terça-feira, 11 de dezembro de 2018

Pablo Ortellado: Política da divisão

- Folha de S. Paulo

Bolsonaro e ministros recorrem às guerras culturais

No antagonismo político da maior parte do século 20 sempre houve possibilidade de compromisso. Entre o estado mínimo dos liberais e a economia estatizada das experiências socialistas, havia bastante gradação.

O jogo político da democracia liberal consistia, efetivamente, em empurrar a fronteira mais para um lado ou para o outro, aproveitando as oportunidades abertas pelos ciclos eleitorais.

Esse tipo de compromisso não existe nas guerras culturais, porque elas envolvem questões morais fortes que regulam modos de vida. Nestes temas, o compromisso não é possível. Entre os que defendem o direito da mulher controlar sua vida reprodutiva e os que se opõem ao assassinato de bebês, qual seria o meio termo?

Os temas morais não apenas incitam o eleitorado, mas também os sentimentos de revolta e indignação que despertam e transformam eleitores passivos em ativistas.

Vimos recentemente essa estratégia ser utilizada no Brasil nas últimas eleições.

Para os conservadores que apoiaram Jair Bolsonaro, feministas e grupos LGBT fazem campanha para sexualizar as crianças e promover modos de vida alternativos ao padrão heteronormativo. O que para os progressistas são políticas de civilidade e tolerância, para os conservadores são diabólicos planos para destruir a família cristã.

O próprio Bolsonaro se engajou numa cruzada contra um seminário infantil LGBT e um kit gay para escolas, que nunca existiram, e nos círculos bolsonaristas circularam materiais mentirosos infames, como o vídeo da mamadeira em formato de pênis que seria utilizada para alimentar crianças nas creches.

Após as eleições, as disputas seguiram. O futuro ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, escreveu que a esquerda antinatalista quer destruir a família para impedir o nascimento do menino Jesus, e emergiu vídeo da futura ministra da Família, Damares Alves, dizendo que nas creches da cidade de São Paulo se ensinava masturbação para bebês.

Na América Latina, a estratégia de ativar as guerras culturais para intervir e desequilibrar disputas em curso tem como paradigma o referendo convocado para selar o acordo de paz entre o governo colombiano e as Farc em 2016.

Para virar o jogo em favor do “não”, conservadores começaram a alegar que o acordo estava recheado de ideologia de gênero e que era assim um cavalo de Troia que destruiria a família colombiana tradicional.

Mobilizados para defender a família, os colombianos quase retomaram a guerra. Por aqui, nossos mobilizados podem bem perder as aposentadorias.
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Pablo Ortellado é professor do curso de gestão de políticas públicas da USP, é doutor em filosofia

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