quarta-feira, 10 de outubro de 2018

- Míriam Leitão: A vida fiscal como ela é

- O Globo

Bolsonaro e Haddad ainda não apresentaram soluções viáveis para o país superar a crise fiscal. Haverá urgências já no início de 2019

A realidade aguarda os vencedores. Ela exigirá do próximo presidente habilidade para desarmar bombas fiscais. A vida real e os palanques não conversam. Quem for eleito presidente do Brasil terá que tomar decisões antes de subir a rampa porque algumas delas têm data e hora. Os primeiros dez meses serão de decisões urgentes.

O Supremo Tribunal Federal (STF) deu prazo para o Congresso regulamentar a Lei Kandir que termina este ano. Ela estabelece, como se sabe, uma compensação para os estados pela desoneração nas exportações de alguns produtos. O gasto anual tem sido de até R$ 3,8 bilhões. O Congresso quer aumentar para R$ 39 bilhões. Não dá para adiar a decisão, porque se não for regulamentado até o fim do ano o TCU vai decidir. Multiplicar por dez esse gasto é viável? O eleito terá que mobilizar apoios no Congresso para desarmar essa bomba ou resolver de onde tirar o dinheiro.

No final do ano passado, o Congresso aprovou a emenda que manda abrir uma linha para estados e municípios pagarem seus precatórios, que chegam a R$ 100 bilhões. A equipe atual tem tentado tourear isso, sem muito sucesso porque a base parlamentar se rebela. A emenda manda que a linha de financiamento tenha juros da poupança. O próximo governo terá que decidir com seus deputados e senadores de onde tirar dinheiro para isso ou como derrubar a emenda.

O governo Dilma fez uma renegociação que reduziu muito a dívida dos estados e municípios, jogando o custo na União. Foi trocado o indexador, reduzida a taxa de juros e ampliado o prazo de pagamento em mais 20 anos. Apesar disso, cada vez mais estados entram na Justiça para não pagar. Minas Gerais vive à base de liminares. Desde junho não paga as parcelas da dívida de quase R$ 500 milhões por mês e entrou na Justiça para que o Tesouro não retenha o Fundo de Participação dos Estados.

O novo presidente terá que decidir o que fazer com o subsídio ao diesel. Esse é um dos poucos assuntos da urgência fiscal sobre o qual os candidatos falaram. Deram respostas ruins. Jair Bolsonaro, na entrevista da Globonews, se solidarizou com os caminhoneiros pela greve e disse que se fosse necessário venderia até a Petrobras para resolver o problema do diesel alto. Depois, recuou dessa resposta totalmente sem sentido. Se for vender a empresa, não há de ser por esse motivo. Fernando Haddad criticou as mudanças na Petrobras e sinalizou com a volta da política de preços que no governo Dilma custou R$ 60 bilhões à empresa. Não é trivial esse assunto mesmo, porém este ano o subsídio ao diesel será de R$ 9,5 bilhões. Será mantido?

A política de salário mínimo termina no ano que vem. Hoje ele é reajustado conforme a inflação e o crescimento de dois anos antes. Como ficará depois? É preciso fazer as contas. O salário mínimo teve 44% de aumento real no governo Fernando Henrique e 54% no governo Lula. Era necessário recuperar o valor do mínimo depois da hiperinflação brasileira, mas quando ele sobe o custo da Previdência aumenta. Bolsonaro falou em recuperar o valor das aposentadorias e pensões pelo múltiplo do salário mínimo de quando o benefício foi concedido. Isso catapulta o custo da Previdência e ele jamais explicou como fará isso.

Na entrevista ao Jornal Nacional, ambos defenderam a isenção do imposto de renda até cinco salários mínimos. Parece lindo, mas isso beneficia todos os contribuintes, porque a parcela até cinco mínimos ficaria isenta para todos, até para quem ganha muito mais. Foi proposta pelo PT e copiada por Jair Bolsonaro. Custa R$ 60 bilhões segundo o Ministério da Fazenda, mas nenhum dos dois fala do custo, nem diz de onde sairá o dinheiro. A proposta de Bolsonaro inclui criar uma alíquota única de 20%, o que diminui o imposto para os mais ricos.

O PT tem um programa populista na área econômica. Jair Bolsonaro escreveu um programa com tintas liberais, mas o que ele diz é populista também e não combina com o que está escrito. Se os economistas do mercado financeiro quiserem conversar a sério sobre o “reformismo liberal” de Jair Bolsonaro precisam responder, pelo menos, como ele vai desarmar as bombas imediatas de primeiro grau. Copiando Nelson Rodrigues, é preciso falar sobre “a vida como ela é”. A vida real e fiscal de um país em escombros. E não as miragens voláteis do mercado financeiro.

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