terça-feira, 16 de outubro de 2018

Maria Clara R. M. do Prado: Carta aberta ao bom senso

- Valor Econômico

PSDB pode ser o fiel da balança de um grande acordo nacional, mas não o faria sem envolvimento consequente do PT

O título deste artigo poderia ter sido "Carta aberta a FHC". Ou "Carta aberta a Lula". Escolher um ou outro, porém, significaria apelar para um dos dois lados que, por divergências de cunho mais retórico do que político, conviveram mal nos últimos anos. São líderes políticos com percursos diferentes, mas forjados nos mesmos ideais da social democracia. Apelo ao bom senso de ambos.

Dirijo-me, primeiro, ao ex-presidente FHC para lembrar o papel fundamental que teve nos idos de 1992, nos estertores do governo Collor de Mello, eleito três anos antes na onda da caça aos marajás e das políticas que colocariam o país na era supersônica. Uma grande aliança foi necessária para convencer o então vice-presidente, Itamar Franco, a assumir a cadeira presidencial e dar respaldo político a um governo que nascia fraco, sem liderança e sem estratégia.

Seu engajamento, presidente FHC, como senador na época, ajudou a garantir a governabilidade naquele momento delicado da República brasileira. Com as limitações que tinha, Itamar conseguiu governar até o final do mandato porque contou com a sua liderança e capacidade de persuasão. Não fosse isso, o Brasil não teria conseguido debelar a hiperinflação.

Contra o ceticismo dos políticos em geral, do FMI e mesmo dos economistas mais especializados no tema da estabilidade, foi a sua persistência, aliada a uma aguda percepção das possibilidades políticas e à confiança em uma ousadia bem direcionada, que conseguiu colocar de pé o mais ambicioso plano de estabilização jamais experimentado.

Seu nome, presidente FHC, ganhou lugar de destaque na história do país. Nada melhor do que gozar uma aposentadoria regada pelo orgulho do reconhecimento público. No entanto, nem sempre é possível escapar de um chamado em prol da preferência pela democracia, como ocorreu em 1992. O prestígio político impõe essa responsabilidade.

Dirijo-me agora ao presidente Lula, a quem não conheço pessoalmente. O PT nasceu sob o domínio de um governo de ditadura, onde tudo era vigiado e as divergências punidas com o rigor da tortura e, algumas vezes, com a morte. Ninguém pode apagar da história a contribuição do movimento sindical no processo de resistência aos governos militares. Anos adiante, sob a vigência da democracia e depois de dois governos do PSDB, a vitória do seu partido colocou a nu a má distribuição de renda, vigente no país desde muitos séculos e tão bem resumida por Edmar Bacha na expressão Belíndia.

Com suas políticas, presidente Lula, a grande massa de brasileiros ganhou consciência de que aspirações sociais e econômicas podem ser alcançadas com oportunidades de acesso à educação, ao mercado e a condições básicas de saúde. A proliferação das mídias sociais reforçou aquela percepção.

Sua trajetória foi destaque no mundo. Ainda em 2014, conceituados acadêmicos norte-americanos não se cansavam em alardear as políticas que colocaram de 30 a 40 milhões de brasileiros na classe média. Boa parte disso esvaiu-se, infelizmente, com a recessão e a desastrada administração das finanças públicas no governo de sua sucessora, Dilma Rousseff. Ficou uma atenção maior no meio acadêmico ao tema da distribuição.

A corrupção manchou a reputação do PT, responsável maior pelos desmandos que envolveram a Petrobrás e outros incidentes não menos condenáveis. A Lava-Jato colocou-o, presidente Lula, atrás das grades. Ainda assim, seu carisma garantiu um eleitorado fiel que perdurou neste ano, conforme atestam as pesquisas eleitorais anteriores à proibição da sua candidatura.

Apesar de ter elegido a maior bancada na Câmara dos Deputados, a situação do PT está longe de confortável. Seu candidato, presidente Lula, só sairá vencedor nesta eleição presidencial se e quando o PT der a mão à palmatória e, de forma sincera, com espírito democrático, admitir o engajamento em uma plataforma política maior, ditada pelos interesses da nação, em comum acordo com outros partidos dispostos a contribuir para o avanço do país, contra o retrocesso.

Por mais esfacelado que esteja, o PSDB abriga importantes lideranças políticas com capacidade de influenciar os formadores de opinião, a classe empresarial e o meio acadêmico. Pode e tem condições de ser o fiel da balança de um grande acordo nacional, mas não vai daria a cara a bater sem o envolvimento consequente do PT.

Um acordo político requer compromissos objetivos, sem demandas pessoais ou partidárias. Requer patriotismo e coração aberto para a superação de mágoas e ressentimentos. Requer a percepção do timing correto, para que não se perca uma oportunidade que pode ser única.

Vivemos um momento perigoso. Erram os que colocam em segundo plano temas "comportamentais" na ingênua crença de que basta o compromisso com as reformas econômicas para uma sociedade funcionar de modo civilizado. Introduzir a religião nas escolas, afrouxar a lei do armamento, tratar negros, mulheres e gays como cidadãos de segunda classe, defender a tortura e ser conivente com a violência como forma de defesa de opiniões pessoais não são questões de menor importância. São condições básicas para o sucesso de qualquer iniciativa de "cunho econômico".

Pergunta-se: Seriam tão irreconciliáveis as diferenças entre os dois maiores líderes políticos do país, a ponto de fecharem os olhos neste momento crítico para o futuro da República? Não seria a continuidade do processo democrático motivo maior para se negociar o envolvimento em torno de um mesmo projeto, amplo e nacional, do tipo dos pactos de Moncloa (que salvaram a Espanha da crise política de 1973)? Por que não é possível desenhar um grande acordo que viabilize, na democracia, as reformas estruturais há anos demandadas e jamais implementadas por falta de vontade política?

Nenhum partido é dono da democracia brasileira. Em nome dela, tão jovem e por isso tão vulnerável, pede-se a união do PSDB, do PT, do DEM, do PSD, do MDB, do PPS e PDT, entre outros, com o apoio de diversos segmentos da sociedade, em torno de uma candidatura que passe a representar não um partido, mas uma plataforma política. Aproveito para pedir desculpas ao presidente FHC e dizer que não é minha intenção constrange-lo moralmente. Apenas apelo ao bom senso.

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