sexta-feira, 2 de novembro de 2018

Sergio Moro na Justiça: Editorial | O Estado de S. Paulo

Ao escolher o juiz Sergio Moro para o Ministério da Justiça, o presidente eleito Jair Bolsonaro foi coerente com seu discurso de campanha, fortemente marcado pela promessa de combate à corrupção - e, como se sabe, esse combate, simbolizado pela Operação Lava Jato, teve naquele magistrado um de seus próceres nos últimos quatro anos. “Sua agenda anticorrupção, anticrime organizado, bem como respeito à Constituição e às leis, será o nosso norte!”, escreveu Bolsonaro no Twitter ao dar a notícia, ainda em tom marcadamente eleitoral.

Já Sergio Moro, ao aceitar o convite, declarou que o fez porque sua ida para o Ministério da Justiça, “na prática, significa consolidar os avanços contra o crime e a corrupção dos últimos anos e afastar riscos de retrocessos por um bem maior”. Ou seja, a Operação Lava Jato, que já tinha assumido traços nitidamente políticos em razão da ação militante de alguns de seus procuradores contra toda a classe política, terá agora status de Ministério.

Mais do que isso: se for confirmado o desenho do Ministério da Justiça projetado por Bolsonaro, Sergio Moro terá autoridade extraordinária em áreas importantes. A pasta poderá absorver o Ministério da Transparência e Controladoria-Geral da União e o Ministério da Segurança Pública, além do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), hoje vinculado ao Ministério da Fazenda.

O futuro ministro, além das funções inerentes à proteção da ordem jurídica, próprias do Ministério da Justiça, poderá ter sob sua gestão a estrutura do Ministério da Segurança Pública, que inclui o comando da Polícia Federal e do sistema penitenciário, e também o controle interno do governo federal para prevenir e combater a corrupção nos diversos órgãos da administração, que é a função do atual Ministério da Transparência. Caso o novo Ministério inclua o Coaf, atuará também na prevenção e combate à lavagem de dinheiro. É um poder e tanto, que poucas pessoas no País estariam preparadas para exercer. Não se sabe se Sergio Moro terá a necessária familiaridade com os meandros da administração pública e o traquejo necessário à convivência sadia com políticos profissionais, por melhor que possa ter sido seu desempenho à frente da Operação Lava Jato.

Ademais, o juiz Sergio Moro sempre se apresentou, ao longo de sua trajetória na Lava Jato, como um magistrado orgulhoso de seu distanciamento do mundo político. Em 2016, Moro chegou a dizer, em entrevista ao Estado, que não tinha a menor intenção de entrar para a política, embora, já na ocasião, muitos fossem os apelos para que mudasse de ideia. “Não, jamais. Jamais. Sou um homem de Justiça e, sem qualquer demérito, não sou um homem da política. Acho que a política é uma atividade importante, não tem nenhum demérito, pelo contrário, existe muito mérito em quem atua na política, mas eu sou um juiz, eu estou em outra realidade, outro tipo de trabalho, outro perfil. Então, não existe esse risco”, disse o magistrado - que, em seguida, ao comentar a fama que havia adquirido por conta da Lava Jato, disse que aquilo não o afetava e citou “um velho ditado do latim que diz sic transit gloria mundi, basicamente ‘a glória mundana é passageira’”.

Ao que parece, o magistrado desconsiderou as lições dessa sábia expressão ao aceitar o convite do presidente eleito. Há muito tempo a Lava Jato vem extrapolando seus limites e objetivos, exercendo influência direta na política ao criminalizar políticos de praticamente todos os partidos - o que, de certa forma, abriu caminho para a ascensão de Jair Bolsonaro, um deputado do baixo clero que construiu sua candidatura com base num violento discurso antissistema.

A nomeação de Sergio Moro para o Ministério da Justiça, com a promessa de concentrar imensos poderes, atende plenamente aos objetivos imediatos de Jair Bolsonaro, materializando suas promessas palanqueiras de combate à corrupção; já para o futuro ministro e para o País, a médio e longo prazos, a manobra oferece substanciais riscos - que oxalá não se concretizem. A ânsia nacional de moralização dos hábitos políticos e administrativos não pode ser frustrada.

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