sexta-feira, 7 de dezembro de 2018

Monica De Bolle: O viés otimista

- Revista Época

não só nos comportamos como bobos alegres quando achamos que as notícias justificam o otimismo excessivo, mas temos muita dificuldade de aceitar a possibilidade de catástrofes.

Somos todos bobos alegres? Explico. No início de 2008, quando os mercados e a economia global sofriam os primeiros abalos daquela que se transformaria na maior crise financeira da história recente, investidores acreditavam que o mundo continuaria a crescer. Naquele momento, a economia americana, epicentro do terremoto financeiro, dava sinais de estagnação, mas investidores estavam convictos de que nos 12 meses seguintes o PIB aumentaria cerca de 2%. Em julho de 2008, o banco central americano — o Fed — estimava crescimento de 1,5% um ano à frente, enquanto a economia escorregava para a recessão. A contração do PIB dos Estados Unidos proveniente da crise de 2008 foi de 4% no auge da turbulência. Contudo, nem os investidores nem a instituição com a maior capacidade de coletar e analisar dados previram que o impacto da crise seria tão brutal. Algo parecido ocorre há muito tempo no Brasil: chegamos sempre ao fim do ano imaginando que, no ano seguinte, o crescimento econômico será senão estupendo, ao menos um pouco melhor, e, à medida que o tempo passa, somos forçados a reconhecer que nossas expectativas são apenas esperanças com pouco embasamento.

Há vasta documentação sobre o excesso de otimismo nas previsões de organismos internacionais como o Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial, repletos de economistas muito bem formados e informados. Em livro recém-lançado, os economistas Nicola Gennaioli e Andrei Shleifer exploram como as crenças de investidores, economistas e gestores de política econômica influenciam os mercados, levando muitas vezes ao crescimento excessivo do crédito e do endividamento, o que aumenta a vulnerabilidade das economias às crises financeiras. Apresentam os autores tese bem elaborada sobre a formação de crenças e expectativas calcada nas evidências coletadas pela vasta pesquisa nas áreas de psicologia, finanças e economia comportamental. Partem eles da seguinte constatação desvelada nos estudos de Daniel Kahneman — renomado psicólogo e vencedor do Nobel de economia em 2002 — e Amos Tversky: as pessoas tendem a atribuir probabilidades mais elevadas aos cenários futuros que melhor correspondem às notícias correntes sobre aquilo que já sabem. A ênfase está em “sobre aquilo que já sabem”. A seguir, um exemplo.

Já sabemos que a economia brasileira está em lenta recuperação, mas a retomada aí está. Notícias correntes, a divulgação de indicadores que revelam aquilo que já sabemos sobre o estado atual da economia brasileira, tendem a exacerbar nossa percepção de que cenários otimistas no próximo ano tenham chance crescente de acontecer. Portanto, nosso viés cognitivo é o de dar peso excessivo a um conjunto de informações diagnósticas, ou seja, de nos comportarmos como bobos alegres. Pensem nas projeções de crescimento de 3% ou até 4% para este ano feitas por profissionais no início de 2018. O viés bobo alegre ao qual todos estamos sujeitos provoca a tendência a sobre-estimar as projeções de expansão econômica para o próximo ano, resultando no quadro descrito de que é mais comum revisarmos expectativas para baixo do que as ajustarmos para cima.

Os exemplos citados no início do artigo sobre o comportamento de investidores e do próprio Fed sobre o que poderia ocorrer com a economia americana no crítico ano da crise financeira há dez anos revela algo ainda mais perturbador: A crise financeira de 2008 não foi um evento repentino, mas algo que resultou de desvios cumulativos ao longo de vários anos. Tais desvios estavam evidentes na alta dos preços de imóveis, no endividamento das famílias, no comportamento de instituições financeiras que preferiram não ver os riscos. Em 2007, quando apareceram os primeiros sinais de que algo estava muito errado em determinados mercados, grande parte dos especialistas desdenhou dos riscos, afirmando que os problemas que apareciam eram localizados e não trariam maiores consequências. Pouco mais de ano depois, essa visão se mostrou absolutamente errada.

Como afirmei em artigo recente para o jornal O Estado de S. Paulo, quando me perguntam o que acontecerá com a economia brasileira no governo de Bolsonaro, costumo responder que, ao menos por enquanto, não tenho a menor ideia. O mundo está passando por um momento muito delicado, com riscos crescentes e grande incerteza. Suspeito que seja melhor assumir a ignorância do que ser simplesmente mais uma boba alegre.

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Monica De Bolle é diretora de estudos latino-americanos e mercados emergentes da Johns Hopkins University e pesquisadora sênior do Peterson Institute for International Economics

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