sexta-feira, 14 de dezembro de 2018

Uma vida dedicada à luta contra abusos da ditadura

Morre Eunice Paiva/ advogada, aos 86 anos

- O Globo

Cartazes com fotos de mortos e desaparecidos políticos durante a ditadura militar são exibidos em ato na Câmara dos Deputados que lembrou os 50 anos da assinatura do AI-5. Uma das pessoas que mais personificaram a luta contra os abusos e a repressão violenta da ditadura no Brasil, a advogada Eunice Paiva morreu ontem, aos 86 anos, justamente na data em que se completaram 50 anos do AI-5, o decreto que endureceu o regime militar no país.

Eunice foi casada e teve cinco filhos com o deputado federal Rubens Paiva, sequestrado e morto pelos militares em 1971, quando tinha 41 anos. Desde então, ela dedicou sua vida a cobrar do governo brasileiro o reconhecimento e esclarecimentos dos crimes cometidos contra seu marido.

As circunstâncias da morte de Rubens Paiva só foram definitivamente conhecidas em 2014, quando Eunice já sofria há dez anos do Mal de Alzheimer. Em fevereiro daquele ano, a Comissão da Verdade denunciou que o deputado foi torturado e morto nas dependências do Destacamento de Operações de Informações (DOI) do I Exército, na Rua Barão de Mesquita, Tijuca.

No mês seguinte, O GLOBO revelou mais detalhes a partir de depoimentos de militares envolvidos no caso. O corpo de Rubens Paiva chegou a ser enterrado em dois lugares diferentes — em locais isolados no Alto da Boa Vista e no Recreio dos Bandeirantes —, de onde foi retirado até ser jogado no mar em 1973, como tentativa de se ocultar o crime.

Um dos filhos do casal é o jornalista e escritor Marcelo Rubens Paiva. Em 2015, ele escreveu “Ainda estou aqui”, livro em que relata a trajetória de luta de sua mãe. Eunice começou a namorar Rubens Paiva ainda juventude. Ela, que havia estudado letras, se formou em Direito depois de perder o marido para se dedicar à luta de denunciar os crimes do regime militar.

Ontem, Marcelo Rubens Paiva declarou que “morreu uma heroína”. Uma de suas irmãs, a psicóloga Vera Paiva, comentou a coincidência da data da morte da mãe:

— Ela foi uma guerreira que reconstruiu a vida após uma tragédia, criou sozinha os cinco filhos. Morreu no dia dos 50 anos do AI-5, o que é muito significativo — disse, à “Folha de S.Paulo”.

Em nota, o Instituto Vladimir Herzog diz que “lamenta profundamente a morte de Eunice e manifesta toda sua solidariedade à família, em especial aos filhos Marcelo e Veroca. Talvez não por coincidência, Eunice morre no dia em que a promulgação do AI-5 completa 50 anos: um protesto de quem nunca deixou de lutar por um país democrático, mais justo e que garanta o direito a memória e justiça a todos os seus cidadãos”.

Além de Marcelo e Vera, Eunice e Rubens Paiva tiveram mais três filhas: a jornalista Maria Eliana, a matemática Ana Lúcia e a psicóloga Maria Beatriz.

HOMENAGEM NA CÂMARA
Os 50 anos do AI-5 também foram lembrados ontem em sessão solene da Câmara dos Deputados. Parlamentares de siglas como PSOL, PT, PSB e PDT fizeram discursos e posaram na mesa diretora com fotos de desaparecidos durante o regime.

Em São Paulo, um coletivo de intelectuais que reúne ex-ministros, líderes religiosos e artistas lançou na noite de ontem um manifesto em defesa da democracia, em evento realizado no Salão Nobre da Faculdade de Direito da USP, em São Paulo.

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