sexta-feira, 30 de novembro de 2018

César Felício: Paulo Guedes, a ordem e o progresso

- Valor Econômico

Estratégia econômica parece estar comprometida

Paulo Guedes começou a ser chamado a honrar o seu papel de avalista de Jair Bolsonaro junto à nata do meio financeiro e empresarial antes mesmo da eleição. Na reta final da campanha, Bolsonaro elevou o tom e gravou um discurso para seus apoiadores na avenida Paulista de caráter nitidamente ameaçador contra a oposição. Falava em "banir os marginais vermelhos da pátria" e fazer valer a lei no lombo da "petralhada".

Guedes foi acionado por interlocutores. Lembraram ao economista que aquela era uma maneira de ganhar as eleições que prejudicava a governabilidade e que ele tinha a obrigação de se envolver nestas questões. O economista recebeu ainda um conselho de um deles: que jamais transigisse na defesa de valores democráticos.

Este interlocutor está convicto de que o futuro ministro da Economia entende a importância de um presidente manter-se nos limites da institucionalidade, sem procurar usar a sua popularidade para ampliá-los. Ele não tem certeza, entretanto, deste compromisso por parte do restante do entorno do presidente eleito.

Guedes gosta de dizer que seu encontro com Bolsonaro, no fim de 2017, foi a reunião "da ordem com o progresso". A ordem, claro, seria representada pelo capitão de reserva. Mas a amizade entre os dois, que dura apenas um ano, deixa evidente que existe uma expectativa de que o futuro ministro seja o manancial tanto da ordem quanto do progresso. Para agentes econômicos, autocratas embutem, por assim dizer, um risco de insegurança jurídica. Guedes seria o poder regulador do mercado sobre a aventura.

O primeiro mês do alvorecer da era bolsonarista jogou um pouco de sombra sobre a ascendência do avalista sobre o avalizado. Por um lado, Bolsonaro prometeu dar um superministério a Guedes, de porteira fechada. Está entregando o prometido: Guedes fez a indicação para o Banco Central, o Banco do Brasil, o BNDES, a Petrobras, a Caixa Econômica Federal, peitou Onyx Lorenzoni e mandou para a vala a ideia de se criar um Ministério da Produção e Emprego. Por outro lado, o presidente eleito manda sinais que comprometem o coração da estratégia de Guedes para a economia.

O futuro czar da economia contava com uma gigantesca venda de ativos, em conjunto com um drástico ajuste fiscal movido pela reforma da Previdência. Guedes não recebeu autorização para privatizar de maneira radical e a estratégia de tirar alguns pedaços da Petrobras, BB e Caixa é vista como duvidosa. Quanto à reforma do sistema previdenciário, é o próprio filho do presidente que coloca em dúvida a aprovação do que quer que seja.

Pode ser que o futuro governo tente uma insólita negociação com bancadas temáticas, por meio da qual um defensor da redução da maioridade penal se sentiria motivado a votar a favor do estabelecimento de uma idade mínima para a aposentadoria. Entre os que acompanham o Legislativo, contudo, há quem pense que esta ideia simplesmente não faz sentido.

Bolsonaro começou a estabelecer o varejo de negociação de cargos com o fisiologismo do Congresso agora. A esta função destinou os Ministérios da Cidadania, Esportes e Integração Nacional, com titulares anunciados anteontem. Ainda parece pouco para garantir a aprovação de algo com a magnitude da reforma da Previdência.

O primeiro mês na condição de presidente eleito de Bolsonaro o mostrou como um personagem complexo. Ele faz delegações cegas de poder a gente que conhece pouco. Se a amizade com Guedes é recente, com o filósofo Olavo de Carvalho, patrono de duas indicações para o ministério, o presidente eleito conversou "umas duas ou três vezes" segundo relatou em entrevistas o ideólogo dos novos tempos. Ele não parece garantir a seus ungidos o poder de realizar.

Dos seus núcleos de influência, quem sedimentou um poder moderador, de fato, em todas as outras áreas foi o militar. Generais de reserva ganharam ingerência sobre a articulação política, a nomeação de integrantes para o segundo escalão, os programas de parceria com o setor privado. Houve ali tática, estratégia, operações de contrainformação e planejamento de Estado-Maior.

Blindagem
Muito se fala dos países em que governos democraticamente eleitos enveredaram por uma trajetória autoritária, como Hungria, Turquia e outros. Um professor da Fundação Getulio Vargas de São Paulo, Mario Schapiro, alerta, contudo, que o liberalismo econômico, nos últimos anos, conseguiu criar blindagens à ação de administradores sensíveis ao cálculo eleitoral. Há uma tendência crescente no mundo de políticas econômicas saírem do debate público. Ele cita dois exemplos no caso brasileiro. O fim da TJLP, que tirou do governo a possibilidade de arbitrar sobre taxas de juro de longo prazo, é um indicativo. A PEC 95, que estabeleceu o teto de gastos, é outro sinal na mesma direção. E, a depender de seu formato, a independência do Banco Central pode ganhar o mesmo significado.

Pode-se argumentar que é saudável colocar determinados instrumentos de gestão econômica fora do estrondo e fúria das discussões conjunturais. Mas Schapiro frisa que esta não deixa de ser uma forma de se manietar a vontade popular.

PT
O documento que o PT deve analisar na reunião do seu Diretório Nacional, que começa com um tonitruante "Viva Cuba!" logo no primeiro parágrafo, mostra que, se o partido for fazer algum tipo de autocrítica sobre a derrota eleitoral, será uma autocrítica à esquerda. O PT está disposto a seguir em uma aliança preferencial com o PCdoB e o Psol, expressamente citados. É o espectro de alianças mais estreito que o partido estabelece desde a década de 80. É este o pacote que é oferecido a Fernando Haddad para estabelecer sua aliança. O caminho adotado pela principal sigla de oposição a Bolsonaro cria assim uma zona de conforto ao presidente eleito. Não há porque pensar que o antipetismo que grassa em todo o território brasileiro fora de alguns Estados do Norte e do Nordeste vá diminuir.

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