sábado, 8 de dezembro de 2018

José Marcio Camargo: Guerra comercial e hegemonia

- O Estado de S.Paulo

A trégua de 90 dias dada pelos EUA à China sugere que algo importante foi negociado em Buenos Aires

O comunicado emitido após o encerramento da reunião do G-20 em Buenos Aires, no dia 1.º de dezembro, e o teor da nota para a imprensa divulgada pela Casa Branca após o jantar entre os presidentes Donald Trump e Xi Jinping sugerem que a reunião foi bastante produtiva e o jantar entre os dois presidentes, ainda que não decisivo, foi um passo importante no sentido de resolver as pendências entre os Estados Unidos e a China.

No comunicado de encerramento da reunião das 20 nações mais desenvolvidas do planeta, duas coisas ficaram claras. De um lado, a importância dada por estes países à questão das mudanças climáticas, ao declararem que o Acordo de Paris é irreversível. Ainda que tenha sido explicitada a saída dos Estados Unidos do acordo, o país se dispôs a colocar sua assinatura no documento, o que indica um ganho diplomático significativo.

De outro lado, ao mesmo tempo que afirmam a importância do sistema multilateral de comércio, os países do G-20 apoiaram explicitamente uma reforma da Organização Mundial do Comércio (OMC), uma demanda antiga do presidente Trump. Nos dois casos, em “linguagem diplomática”, o não veto significa muita coisa.

A trégua de 90 dias dada pelos Estados Unidos para o não aumento das tarifas de importação de 10% para 25% sobre US$ 200 bilhões de produtos exportados pela China sugere que algo importante foi negociado em troca. A promessa da China de aumentar as importações de produtos norte-americanos – sem especificar quais e quanto – não parece suficiente para justificar o adiamento da adoção das tarifas. Afinal, a imposição de tarifas sobre as importações chinesas é a principal arma utilizada pelo governo de Donald Trump com o objetivo de mudar o comportamento do governo chinês em questões estruturais importantes, que ultrapassam a questão comercial.

O que surpreende no comunicado emitido após o jantar dos presidentes na Argentina é a menção explícita a estes conflitos entre os dois países e a indicação de que a resolução da guerra comercial está diretamente relacionada à solução dessas pendências.

Ainda que não tenha sido explicitado como uma contrapartida, ao declarar que os dois presidentes “concordaram em iniciar, imediatamente, negociações sobre mudanças estruturais com respeito à transferência forçada de tecnologia, proteção à propriedade intelectual, barreiras não tarifárias, ataques e roubos cibernéticos, serviços e agricultura”, e que o presidente Xi Jinping “disse estar aberto a aprovar a previamente vetada compra da NXP pela Qualcomm, caso o negócio seja novamente apresentado a ele” (em tradução livre), o comunicado sugere serem estas as reais contrapartidas discutidas e que somente não foram colocadas explicitamente como tal em razão das possíveis resistências políticas que Pequim precisa contornar internamente nos próximos três meses. A não menção destes pontos na nota divulgada pelo governo chinês, a meu ver, reforça essa interpretação.

A guerra comercial declarada pelos Estados Unidos contra a China não é um objetivo em si. Além de ter objetivos eleitorais óbvios, esta guerra é, na verdade, a principal arma utilizada pelos Estados Unidos para resolver um problema mais sério e mais estrutural: a disputa por hegemonia econômica e política no mundo. E essa disputa está diretamente relacionada ao respeito a direitos de propriedade intelectual, transferência forçada de tecnologia, etc. Ligar as duas coisas em um comunicado é, a meu ver, um indício concreto de que elas foram tratadas em conjunto, como tem insistido o governo norte-americano.

Se essa interpretação está correta – e só saberemos daqui a 90 dias –, terá sido uma importante vitória do governo Trump.
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Professor do departamento de economia da PUC/Rio, é economista da Genial Investimentos

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