terça-feira, 4 de dezembro de 2018

Raquel Balarin: Uma agenda para a produtividade na AL

- Valor Econômico

Informalidade atinge 50% da PEA da América Latina

Leilane é babá, com carteira assinada. Já teve que faltar várias vezes ao trabalho porque não tinha onde deixar o filho Pedro, de quatro anos. Moisés trabalha em uma distribuidora de frutas e legumes na Ceagesp, em São Paulo. Volta e meia tem dificuldade para chegar ao trabalho, seja por causa de um temporal que alaga as marginais, importantes vias rodoviárias de São Paulo, seja por causa de um viaduto que cede quase 1,6 m sem que ninguém saiba o porquê.

O que liga as histórias de Leilane e Moisés é o efeito que suas ausências ou atrasos no trabalho têm na produtividade. O jornalista Michael Reid, da revista "The Economist", classificou essas dificuldades de "entorno do trabalho" - uma das oito grandes questões que, segundo ele, têm contribuído para que a produtividade na América Latina patine nas últimas décadas (ver quadro).

Apesar de diferentes governos e economias diversas, a América Latina carrega o traço comum da baixa produtividade, mesmo quando os números da região são comparados aos de outros países emergentes ou a setores em que o bloco tem vantagens competitivas, como mineração. "A média do produto por trabalhador na região está abaixo de 50% em relação à média dos Estados Unidos em nove de dez setores estudados", diz Pablo Sanguinetti, vice-presidente de Conhecimento do CAF, Banco de Desenvolvimento da América Latina.

O CAF lançou há menos de um mês um dos mais amplos estudos sobre a região, "Instituciones para la productividad", disponível (em espanhol) em bit.ly/2zFrzao. Para o banco, o tema é chave para o crescimento econômico e social da América Latina nos próximos anos, já que a região enfrenta o fim do "boom" das matérias-primas - que teve participação importante nos 4,1% de crescimento da região entre 2003 e 2012 (0,9% entre 2013 e 2017) - e uma mudança demográfica relevante, com redução da força de trabalho até 2040.

Em reunião com jornalistas latino-americanos promovida pela Fundação Gabriel García Márquez (FNPI) em Bogotá, na Colômbia, no início de novembro, Michael Reid sintetizou o que é tratado de forma profunda no relatório do CAF. E apresentou uma agenda de produtividade para a América Latina, com oito questões que devem ser atacadas:

- Falta de capital humano - Empresas latino-americanas informam que têm dificuldade de contratar trabalhadores capacitados. Na região, apenas 10% dos trabalhadores recebem algum curso de capacitação ao ano, em comparação com 50% nos países desenvolvidos. A educação é outro problema. Não basta aumentar o número de alunos nas escolas. É preciso melhorar a qualidade do ensino.

- Falta de capital físico - A região reduziu nos últimos anos seu investimento em capital fixo, para 18,7% do PIB entre 2015 e 2017. Para um crescimento de 6% ao ano, seria necessário investir em capital fixo 25% do PIB.

- Falta de estrutura logística - A região tem um volume de investimentos em infraestrutura abaixo do necessário. "Há falta de capital, mas, sobretudo, há falta de capacidade de execução", diz Reid. Para avançar com a construção do gasoduto do Sul, no Peru, por exemplo, foram necessárias 4.102 permissões diferentes, o que ampliou o custo do projeto e atrasou sua execução. O investimento em infraestrutura na China é de 9% do PIB; na Índia, de 6% do PIB; e, na América Latina, de 3%.

- Falta de concorrência - Com exceções como o Brasil, a região tem mercados nacionais pequenos. Muitas empresas que operam na América Latina detêm o monopólio em seus setores ou são oligopolizadas. Regras complexas e informalidade impedem crescimento de pequenas e médias e inviabilizam o surgimento de competidores para as grandes companhias. Faltam regulações antimonopólios. No estudo do CAF, há ainda uma avaliação crítica da concentração do setor financeiro brasileiro.

- Falta de inovação - Investimento em pesquisa e desenvolvimento na América Latina é de 0,8% do PIB. Na China, 1,8% do PIB. O Brasil está melhor que a região - com 1,2% do PIB.

- Informalidade/ilegalidade - O dado é alarmante: cerca de 50% da População Economicamente Ativa (PEA) da região está na informalidade. Trabalhadores informais têm produtividade menor e não recebem capacitação. Reduzir o altamente regulado mercado de trabalho é indicado como uma das saídas, mas a questão é bastante complexa porque envolve traços culturais latino-americanos.

- Dificuldades no entorno da empresa - Falta de creches, dificuldade para se chegar ao trabalho e, em alguns casos, falta de terrenos para expansão de empresas são questões pouco estudadas, mas com impacto importante na produtividade.

- O problema político - Partidos e políticos da região têm foco no curto prazo, enquanto a produtividade envolve problemas que não podem ser resolvidos do dia para a noite. A conscientização dos políticos de que a manutenção de avanços sociais alcançados neste século na região depende da melhora da produtividade é essencial.

O início de novos governos em boa parte da região (Brasil, Colômbia, Peru e México) pode ser uma boa oportunidade para dar início aos trabalhos.

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