nos EUA, como relata o Livro Bege divulgado ontem, e desaguará nos preços ao consumidor. O núcleo do Indice de Preços ao Consumidor está há 7 meses acima da meta de inflação e o Fed seguirá, até segunda ordem, elevando os juros, o que já aumentou o custo da hipoteca e amorteceu o mercado imobiliário.

A pujança do mercado acionário americano, ao lado do corte de impostos feito pelo governo Trump, incentivou o consumo e o ajuste baixista nas bolsas terá o efeito contrário, enquanto que o alívio dos tributos desvanece. Os economistas preveem avanço de 3,3% no PIB americano do terceiro trimestre (ante 4,2%) do anterior e bem menos em 2019, 2,4%. Dessa forma, a desaceleração global ordenada dependerá da sensibilidade do Fed e do BCE em calibrar a dose de juros e saber a hora de interromper o aperto monetário. É uma situação propícia à algazarra nos mercados.

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