sábado, 24 de novembro de 2018

Energia desperdiçada: Editorial | Folha de S. Paulo

Se ficar tomado pela pauta ideológica, Vélez perderá chance de melhorar a perspectiva de futuro de milhões

A indicação do ministro da Educação explicitou uma disputa no novo governo que talvez nem sequer o presidente eleito conhecesse.

A reação de apoiadores de primeira hora de Jair Bolsonaro, religiosos conservadores sobretudo, a nomes não comprometidos com a chamada Escola sem Partido foi enérgica a ponto de modificar o curso dos acontecimentos e o perfil do titular da pasta.

Diante do veto ao educador Mozart Ramos, a escolha do professor de filosofia Ricardo Vélez Rodríguez, chamado às pressas para conversar com Bolsonaro, representou a vitória da ideologia pouco familiarizada com o setor sobre a técnica, o conhecimento especializado e a tarimba administrativa.

Nada que não possa ser recuperado. Outras pessoas que chefiaram a Educação nos últimos anos careciam de experiência no campo.

Todas tiveram a humildade de suprir essa deficiência cercando-se de assessores competentes, prestigiando a inteligência decantada no próprio MEC e, talvez mais importante, chancelando os diagnósticos na base dos programas prioritários, de longo prazo, que têm ajudado a recuperar parte do imenso atraso no ensino básico.

Dessa lista de prioridades não consta a implantação de mecanismos patrocinados pelo Estado, de resto inconstitucionais, para alcaguetar professores e bisbilhotar o que dizem em sala de aula.

O Ministério da Educação, à exceção de poucas escolas técnicas que mantém, não oferece ensino básico. São os municípios, concentrados nas crianças, e os estados, nos adolescentes, os provedores do serviço. O ente federal tem missões na regulação do setor e no estímulo ao aprendizado.

Dentro dessas prerrogativas, a definição da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) para o ensino médio, tendo sido encerrada a etapa do fundamental, desponta como a tarefa mais importante diante do novo governo.

A evasão e a repetência de jovens de 15 a 17 anos são o principal gargalo para o objetivo de universalizar o acesso à educação básica.

Há, além disso, dispersão demasiada nos desempenhos das redes locais de ensino. Dados os mesmos recursos financeiros e a mesma realidade socioeconômica, algumas pontuam perto da média de nações avançadas, enquanto muitas outras arrastam-se na baixa proficiência.

O MEC deveria aperfeiçoar suas ferramentas de incentivo e tornar-se um poderoso difusor das melhores práticas, para que o desempenho escolar da grande maioria dos alunos possa avançar depressa.

Se ficar tomado pela agenda ideológica que o conduziu ao posto, Vélez vai desperdiçar energia em temas condenáveis e de impacto restrito —e a oportunidade de melhorar a perspectiva de futuro de milhões de crianças e adolescentes.

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