quarta-feira, 19 de dezembro de 2018

Sem descer do palanque: Editorial | O Estado de S. Paulo

O Itamaraty informou que o presidente eleito Jair Bolsonaro pediu a exclusão dos chefes de Estado de Cuba e da Venezuela da lista dos convidados para sua posse, no próximo dia 1.º de janeiro. “Inicialmente, o Itamaraty recebeu do governo eleito a recomendação de que todos os chefes de Estado e de Governo dos países com os quais mantemos relações diplomáticas deveriam ser convidados, e assim foi providenciado”, relatou a Chancelaria em nota. “Em um segundo momento”, continuou o comunicado, “foi recebida a recomendação de que Cuba e Venezuela não deveriam mais constar da lista, o que exigiu uma nova comunicação a esses dois governos.”

Trata-se de decisão inusitada. A praxe diplomática, como sugere o Itamaraty em sua nota, é convidar, para a posse do presidente da República, representantes de todos os países com os quais o Brasil mantém relações. A explicação dada por Jair Bolsonaro e pelo futuro ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, para a solicitação de excluir Cuba e Venezuela da posse do novo governo revela preocupante confusão entre campanha eleitoral e decisões de Estado.

Bolsonaro foi eleito com base em um forte discurso contra o PT e, por tabela, contra os parceiros do lulopetismo na América Latina, especialmente as ditaduras cubana e venezuelana. Durante a campanha, prometeu endurecer contra esses dois regimes. No programa de governo, Bolsonaro já dizia que defendia a integração do Brasil com a América Latina, desde que fosse com países “que estejam livres de ditaduras”. Não se pode dizer que Bolsonaro não está sendo coerente com o que prometeu.

Mas há diferenças óbvias entre o palanque e a cadeira presidencial. Numa eleição, não é raro que candidatos apelem para bravatas para chamar a atenção do eleitor. Na chefia do Executivo, nem tudo o que se prometeu nos comícios pode ou deve ser realizado ao pé da letra, especialmente o que pode causar prejuízos ao País.

Bolsonaro começará seu mandato rompendo uma preciosa tradição diplomática, num ato demagógico que pode produzir consequências não desejadas. Basta ver que, se essa atitude for levada a sério pela comunidade internacional, a primeira coisa que o Brasil perderá será a sua tradição de harmonioso e cordial relacionamento com todos os países do mundo, especialmente na America Latina. É claro que Bolsonaro deverá imprimir à política externa de seu governo a direção que melhor refletir os anseios de quem o elegeu; no entanto, isso não pode ser feito à custa do patrimônio diplomático nacional, que garante a boa reputação do País nos organismos internacionais.

Aparentemente, Bolsonaro não está muito preocupado com isso. “Naturalmente, regimes que violam as liberdades de seus povos e atuam abertamente contra o futuro governo do Brasil por afinidade ideológica com o grupo derrotado nas eleições não estarão na posse presidencial em 2019”, escreveu o presidente eleito numa rede social. É um discurso próprio de quem ainda está em campanha - e, pior, de quem não percebe que está fomentando teorias conspiratórias sobre complôs contra seu governo.

O futuro ministro Ernesto Araújo também foi às redes sociais para dizer que, “em respeito ao povo venezuelano, não convidamos Nicolás Maduro para a posse do presidente Bolsonaro”, pois “não há lugar para Maduro numa celebração da democracia e do triunfo da vontade popular brasileira”. Se o critério fosse realmente esse, muitos outros países, notórias ditaduras, teriam de ser desconvidados por Bolsonaro. Mas isso, é claro, não vai acontecer, porque o problema não é propriamente a ditadura, e sim, como disse Bolsonaro, a “afinidade ideológica” de Cuba e Venezuela com o PT.

Na mesma manifestação, Ernesto Araújo escreveu que “todos os países do mundo devem (...) unir-se para libertar a Venezuela”, o que pode sugerir uma disposição para intervir no país vizinho - e, assim, contrariar a tradicional defesa brasileira do princípio da não intervenção. É imprudência demais para um governo que ainda nem começou.

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