- O Globo
A recusa do PT a comparecer à posse está acoplada a um movimento político anterior à disputa do segundo turno
O PT mais uma vez dá uma demonstração clara de que é democrático só quando a maioria está a seu favor. Ao anunciar que boicotará a posse do presidente eleito Jair Bolsonaro, repete comportamento antidemocrático que já virou rotina na sua atuação parlamentar.
Recusou participar do governo de união nacional de Itamar Franco, depois de ter liderado a derrubada de Collor; não homologou a Constituição de 1988; não apoiou o Plano Real, chamando-o de estelionato eleitoral; não apoiou a Lei de Responsabilidade Fiscal, e por aí vai, numa posição egoísta que só aceita alianças politicas quando as controla, à base de escambos e corrupção.
A recusa em comparecer à posse está acoplada a um movimento politico anterior à disputa do segundo turno da eleição presidencial. Já àquela altura o partido entrou com uma ação do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) pedindo a impugnação da chapa de Bolsonaro, por abuso de poder econômico.
Mesma atitude que o PSDB tomou contra a eleição de Dilma Rousseff, que o PT tratou como sendo um golpe antidemocrático. Desta vez, fez pior. Tentou impedir que seu adversário disputasse o segundo turno. O processo ainda está em andamento, e o terceiro turno foi aberto mesmo antes de o segundo se realizar, o que é espantoso mesmo para padrões petistas.
A historia da Constituição de 1988 é interessante. Os petistas dizem que a acusação de que não assinaram a nova Carta é mentirosa, e tecnicamente têm razão. Mas a negativa é um truque banal, assinaram porque eram obrigados regimentalmente, já que participaram de sua confecção. Mas quando tiveram a opção de não participar da cerimônia de homologação, assim o fizeram, para demonstrar repúdio ao que classificavam de uma Constituição feita pela direita.
Logo a Constituição-cidadã, vista pela Centrão como inviabilizadora do governo brasileiro, como definiu o então presidente José Sarney. Muitas promessas, poucas obrigações, uma Constituição populista de cunho esquerdista, como criticavam à época os do Centrão.
Agora, mais uma vez, se escoram em uma muleta linguística para justificar o boicote antidemocrático. Dizem que acatam o resultado das eleições, embora alcançado por meios ilegais, e não comparecem à posse para demonstrar que a resistência já começou.
Ora, a democracia pressupõe o revezamento de poder, e não aceitá-lo corresponde a colocar em questão essa possibilidade, transformá-la não em uma opção legítima da maioria do eleitorado, mas consequência de abusos ilegais que a desacreditam.
Além do mais, se o processo no TSE está em andamento, há demonstração clara de que consideram que a eleição de Bolsonaro foi fraudada, e buscam na Justiça Eleitoral a reparação do dano. Alegar que o boicote é contra o pensamento retrógrado de Bolsonaro, suas declarações misóginas e preconceituosas, é tentar uma justificativa que mascare a decisão antidemocrática.
Comparecessem à cerimonia com cartazes de protesto, marcassem suas posições - o PT e o PSOL, que também aderiu - na luta politica, não na negação da alternância no poder. Instalado o novo governo, a oposição terá todas as condições de tentar até mesmo obstruir as votações que interessem ao governo, se mantiverem a postura de ser contra tudo o que o governo que o derrotou propõe, e não por convicção.
Lembro bem quando o deputado João Paulo Cunha virou presidente da Câmara, no início do primeiro governo Lula, e coordenou a aprovação da continuidade da reforma da Previdência iniciada no governo Fernando Henrique, contra o que o PT sempre lutou. Perguntei qual a razão da mudança, e ele foi curto e direto: “Luta política”.
Quando o presidente do PSDB e candidato derrotado na eleição de 2014, senador Aécio Neves, entrou com uma ação no TSE para impugnar a chapa vencedora por abuso de poder econômico, o PT gritou que era golpe. Ainda mais depois que o próprio Aécio disse que tomou essa atitude “só para encher o saco”.
Sem explicitar, é o que o PT está fazendo agora. Se era golpe antes, é golpe agora também. Em circunstâncias muito piores, pois Fernando Haddad foi derrotado por larga margem de votos, enquanto o PSDB perdeu por diferença ínfima. E a ação do PT foi feita ainda no primeiro turno, o que introduziu na disputa do segundo um elemento desestabilizador.
O jornalista sempre do lado errado.Jornalista não pode ter lado,mas se é pra escolher,escolhesse ao menos o menos pior.
ResponderExcluir