quinta-feira, 27 de dezembro de 2018

Vinicius Torres Freire: O Brasil e o resfriado americano

- Folha de S. Paulo

Em caso de crise maior nos EUA, Brasil não tem o que fazer a não ser mais do mesmo

Dólar caro e, por vezes, tumultos grandes na economia americana causam um ligeiro aumento do interesse brasileiro por assuntos internacionais. Ligeiro feito uma brisa e apenas entre certa e mui diminuta elite.

Como a taxa de câmbio anda relativamente estável, ainda é raro ouvir conversa sobre o risco e os possíveis efeitos de uma crise americana.

No entanto, seja como for nos Estados Unidos, a discussão no Brasil em tese não teria como mudar.

Dado o tamanho da nossa desgraça econômica, não temos como reagir ou fazer algo diferente do programa que será inevitável pela próxima meia dúzia de anos, faça chuva ou sol lá fora. Isto é, evitar a explosão da dívida pública e uma inflação descontrolada.

A dúvida é como administrar a divisão de custos do ajuste e lidar politicamente com as insatisfações, maiores caso o caldo da economia internacional entorne.

Não é lá muito difícil que o Brasil cresça 2,5% no ano que vem (neste ano, o crescimento não deve passar de 1,4%).

As condições são aquelas que todo mundo está enfadado de ouvir:

1. Reforma da Previdência, alguma outra contenção de despesa que cresça de modo vegetativo e uma arrumadinha em impostos;

2. Economia dos EUA desacelera sem colapso;

3. Donald Trump não intensifica sua guerra com a China e não provoca outras;

4. O crescimento chinês não baixa de seu novo patamar de 6%.

Crescer 2,5% é nada no Brasil. Ainda ficaríamos longe de recuperar o nível de produção e/ou renda perdida na recessão. Nesse ritmo, o desemprego cairia dos cerca de 12% de agora para 11% apenas em 2020 (sim, daqui a dois anos). Ainda assim, seria um alívio, depois de um par de anos de recessão seguidos de um biênio de quase estagnação, refresco em especial para a metade mais remediada da população.

Sem choques externos, com um programa ponderado e bem sequenciado de reformas, com maiorias no Congresso e sem conflitos sociopolíticos derivados de bizarrices ignaras e extremistas, o país pode crescer até mais.

Caso sobrevenha algum problema maior, será obviamente mais difícil chegar aos 2,5%.

Um tumulto no mercado financeiro americano ou um ataque comercial pesado de Trump contra a China pode dar um peteleco forte no dólar, derrubar preços de commodities e causar desânimos e receios vários nas empresas, além de dar uma piorada nas expectativas de inflação.

O que fazer, então? Não haveria o que fazer, a não ser mais do mesmo em um país meio quebrado: o tal ajuste para conter a explosão da dívida etc. Exceto na opinião de parte da esquerda, o país não tem instrumentos para compensar a nova paulada (aliás, se tivesse, poderia recorrer desde já a algum estímulo).

O governo não tem como gastar mais sem que os juros deem um salto.

No caso terrível de crise financeira mundial com disparada séria do dólar e subsequente risco de alta da inflação e de juros por aqui, haveria um estrago sinistro no tamanho da nossa dívida imensa. É bom nem pensar nisso.

Reformas impopulares podem ficar menos intragáveis com alguma recuperação do crescimento econômico. Mas não parece razoável acreditar que se aceite sem mais protestos um outro ano de recessão/estagnação. Seria um ambiente propício para ideias de vez destrambelhadas, políticas em particular.

Alternativas econômicas razoáveis só vamos ter no próximo mandato, se der tudo certo.

Em suma, em parte dependemos da sensatez de Donald Trump e de Jair Bolsonaro.

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