sábado, 27 de outubro de 2018

Pergunta no posto: Editorial | Folha de S. Paulo

Fuga de Bolsonaro de debates leva à falta de clareza sobre propostas

À parte o truísmo de que faltou debate de propostas e planos na campanha eleitoral, é manifesta a carência de discussão (e consenso) até no círculo do candidato que lidera os índices de intenção de voto. No tema energia, a plataforma de Jair Bolsonaro (PSL) comporta tanta algaravia que melhor se descreveria como incongruente.

O postulante é contra ou a favor de privatizar partes importantes da Eletrobras e da Petrobras? Deseja manter a atual política de preços para combustíveis? Planeja construir grandes reservatórios hidrelétricos na Amazônia ou dará preferência a usinas a fio d’água? Não se sabe ao certo.

Uma das razões para esse déficit de clareza reside na fuga de Bolsonaro de debates em que pudesse ser questionado sobre pontos nebulosos de seu programa.

A ala ultraliberal de economistas liderada por Paulo Guedes conta com a venda de estatais para tapar o buraco nas contas públicas.

O engenheiro Luciano de Castro, que coordena o plano do PSL na área energética, fala em “dar uma guinada de 180º com relação aos governos do PT”, com descentralização e redução do papel do governo no setor elétrico.

Não há dúvida de que as políticas intervencionistas da presidente Dilma Rousseff (PT) colheram resultados desastrosos. Há que mudar de rumo, como de resto vinha buscando Michel Temer (MDB), mas falta o PSL explicitar qual rota pretende seguir.

Na outra ponta dos 180º se perfilam não só os desenvolvimentistas de Dilma como também militares nacionalistas que cercam Bolsonaro, herdeiros das prioridades ufanistas traçadas pelo general Ernesto Geisel nos anos 1970. Parece pouco provável que aceitem cobrir a retaguarda de Guedes e Castro nas investidas contra estatais.

O próprio candidato se contrapôs aos planos abrangentes de desestatização. Bolsonaro descarta deixar o setor sob controle de “terceiros”: “Você vai deixar a nossa energia na mão do chinês?” —já teve oportunidade de afirmar.

Uma saída aventada seria o mecanismo das “golden shares”, que manteria o poder de veto governamental em decisões estratégicas nas empresas privatizadas. Há incerteza, entretanto, quanto à aceitação desse compromisso pelos militares que cuidam da área de infraestrutura.

Não será em postos de gasolina desta ou daquela marca que o público e os investidores encontrarão respostas para as questões decisivas sobre esse insumo fundamental da economia. Compete ao próprio candidato esclarecê-las.

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