segunda-feira, 26 de novembro de 2018

Nomeações para AGU e CGU ajudam a consolidar leniência: Editorial | Valor Econômico

Até certo ponto surpreendentes, as escolhas do presidente eleito Jair Bolsonaro para a Controladoria-Geral da União e para a Advocacia-Geral da União foram bem recebidas no meio jurídico e também no setor privado. De perfil técnico e pouco conhecidos do público, Wagner Rosário (CGU) e André Mendonça (AGU) trabalham juntos desde meados de 2016 e terão agora um horizonte de mais quatro anos para, entre outras coisas, consolidarem a aplicação da Lei Anticorrupção (12.846/13).

A legislação entrou em vigor em pleno terremoto da Operação Lava-Jato, com o papel de garantir o ressarcimento dos cofres públicos e a punição dos responsáveis pelos desvios. Porém, com um texto repleto de brechas e cercado de críticas, a lei emperrou em duas barreiras principais: as atribuições dos órgãos envolvidos e a forma mais adequada para sancionar os corruptos.

Entrou em cena o acordo de leniência, que tem como objetivo maior garantir o retorno de recursos desviados e, ao mesmo tempo, evitar que empresas quebrem por erros de conduta de seus executivos ou acionistas. Quase todas as principais empreiteiras envolvidas na Lava-Jato manifestaram interesse no acordo, mas nem todas estavam, de fato, dispostas a mudar suas práticas.

Para piorar, uma disputa institucional dificultou ainda mais a aplicação de lei. O Ministério Público Federal (MPF), por exemplo, não tem previsão legal para assinar os acordos de leniência, mas foi o primeiro a fazê-lo. Em troca de provas que ajudassem o aprofundamento das investigações da Lava-Jato, os procuradores assinaram acordos precários com as empresas.

A empreiteira Andrade Gutierrez firmou rapidamente um acordo de R$ 1 bilhão com o MPF, que justificou a cifra como sendo "o máximo que a empresa podia pagar e o mínimo que o Ministério Público aceitava receber". Como se pode notar, não houve nenhum critério técnico na definição do valor do ressarcimento, mas a empresa passou a se considerar quites com o Estado.

Após um atrito inicial, a CGU conseguiu convencer os envolvidos que um acordo só seria possível mediante confissão detalhada dos desvios e o cálculo do montante que deveria voltar para os cofres públicos.

Aí entrou em cena o Tribunal de Contas da União (TCU), reivindicando seu direito de fiscalizar o acordo que a CGU viesse a firmar com as empresas, para garantir o maior ressarcimento possível. Uma instrução normativa determinou que todas as fases do acordo fossem informadas ao tribunal, o que aconteceu durante um tempo, mas foi interrompido de forma bastante traumática.

Técnicos do TCU reclamavam de omissão de informações, enquanto gente da CGU apontava excesso de intromissão em seu trabalho. No meio, as empreiteiras continuavam sem contratos, sem crédito e algumas em recuperação judicial. Instalou-se um cabo-de-guerra: essas empresas deveriam devolver tudo o que ganharam com contratos fraudados, mesmo que isso significasse a falência? Ou um acordo mais ameno, que preservasse os empregos, deveria ser a melhor opção?

As divergências aumentaram quando os primeiros grandes acordos da CGU começaram a sair do papel, inicialmente com a UTC e depois com a Odebrecht. Arquitetos desses acordos, Wagner Rosário e André Mendonça garantem que os valores são adequados, mas deixaram a porta aberta para o TCU cobrar o restante, caso encontre alguma ponta solta. O tribunal, no entanto, deverá questionar formalmente os acordos.

Com a relação desgastada, Rosário decidiu não enviar mais informações ao TCU, sob o argumento de que o tribunal não tem competência para fiscalizar o trabalho da Controladoria nos acordos de leniência. O TCU reagiu e prepara uma convocação formal de Rosário para prestar esclarecimentos. O ministro, agora reforçado com a recondução, pretende levar a celeuma ao Supremo Tribunal Federal (STF), se necessário.

Apesar da disputa, seria injusto apontar má intenção em qualquer um dos lados. A opção pelo ressarcimento integral dos danos é tão legítima quanto aquela que privilegia a manutenção de milhares de postos de trabalho nas empresas investigadas. O fato inegável é que a recondução de Rosário na CGU e a escolha de Mendonça para a AGU representa a continuidade de um trabalho que, após muitos contratempos, começou a gerar frutos com os primeiros acordos de leniência e, consequentemente, com o amadurecimento da Lei Anticorrupção.

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