terça-feira, 25 de dezembro de 2018

Cora Rónai: Gente num mundo de máquinas

- O Globo

Até 2030, quase 16 milhões de trabalhadores brasileiros serão afetados de uma forma ou de outra pela automação, segundo estudo da McKinsey

Às vezes faço compras na “menorzinha” das lojas do Zona Sul, supermercado que tomou conta de Ipanema praticamente toda. Lá estão em funcionamento caixas eletrônicos em que o próprio consumidor fecha a conta, escaneando produtos, passando cartão e empacotando a mercadoria. Por enquanto, há algumas funcionárias para ajudar aos menos experientes, mas em muitos países o autoatendimento já é um processo inteiramente solitário. No supermercado em que meu filho e minha nora abastecem a casa, em Austin, no Texas, só se veem funcionários repondo estoques, e até essa função pode desaparecer em breve.

Há algumas semanas encontrei uma leitora na fila. Estávamos ambas às voltas com as nossas compras e, meio de brincadeira, ela me cobrou o “apoio” que sempre dei à tecnologia, que agora desemprega pessoas e faz os clientes trabalharem para as lojas. Rimos juntas da “cobrança”, mas percebi que, no fundo, ela estava mesmo revoltada com os rumos da automação.

Não é a única. No Canadá, já existe um movimento de consumidores que se recusam a usar caixas de autoatendimento nos supermercados porque elas “matam empregos, não pagam impostos e não contribuem para a previdência social", segundo reportagem recente da BBC canadense.

Essa, porém, é uma luta perdida. Em 1994, o então deputado federal Aldo Rebelo, futuro ministro da Ciência, Tecnologia e Inovação (!) do governo Dilma, propôs, num projeto de lei, a proibição de “adoção, por qualquer órgão público de todos os níveis, de qualquer inovação tecnológica que seja poupadora de mão de obra sem prévia comprovação de que os benefícios sociais auferidos com a implantação suplantem o custo social do desemprego gerado”. Felizmente ele foi voto vencido, ou ainda hoje as repartições públicas não poderiam usar computadores, nem a Caixa Econômica e o Banco do Brasil, por exemplo, teriam caixas eletrônicos.

O problema é real e de fundamental importância, mas a forma de resolvê-lo não é lançando âncoras no passado, e sim buscando soluções para o futuro. Precisamos pensar nos efeitos da automação de uma forma global, abrangente e multidisciplinar, que leve em conta a sua inevitabilidade a longo prazo e os seus efeitos sociais a curto prazo. Afinal, trabalhos repetitivos, como o de caixas bancários e de supermercados, estão com os dias contados, e tendem a desaparecer num futuro próximo.

Nos Estados Unidos, aliás, já começam a aparecer as primeiras lojas da Amazon e do Walmart sem qualquer espécie de caixa, eletrônico ou humano, que funcionam à base de sensores e da leitura dos códigos dos produtos.

Segundo a McKinsey, até 2030 quase 16 milhões de trabalhadores brasileiros serão afetados de uma forma ou de outra pela automação. No mundo inteiro, serão cerca de meio bilhão. Novos empregos e novas profissões surgirão na esteira dessa mudança, mas não serão suficientes para absorver o número de desempregados.

Versatilidade, qualificação e criatividade serão palavras-chave para conseguir trabalho. A educação brasileira está longe de dar à população em geral as ferramentas de que, cada vez mais, ela dependerá para sobreviver; enquanto isso, nossos parlamentares se preocupam com orientação sexual nas escolas.

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