- Folha de S. Paulo
Sarney e Bolsonaro ouviram um galo cantar e o localizaram cada um em um lugar, mas erraram
No tempo em que televisores e antenas eram muito caros, o povoado Curtume, em Alagoas, montou sua “pracinha da TV”, onde as pessoas se reuniam diante do único aparelho da área. A sabedoria popular acabou por rebatizá-la de “praça da discórdia”, tamanho o desacordo sobre que canal assistir.
Corta para 2018, e o assunto em Curtume mostra como a tecnologia soterrou motivos para tal desavença. É com orgulho que se fala que numa capela da região, meses atrás, casou-se “o Whindersson” —um dos principais youtubers do país.
O Brasil de José Sarney é o da Curtume antiga. Dizia na década passada o então presidente do Senado:
“A tecnologia levou os instrumentos de comunicação a tal nível que a discussão é: quem representa o povo? Diz a mídia: somos nós. Dizemos nós representantes do povo: somos nós. A mídia passou a ser inimiga das instituições representativas”.
O Brasil de Jair Bolsonaro é o da Curtume de 2018. Disse nesta semana o presidente eleito: “O poder popular não precisa mais de intermediação. As novas tecnologias permitiram uma relação direta entre o eleitor e seus representantes”.
Os dois ouviram um galo cantar e o localizaram cada um em um lugar —ambos errados. A evolução tecnológica mudou muita coisa, mas a relação disso com o poder democrático difere da expressada por eles.
Não é papel da mídia, tampouco da sua vertente jornalística, substituir a representação parlamentar ou funcionar como garoto-de-recados entre o eleitor e seus representantes. Num imenso erro de compreensão, o novo presidente parece crer que solapa o jornalismo ao tuitar o nome de ministros e fazer lives.
A possibilidade de defender causas nas redes sociais traz avanço para a democracia. Mas isso não faz do país uma imensa ágora virtual. De comum entre o discurso dos dois presidentes em décadas diferentes, só a necessidade conjuntural de arrumar uma cortina de fumaça para os problemas apontados pela mídia.
PERFEITO! MAM
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