terça-feira, 25 de dezembro de 2018

É preciso mudar regras dos acordos de leniência: Editorial | O Globo

Falta a necessária segurança jurídica para permitir que as empresas sobrevivam

Tarefas prioritárias do futuro ministro da Justiça Sérgio Moro e do novo Congresso, que toma posse em fevereiro, deveriam ser a revisão e o aperfeiçoamento das normas de combate à corrupção na administração pública e no setor privado.

O Legislativo inovou, em 2013, ao criar uma legislação anticorrupção (Lei nº 12.846/2013) com instrumentos modernos como os Acordos de Leniência. Deve-se a essa base jurídica parte do êxito da Operação Lava-Jato. Agora, é necessário, e absolutamente urgente, avançar com a revisão da lei e, sobretudo, sua forma de aplicação, para dar unicidade a uma política de Estado com efeitos didáticos ao setor privado.

Enquanto o sistema punitivo para pessoas físicas no âmbito criminal funciona razoavelmente, acumulam-se evidências de escalada na insegurança jurídica para empresas que colaboram com a Justiça, via acordos de leniência com o Estado.

Na raiz do problema, estão vácuos na legislação, disputas de poder entre órgãos estatais e, também, uma cultura discriminatória que leva, por exemplo, o setor financeiro a estipular custos de crédito excessivos pelo ambiente de insegurança jurídica.

Hoje, mesmo que uma empresa celebre acordo de leniência com o Ministério Público Federal, ainda continuará passível de punições em outras nove instâncias estatais (Cade; CVM; CGU; AGU; TCU; Ministério Público, corregedorias e procuradorias estaduais; e, nos casos de empreendimentos com recursos federais repassados a municípios, procuradorias municipais).

Sanções financeiras estabelecidas num acordo com a Procuradoria da República, como indenização e multas, são suscetíveis de revisão e aumentos por outros organismos de fiscalização, até o limite da classificação da pessoa jurídica como “inidônea” para negociar com o setor público. Na prática, isso equivale a uma sentença de morte para empresas especializadas do segmento de infraestrutura.

Assim como não há unicidade, inexistem prazos para as ações do Estado, o que prolonga processos por tempo indefinido. Não há reconhecimento da efetividade da colaboração judicial com chance real para recontratação da empresa, ainda que atenda plenamente à legislação sobre a leniência.

Resulta num processo de gradativa asfixia econômico-financeira. Como os fornecedores do Estado dependem de alavancagem financeira, os custos finais da insegurança jurídica se tornam absurdos.

No cenário atual, os acordos de leniência inviabilizam a sobrevivência da ampla maioria das empresas que se dispõem a confessar delitos e a colaborar com a Justiça, fornecendo provas, reparando danos, cumprindo regras de integridade e de “compliance”, como é padrão em contratos de conduta controlada assinados com o Estado. É preciso mudar, em benefício da sociedade.

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