quinta-feira, 27 de dezembro de 2018

José Serra: Terra à vista

- O Estado de S.Paulo

Um quadro ainda distante do desejado, mas há uma melhora gradual em curso

A conjuntura econômica brasileira será um fator positivo para o governo federal em 2019. Dois fatores que tradicionalmente criam obstáculos para um bom desempenho nessa área estarão ausentes. Primeiro, não há preços reprimidos – por exemplo, em tarifas – que produziriam pressões inflacionárias. Segundo, o cenário cambial é favorável, com reservas abundantes e déficits pequenos na conta corrente do balanço de pagamentos. Terceiro, a taxa de juros é a mais baixa dos últimos anos e não há pressões para reajustá-la. Os riscos concentram-se na política monetária dos Estados Unidos e, internamente, no desequilíbrio das contas públicas.

A queda do produto interno bruto (PIB) entre 2015 e 2016 foi impressionante: 6,7% no acumulado entre 2015 e 2016 – o pior biênio dos últimos 120 anos! Em 2017 avançamos 1,1% e em 2018, projeta-se alta ao redor de 1,5%, ainda distante do nível pré-crise, mas a trajetória é claramente de recuperação. O desemprego está diminuindo, em setembro ficou na casa dos 12%, embora acima da média dos últimos 20 anos (9,5%).

Note-se que a criação de vagas se concentra no mercado informal e na área do “trabalho por conta própria”. É a realidade do pai de família que perde o emprego formal e entra no comércio de rua ou vai ser motorista de aplicativo. Um quadro ainda distante do desejado e que demandará políticas públicas e decisões de política econômica adequadas. Mesmo assim, é preciso olhar a metade cheia do copo: há uma melhora gradual em curso.

A ociosidade na economia – representada por máquinas e equipamentos parados, plantas industriais com baixa utilização e pessoas desempregadas – é bastante elevada. O nível de utilização da capacidade instalada está em 75,7%, bem abaixo da média dos últimos 20 anos (superior a 80%), o que contribuiu para uma inflação persistentemente baixa e juros menores, e poderá permitir pelo menos 2,5% de crescimento do PIB no ano que vem sem necessidade de investimentos. Numa primeira fase, basta reativar os fatores que estão parados.

A inflação acumulada em 12 meses ficou, em novembro, pelo IPCA, em 4,6%. Nela, a parte relativa a serviços, normalmente mais resistente a diminuir, está em 3%, nível historicamente baixo. A inflação de preços livres está em apenas 2,8%! Não fosse o impacto de quase 10% dos reajustes de preços administrados – afetados pelas altas de combustíveis e do dólar –, o impulso da inflação seria ainda menor. Tanto é assim que para o ano que vem o próprio mercado prevê uma inflação ao redor de 4%.

Isso é sinal de que o Banco Central (BC) acertou ao reduzir os juros, desde outubro de 2016, de 14,25% para 6,5% ao ano. Em termos reais, subtraindo a inflação esperada dos juros de 12 meses à frente, a taxa de juros é hoje de cerca de 3%. Nunca foram tão baixas. Esse será um fator muito relevante para a retomada do crescimento em médio prazo.

Isso tudo quer dizer que a economia poderá crescer sem pressionar a inflação e, mais ainda, sem precisar de muitos recursos para grandes empreendimentos públicos e privados no momento inicial. O hiato do produto, que é o termômetro dos economistas para medir a temperatura da economia, está hoje abaixo de zero, na casa de menos 6,5%!

Nas contas externas, a perspectiva é também “estimulante”. O déficit em transações correntes – balanço das transações feitas por residentes no País com o resto do mundo, incluindo a balança comercial – está em US$ 11,3 bilhão no acumulado de janeiro a outubro de 2018. Por outro lado, os investimentos diretos no País totalizaram US$ 67,5 bilhões no mesmo período (seis vezes mais). Além disso, nossas reservas internacionais seguem em US$ 380 bilhões, nível bastante confortável.

O componente externo, que já foi o ponto crítico das crises econômicas nacionais em outras épocas, hoje colabora para amenizar as debilidades internas. Mais recentemente, em 2014, o déficit em transações correntes havia superado US$ 100 bilhões, com investimentos externos entrando no País em montante insuficiente para cobrir o buraco. Hoje o quadro é bem outro.

Há, sem dúvida, riscos à retomada do crescimento no ano que vem. Primeiro, a política de juros dos EUA. Se pesarem a mão por lá, isso produzirá reflexos sobre nosso balanço externo e poderá exigir respostas do BC via juros internos para evitar uma desvalorização repentina do real em relação ao dólar ocasionada por saídas de dólares do Brasil, o que geraria inflação por aqui. Isso poderia turvar um pouco o cenário de curto prazo, impondo restrições à retomada de cerca de 2,5% prevista para a economia brasileira em 2019.

Segundo risco está na relativa desordem na agenda das contas públicas. Ainda não está claro qual será o plano do novo governo nesse aspecto, que é essencial para a recuperação da credibilidade e a confiança dos agentes econômicos. A dívida pública está em 77% do PIB e seguirá aumentando até 2023, ao menos segundo estimativas da Instituição Fiscal Independente. O teto de gastos, isoladamente, não é suficiente para dar conta do recado. As receitas públicas ainda não se recuperaram do baque sofrido pela crise econômica e a contenção de despesas até agora se concentrou nos investimentos e nos subsídios. Os gastos com pessoal e Previdência continuam aumentando a pleno vapor. Diante disso, a nova equipe econômica dá apenas sinalizações genéricas ou cogita de ideias impraticáveis – ainda que teoricamente válidas –, como a do chamado orçamento “base zero”.

A combinação de inflação e juros baixos, contas externas controladas e ociosidade elevada, causada pela lentidão da economia doméstica, dará fôlego ao novo governo para garantir crescimento relevante no ano que vem. É possível aproveitar esse período para acelerar a agenda de reformas estruturais e pôr mais ordem nas finanças do Estado, garantindo as bases para uma recuperação sustentada da renda e do emprego.
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*Senador (PSDB-SP)

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