domingo, 25 de novembro de 2018

Dorrit Harazim: Oremos

- O Globo

Como Trump, Bolsonaro mescla o conceito de cristandade com liberdade individual, autodeterminação espiritual

Por ocasião da cerimônia de posse de Donald Trump, coube à pastora televangélica Paula White ser uma das lideranças espirituais elencadas a orar pelo 45º presidente dos Estados Unidos. Expoente do braço do cristianismo que promete recompensa divina àqueles que dão para receber, a religiosa prega a linha mais fundamentalista do Evangelho da prosperidade. Tudo certo, uma vez que toda cédula de dinheiro americano contém a frase “In God We Trust” (Em Deus confiamos). É a religião do pais.

Na ocasião, ouviu-se também o sermão de Franklin Graham, filho de Billy, o mais influente pregador evangélico do século XX e interlocutor espiritual de 12 presidentes americanos que antecederam Trump. Franklin comparou Trump a Ciro, o Grande, o conquistador persa que derrotou os babilônios e libertou o povo judeu, e sugeriu que o novo ocupante da Casa Branca libertaria o país dos pecados inerentes a Washington/Babilônia. (O fato de a antiga Pérsia ser hoje o inimigo mais obsessivo do presidente é uma dessas vírgulas do acaso).

Trump continua a contar com a fidelidade dos 81% de evangélicos brancos que o elegeram, apesar de ele mesmo ser de denominação presbiteriana, e não pentecostal ou neopentecostal. Seu triunfo mais astuto foi ter incorporado politicamente o termo “cristão” como sinônimo de civilização branca protestante. Em recente artigo no jornal “The Guardian”, Matthew Bowman, estudioso do assunto e autor de “Christian: The Politics of a Word in America”, demonstra como a direita religiosa se apropriou do termo ao longo dos últimos 150 anos, e passou a arbitrar o que é e o que não deve ser qualificado de cristão. A palavra usada como ferramenta política, histórica e política, sempre acoplada ao conceito de “civilização ocidental”, tem dado frutos.

Pouco menos de um mês atrás, na primeira aparição pública de Jair Bolsonaro como vitorioso nas urnas, o senador capixaba Magno Malta puxou uma oração improvisada para o futuro presidente. Ele mesmo, Malta, não se reelegera. Chegou a ter o nome veiculado para vice e talvez contasse com algum posto de primeiro escalão ao segurar a mão de Bolsonaro e agradecer a Deus pela vitória do “presidente de todos nós, um presidente que ama a pátria, um cristão verdadeiro”. Enfiado numa apertada camiseta verde-amarela com os dizeres “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos”, o pastor concluiu a pajelança entoando o slogan da vitoriosa campanha.

No Brasil de hoje, um em cada quatro eleitores se define como evangélico, e um terço votou em Bolsonaro, apesar de ele ser registrado como católico no Tribunal Superior Eleitoral. Casado há cinco anos com a evangélica Michelle de Paula Firmo Reinaldo, e batizado pela Assembleia de Deus dois anos atrás nas águas do Rio Jordão, o presidente eleito também mescla o conceito de cristandade com liberdade individual, autodeterminação espiritual e comportamento moral. E aceita, junto com Donald Trump, a ideia de que o apogeu disso tudo está na civilização cristã e na necessidade de defendê-la onde houver inimigos entrincheirados.

O ideólogo dessa linha de pensamento chama-se Steve Bannon, influente guru midiático da atualidade e principal arquiteto da vitória eleitoral de Trump, alem de único estrategista a prognosticar a vitória do Brexit quando nem os ingleses a levavam a sério. Não tardou para que Bannon passasse a ser cortejado por poderosos em busca de maior garantia no poder. O chamado “Movimento” — fundado por ele com sede na Bélgica para fomentar uma reviravolta populista na Europa — já recebeu a adesão de dois países governados por cruzados anti-migrantes — a Itália e a Hungria. “Prefiro reinar no inferno a servir no paraíso”, ensina o guru parafraseando o Satã do paraíso perdido de John Milton.

Ele agora mira nas eleições de maio próximo no Parlamento Europeu e promete implodir a construção continental para ressuscitar as nações-estado. En passant, já começou a estender seu poder de sedução sobre o clã Bolsonaro.

A ideia de uma Escola Sem Partido tem tudo para ser computada por Bannon como um passo na direção certa. Medida com DNA semelhante já fora adotada pela administração Trump em dezembro passado, quando o Center for Disease Control and Prevention (CDC), principal agência americana de proteção da saúde publica, recebeu a recomendação de evitar certas palavras para aumentar as chances de alocação de recursos. Entre elas, “feto” , “transgênero” e “diversidade”.

Foram sugeridas alternativas. No lugar de “com base na ciência”, por exemplo, seria mais estratégico dizer “recomendação científica em consonância às normas e desejos da comunidade”.

Palavras escrevem História, como sabemos. Oremos.

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