quarta-feira, 5 de dezembro de 2018

Cristiano Romero: Os possíveis efeitos da reforma trabalhista

- Valor Econômico

Reforma deve reduzir desemprego entre 1,2 e 3,5 pontos percentuais

Uma das consequências mais perversas da meia década perdida - até o momento - pela economia brasileira entre 2014 e 2018 é a lenta recuperação do emprego, que está se dando em meio a um ritmo igualmente moroso - e, registre-se, inédito - de retomada da atividade. A história mostra que o Brasil costumava sair mais rapidamente de períodos de crise. O Instituto Brasileiro de Economia (Ibre-FGV) estima que, mesmo que o Produto Interno Bruto (PIB) volte a crescer de maneira mais célere, a lentidão continuará sendo, pelo menos até 2020, uma característica da recuperação do emprego.

Num cenário em que o PIB cresça e se estabilize em 2% ao ano, ritmo anual medíocre embora maior que o observado nos últimos cinco anos, o Ibre diz que, numa visão pessimista, a economia cresceria cerca de 0,5 ponto porcentual abaixo do previsto. Numa projeção otimista, 0,5 ponto acima. "De forma simplificada, é possível dizer que um crescimento médio de 1,5% ao ano mantém a taxa de desemprego estabilizada no elevadíssimo nível atual, em torno de 12%. Cada ponto porcentual a mais de crescimento médio, a partir de 1,5%, reduz o desemprego em 0,5 ponto porcentual por ano", explica o economista Luiz Guilherme Schymura, que trata do tema na Carta de Conjuntura do Ibre.

No cenário central do Ibre, a taxa de desemprego da PNAD Contínua (PNADC) cai de uma média de 12,2% em 2018 para 11,8% em 2020. No quadro otimista, a queda é para 11,3%, e, no pessimista, manter-se-ia em 12,2% em 2020.

"A projeção da trajetória de desemprego pelo IBRE, preocupante do ponto de vista do cenário político-econômico para o governo que assumirá as rédeas do país em menos de um mês, deriva de o crescimento da população ocupada (PO) até 2020 ser, em boa parte, contrabalançado pela expansão prevista da população economicamente ativa (PEA). É preciso levar em consideração, entretanto, que o mercado de trabalho sofrerá o impacto de duas reformas legislativas já aprovadas: a trabalhista e as mudanças na terceirização, que poderão em tese levar a cenários diferentes daqueles até aqui descritos", observa Schymura.

A reforma trabalhista entrou em vigor em novembro de 2017. Naquele mês, o governo Temer baixou medida provisória alterando 17 artigos. No entanto, em abril de 2018 a MP "caducou" porque não foi votada pelo Congresso. Isso deixou dúvidas sobre a configuração definitiva da reforma, que teve três pilares:

1) Sindical: fim do imposto sindical; prevalência do negociado sobre o legislado; fim da exigência de que a homologação da rescisão contratual tenha participação dos sindicatos;

2) judicial (adoção de medidas para reduzir a excessiva judicialização das relações trabalhistas): obrigatoriedade de o trabalhador comparecer a todas as audiências do processo; obrigação de o trabalhador arcar com custos advocatícios da empresa caso perca a ação; possibilidade de multa em caso comprovado de litigância de má-fé; limitação a oito anos a duração das ações trabalhistas; definição do montante financeiro exato das demandas no início dos processos;

3) contratual: possibilidade de o trabalhador ser contratado como intermitente; possibilidade de se trabalhar em casa ("home office"), em que o controle do trabalho é feito por tarefa; extensão do limite de jornada máxima do trabalho parcial de 25 para 30 horas semanais.

"As primeiras evidências mostram que o pilar sindical já registrou impactos substanciais. A arrecadação com imposto sindical caiu de cerca de R$ 2 bilhões de janeiro a setembro de 2017 para aproximadamente R$ 250 milhões no mesmo período de 2018. Também parecem estar surtindo efeito as medidas para reduzir a judicialização, com quedas em torno de 70 mil nas ações mensais de janeiro a setembro (o número total variou de algo em torno do intervalo de 100 mil a 150 mil em 2018); e por volta de 40 mil nos processos por dano moral (com o total mensal caindo neste ano para a faixa de 20 a 30 mil), também entre janeiro e setembro", assinala o diretor do Ibre. "No pilar da flexibilização, porém, os impactos parecem bem mais tímidos. O saldo acumulado de vagas de emprego em tempo parcial ou intermitente estava em torno de 50 mil, comparado a cerca de 300 mil para os demais tipos de contrato, da entrada em vigor da reforma (julho de 2017) até outubro de 2018."

Evidentemente, os efeitos de uma reforma que alterou preceitos consagrados num conjunto de leis (CLT) por décadas só podem ser devidamente analisados no longo prazo. Para tentar projetar os impactos da reforma sobre a PEA, a PO e o desemprego, Bruno Ottoni, pesquisador associado do IBRE, e Tiago Barreira, seu coautor, trabalharam com intervalo entre as reformas australiana (1994) e alemã (2003). A percepção é a de que o mercado de trabalho brasileiro se situa num nível de rigidez intermediário - de acordo com o indicador de rigidez trabalhista de Botero e Djankov (os índices são de 2004).

O estudo determina o impacto das reformas australiana e alemã por meio de uma comparação com um cenário em que as mudanças não tivessem sido feitas. Utiliza-se "país sintético" para cada caso, seguindo metodologia "bem estabelecida" pela literatura econômica.

Os resultados indicam, no caso alemão, crescimento de 6% da PEA e de 10,2% da PO, e queda de 3,47 pontos porcentuais da taxa de desemprego, na comparação da média dos dez anos pré-reforma com os 12 anos pós-reforma. Na experiência da Austrália, registra-se expansão de 3,4% da PEA e de 5,7% da PO, com queda de 1,17 ponto percentual no desemprego - a comparação nesse caso é das médias dos 13 anos anteriores à reforma com os 12 anos posteriores.

Ottoni e Barreira projetam, com isso, que a reforma trabalhista brasileira deve reduzir o desemprego no longo prazo (12 anos) em algo entre 1,2 e 3,5 pontos percentuais. A expectativa é que parte dos efeitos seja sentida no prazo de cinco anos. "Os economistas frisam, todavia, que os efeitos mais estruturais da reforma trabalhista ainda estão pendentes de definições legais, como a reedição (ou não) da MP que a regulamentava, a jurisprudência adotada pela Justiça do Trabalho desde a entrada em vigor da reforma e eventuais aperfeiçoamentos do contrato intermitente", observa Schymura.

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