segunda-feira, 10 de dezembro de 2018

Denis Lerrer Rosenfield*: Quebra-cabeça

- O Estado de S.Paulo

Equipe do novo governo parece não se entender quanto à urgência de reformar a Previdência

Ideias que levam um candidato a conquistar a Presidência da República não são necessariamente as que o levam a governar. Conquistar o apoio da população pressupõe ganhar a opinião pública por meios retóricos, que não são os que podem ajudar a resolver os problemas mais urgentes do País. Um candidato deve, muitas vezes, escolher entre dizer a verdade sobre a situação econômica ou ocultá-la, esperando, entrementes, ganhar os corações.

Acontece que a conquista dos corações pode ou não coincidir com escolhas racionais, baseadas em argumentos para transformar o País. É muito mais fácil eleitoralmente prometer empregos, como se fosse possível criá-los por passe de mágica, do que produzir riquezas, pressupondo contas públicas saneadas e assumindo a responsabilidade fiscal. Pouco foi dito, afora generalidades, sobre a necessidade de uma reforma da Previdência como condição para que o Brasil volte a crescer de forma sustentável.

O discurso do candidato Jair Bolsonaro foi, sobretudo, baseado na luta contra a corrupção, o resgate de valores conservadores e o combate ao petismo. Suas tiradas foram muito pertinentes e ele soube fazer excelente uso das redes sociais. No que toca a esses pontos, pode-se dizer que a formação de sua equipe é coerente com o que foi proposto eleitoralmente.

Todavia as ideias de combate à corrupção e os valores morais e religiosos não são de nenhuma valia para a condução da economia de um país, salvo a honestidade no tratamento dos negócios públicos. Nada nos dizem sobre a necessidade, inelutável, de uma reforma da Previdência para o saneamento das contas públicas e a redução da dívida pública. Se nada for feito rapidamente, é o destino do Brasil e do próprio governo que estará em jogo. Aqui, a retórica e a demagogia terão alcance muito limitado. A verdade aparecerá logo ali, dentro de um ano ou, no máximo, dois.

O novo governo não está, porém, dando nenhum sinal apaziguador. Presidente, vice-presidente e ministros dão indicações contraditórias. Uns, responsavelmente, apregoam uma rápida reforma da Previdência, aproveitando o projeto, pronto para ser votado, do atual governo. Outros pretendem um projeto totalmente novo, que seria feito lentamente, ao longo de todo o mandato. A bateção de cabeças é enorme. E o Brasil não pode esperar.

O projeto do atual governo já passou por todas as comissões. Não é certamente o ideal, até porque foi desidratado ao longo de todo o seu percurso legislativo. Não se pense que um novo projeto não sofrerá o mesmo destino. Deverá ser negociado, como o atual o foi. Mais valeria votar logo o que está aí no início da nova legislatura, enquanto um mais completo é elaborado e submetido, a seu tempo, a nova votação. Trata-se de um imperativo da realidade!

Pense-se no tempo que tomaria recomeçar todo o processo, em longas negociações e passando por novas comissões, cada uma vivendo a sua própria agonia. O mês de fevereiro será gasto com a eleição dos novos presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado, assim como de suas respectivas comissões. As negociações partidárias serão árduas. E em março teremos o carnaval. Qualquer novo projeto de emenda constitucional muito provavelmente só começaria a tramitar na segunda quinzena de março, supondo que o novo governo já tenha até lá um projeto único, e não vários, como está sendo ainda discutido. Facilmente já estaremos no segundo semestre do próximo ano. Vale a pena perder tanto tempo?

Além do mais, o novo governo não pode repetir os erros do atual. Deve ter uma estratégia pronta de comunicação social, visando, precisamente, ao convencimento da sociedade. Só dessa maneira os parlamentares se sentirão pressionados. E deverá levar em consideração a atuação organizada dos privilegiados dos estamentos estatais, que resistem a qualquer mudança que lhes retire benefícios. Os não privilegiados, por desinformação e falta de convencimento, terminam por apoiá-los ao se tornarem reféns da demagogia dos que sabem utilizar elementos adequados de comunicação.

Ora, o novo governo não conseguiu ainda estabelecer uma estratégia de comunicação, principalmente para a área digital. A utilização pelo novo presidente das redes sociais para a sua eleição pode ser um bom prenúncio, sempre e quando venha acompanhada por uma estratégia de comunicação digital institucional. A complementaridade das duas pode ser uma condição do sucesso ou do fracasso do futuro governo. Nada disso, porém, foi até agora implementado. A aprovação da reforma da Previdência passa necessariamente por uma eficaz comunicação social, sem a qual os cidadãos podem cair nas armadilhas dos privilegiados.

Outra condição essencial consiste no convencimento e nas negociações com os parlamentares e os partidos políticos. Os sinais do atual governo, nesse sentido, não são alvissareiros. Ministros batem cabeça entre si. Ora um ministro é encarregado dessa função, ora outro, ora ambos, e assim por diante. Nem a interlocução está decidida. Com quem os parlamentares e os partidos deverão negociar? O que um diz será referendado pelo outro?

Como se não bastasse, o novo governo está fazendo uma aposta arriscada. Preteriu os partidos em benefício das frentes parlamentares. O problema é que estas se unem em temas específicos, como os da agricultura e pecuária, e se dispersam em relação a outros temas. O mesmo vale para as outras frentes, como as de saúde, segurança, construção civil, materiais de construção e evangélicos. É totalmente aleatório que se unam em questões que fujam de suas respectivas áreas de atuação.

Por último, convém não esquecer que tanto a Câmara quanto o Senado funcionam com Mesas Diretoras, lideranças partidárias e consultas a presidentes de partidos. O espaço político das frentes parlamentares é, assim, reduzido.

O quebra-cabeça não se pode tornar uma bateção de cabeças.
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* Denis Lerrer Rosenfield é professor de filosofia na UFRGS.

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