sexta-feira, 9 de novembro de 2018

Bruno Boghossian: Café frio

- Folha de S. Paulo

Temer pode até se empenhar, mas a bola já está com Bolsonaro

Michel Temer até tentou valorizar seu passe ao tocar a bola para JairBolsonaro. Relatando um Brasil mais otimista, entregou ao sucessor um caderno de 245 páginas com uma recomendação pouco modesta: “Não há espaço para retroceder. As mudanças precisam continuar”.

A transição entre governos é mais um ritual do que um espaço para articulações concretas. Com poder em extinção, o presidente que está de saída raramente consegue dar uma contribuição significativa ao eleito.

O período de 1989-1990 foi esburacado. Nas semanas seguintes à vitória de Fernando Collor, o então presidente José Sarney se isolou no Maranhão e passou a governar por telefone. A passagem de bastão foi marcada pelo silêncio público da dupla enquanto a economia derretia.

O primeiro encontro só aconteceu dois meses e meio depois da eleição. Sarney fora alvo de críticas pesadas de Collor na campanha e parecia incomodado. “Tenso, o presidente disfarçava o leve tremor nas mãos passando-as repetidamente pelo bigode”, relatava o Jornal do Brasil.

A transição de Itamar Franco para seu ex-ministro Fernando Henrique Cardoso foi mais cordial. Embora estivessem afinados, houve pouco que pudessem fazer antes da posse.

FHC queria aprovar uma reforma tributária ainda durante o mandato de Itamar, mas o presidente avisou que seria impossível. Líderes do Congresso diziam que não pretendiam facilitar a vida do tucano.

Em 2002, Fernando Henrique se reuniu por 55 minutos com Lula para repetir a liturgia. Depois, uma linha telefônica foi instalada para que os dois se comunicassem durante a transição. As conversas (criptografadas) tiveram pouco resultado.

Ainda que Temer trabalhe para aprovar uma reforma da Previdência, por exemplo, é Bolsonaro quem está no jogo. Em 1994, antes de deixar o governo, Itamar comprou uma garrafa térmica para seu gabinete. Brincava que era uma maneira de ter sempre café quente, já que os garçons do Planalto deixavam de servi-lo, à espera do próximo.

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