domingo, 7 de janeiro de 2018

Luiz Werneck Vianna*: Lembrar junho de 2013

- O Estado de S.Paulo

Cumpre derrotar nas urnas o que há de mais recessivo e anacrônico na nossa sociedade

Chegamos afinal, depois de muitas tropelias, ao ano das eleições. As ruas estão em silêncio, embora atentas, e os quartéis, entregues às suas fainas habituais. O rebuliço e as incertezas vêm do lugar menos previsível, o Poder Judiciário, pelas ações de alguns dos seus membros, embalados por concepções salvacionistas alheias às eventuais consequências dos seus atos. Seja como for, de ciência provada agora sabemos que nossas instituições estão dotadas de surpreendente resiliência, ainda de pé em meio a tantos anos de severa turbulência. Sem ufanismo, é forçoso reconhecer que a Carta de 88 tem provado ser uma âncora segura para a nossa democracia.

Aos poucos, os eixos em torno dos quais gira a conjuntura começam a se deslocar dos tribunais para os lugares afetos aos temas e procedimentos da soberania popular. Já se vive, embora tardiamente, o momento crucial em que partidos selecionam seus candidatos e programas, vale dizer, os rumos futuros a serem trilhados pelo País. Em que pesem os argumentos retóricos em defesa de paradigmas antes influentes, a questão incontornável é que, mesmo de modo silencioso, como é do nosso estilo, estamos deixando para trás o tempo da modernização que aqui vingou de Vargas a Dilma.

O melhor marcador dessa mudança não está, como supõem os que se satisfazem com explicações fáceis, tanto no programa reformista do governo Temer, mas, sobretudo, nas jornadas de junho de 2013, na verdade, um movimento massivo da juventude em torno de direitos, inclusive os de participação política. Na agenda de junho de 2013 não se faziam presentes os temas clássicos da modernização, antes hegemônicos, mas os da agenda do moderno, centrados nas questões das liberdades civis e públicas.

Fernando Henrique Cardoso*: Ainda há tempo?

- O Estado de S.Paulo

É cedo para responder. O Brasil precisa de bom senso. O pior pode sempre acontecer

Começo de ano. A praxe indica que nestas ocasiões é melhor expressar os desejos de um próximo ano melhor e lastimar o que de ruim houve no anterior, sem deixar de soprar nas brasas de esperança suscetíveis de serem encontradas no meio de desvarios e extravagâncias porventura havidas. Será?

Não sei. Fui formado com a obsessão da dúvida metódica cartesiana. A certa altura, lendo Pascal, percebi que mesmo para os mais crentes o caminho da salvação não se encontrava no cômodo embalar da fé sem pitadas de dúvidas. Melhor tê-las e tentar responder, com a lógica (e a esperança), ao demônio da descrença. Por isso coloco o ponto de interrogação no título deste artigo.

Mantenho a esperança, mas convém reconhecer que 2017 mostrou que não dá para ter certeza de que os riscos da guerra e do irracional não prevaleçam. Já tivemos sonhos de cooperações entre Estados quando os diplomatas se dedicavam ao multilateralismo para resolver problemas ou pelo menos promover convergências de opiniões, mas só vemos confrontações. Quantos atentados terroristas houve? Muitos. E mesmo que um só tivesse havido, matando crianças e adultos que nada têm que ver com as fúrias políticas e religiosas dos fanáticos, já seria suficiente para assustar a Razão. Que dizer do Boko Haram, das mortes provocadas pela Al-Qaeda e pelo Estado Islâmico, dos atentados na Tunísia, no Iêmen ou onde mais seja, que prosseguem no caminho perverso do ataque, já antigo, às torres gêmeas ou ao Bataclan? O mundo parece percorrer um longo ciclo de desrazão que pode muito bem levar a uma guerra mundial.

Fernando Gabeira: As brumas de janeiro

- O Globo

Viajaram todos no réveillon, fiquei só em casa, com uma delicada missão: acalmar os quatro gatos durante os 17 minutos dos fogos em Copacabana. No fim, deu certo. Vieram todos para a minha cama, redobrei a atenção com uma delas que tem o hábito de fazer xixi fora do lugar, quando contrariada. Nessa breve semana de férias, constatei que em 2018 vou trabalhar mais ainda. São as circunstâncias. Minha pergunta é esta: que tipo de qualidade necessito para encarar as novas tarefas?

Para fazer mais e melhor, destaco sempre uma delas, que nem sempre me acompanha, na trajetória agitada: concentração. Costumo levar na mochila um velho livro do sexto patriarca da Escola do Sul: Hui Neng, um sábio budista. Volta e meia, bate na tecla da concentração. No seu universo, a concentração é indispensável ao caminho espiritual. Mas nada impede que seja também um instrumento valioso na nossa vida cotidiana.

Definidos objetivo e método, nada melhor que usar os restantes momentos de férias para me dispersar. Ou, pelo menos, sentir a força avassaladora das múltiplas atrações que disputam nossa atenção. Dentro de casa, com livro, tevê e internet, é possível se perder completamente, em romances, ensaios, biografias, perfis, curtas, debates inteligentes e bobagens engraçadas.

Vi um perfil de Francis Bacon, cujos quadros sempre me impressionaram e a quem só conhecia de um livro de entrevistas. Fiquei triste com seu cotidiano pontilhado de crises, suicídio de um de seus amantes no momento de sua grande consagração internacional: a exposição no Grand Palais, em Paris. Lembrei-me de Van Gogh, pobre, dando sua própria orelha para uma prostituta. É como se fosse uma lenda: não me comove tanto. E pensei: as dores dos contemporâneos parecem ser as nossas dores.

Merval Pereira: A pequena política

- O Globo

O ministro Moreira Franco em entrevista ao GLOBO, justificando a política do “toma lá dá cá” explicitada por seu colega Carlos Marun, que exigiu o apoio à reforma da Previdência em troca de financiamentos de bancos públicos, disse que o sistema de reciprocidade existe desde a Roma Antiga.
De fato, se pegarmos o livro “A campanha eleitoral na Roma Antiga”, do historiador alemão Karl-Wilhelm Weeber, veremos que “operava o princípio da assistência recíproca”: “(...) A rede de amigos ativos na política constituía-se, no contexto da campanha eleitoral romana, um elemento de capital importância”.

Era importante, diz o historiador alemão, mobilizar velhos aliados, cobrar a gratidão por um benefício concedido, cercar-se de amigos ativos na política que tiveram apoio em situações análogas e, se possível, exibir a simpatia de apoiadores célebres, prestigiados, que possam fornecer referência sobre a capacidade do candidato.

“Sucesso gera sucesso”, um slogan válido até para a campanha eleitoral romana. Quanto mais numerosos e prestigiados eram os apoiadores, tanto mais provável que as pessoas simples seguissem esse “modelo”. Até mesmo os vizinhos tinham papel importante nas campanhas eleitorais.

Igor Gielow: Quando Bolsonaro é Trump

- Folha de S. Paulo

Há saborosas inconfidências trazidas à tona pelo jornalista Michael Wolff em seu bombástico livro sobre a Casa Branca de Donald Trump, a maioria delas crível.

O fato de o presidente ter tentado barrar a publicação só reforça esse caráter, mesmo que a prudência recomende um bom distanciamento ao ler esse tipo de obra e que o autor faça ressalvas sobre o que escreveu.

Isso dito, verdadeira ou não, a revelação de que Trump nunca acreditou na vitória e via na campanha um brilhante veículo para projetar seu ego, só para o desespero generalizado quando Hillary Clinton emergiu derrotada, é bastante coerente com tudo o que ocorreu na Presidência americana nos meses seguintes.

Impossível não pensar no Brasil. Olhando para trás, essa narrativa se encaixa à perfeição com o que vários auxiliares próximos de Marina Silva descreviam no tão distante 2014.

A então candidata a presidente chegou a liderar a corrida antes de ser destroçada pela campanha do PT.

Eliane Cantanhêde: Ataque especulativo

- O Estado de S.Paulo

Alckmin é a única opção do centro, mas é espicaçado por FHC, aliados e governo

A candidatura do tucano Geraldo Alckmin está sob ataque especulativo desde que ele fechou 2017 e entrou no ano eleitoral como a melhor (talvez única) opção de centro, mas sem empolgar os políticos, o mercado e o eleitorado. O pior golpe partiu justamente do principal líder do PSDB, o ex-presidente Fernando Henrique. Ao ser pragmático e realista, FHC beirou a crueldade ao analisar as chances do governador.

Em entrevista ao Estado, já no primeiro dia útil do ano, o ex-presidente lançou um misto de advertência e grito de guerra: ou Alckmin finalmente mostra que pode aglutinar o centro, convencer o eleitor e se viabilizar como candidato, ou o PSDB poderá, sim, apoiar “alguém com capacidade para juntar e que tenha princípios próximos aos nossos”.

Uma cacetada. E ganha ainda mais força porque Luciano Huck deixou uma ponta solta ao jogar a toalha e entrou em 2018 retomando conversas com o PPS, consultando institutos de pesquisas e botando sua tropa de prontidão. Dizem as más línguas que FHC respalda esses movimentos.

Vera Magalhães: Só gol contra

- O Estado de S. Paulo

Governo iniciou 2018 com o pé esquerdo, o que coloca em xeque ideia de votar Previdência em fevereiro

O governo Michel Temer está empenhado em votar a reforma da Previdência agora e não medirá esforços para isso, certo? A julgar pelas notícias destes primeiros dias de 2018 parece difícil de acreditar. Com a votação pela Câmara marcada para 19 de fevereiro, ou seja, logo ali, Temer assiste a uma debandada de ministros, sem que os indicados para suceder-lhes se comprometam com a aprovação da mudança nas aposentadorias e pensões.

Para além das desculpas de cada um para abandonar o barco, a impressão geral que essas saídas prematuras causa é a de que, candidatos, os auxiliares de Temer não queriam se comprometer com a articulação de uma reforma que ainda é impopular, apesar das campanhas de esclarecimento sobre sua necessidade e urgência.

Num governo mais estruturado, o presidente seguraria os afoitos para que só fizessem a marola depois da votação na Câmara e condicionaria a manutenção dos espaços dos partidos à aprovação da medida – afinal, uma coalizão tem de valer justamente para propostas que mudam os rumos do país, e não apenas para salvar a pele do presidente.

Samuel Pessôa*: Regra de ouro e nosso contrato social

- Folha de S. Paulo

É necessário que o não cumprimento da regra de ouro deflagre medidas corretivas automaticamente

O terceiro inciso do artigo 167 da Constituição Federal impede (ou veda) "a realização de operações de créditos que excedam o montante das despesas de capital, ressalvadas as autorizadas mediante créditos suplementares ou especiais com finalidade precisa, aprovados pelo Poder Legislativo por maioria absoluta".

Essa vedação, conhecida por regra de ouro, impede que o governo se endivide para pagar gastos com custeio. Permite-se o endividamento para financiar o investimento em capital produtivo e a rolagem da dívida, isto é, emitir dívida nova para pagar dívidas vincendas.

No período em que a inflação era muito elevada, a regra de ouro não era problema. Com inflação alta, a maturidade da dívida pública era curta. O grosso do gasto público era com a rolagem da dívida pública.

Míriam Leitão: Números e sentimento

- O Globo

O ministro Henrique Meirelles teve outro dia que atravessar um supermercado, ao sair de um evento no Rio. Aproveitou e perguntou a uma consumidora como estava a inflação, certo de que ouviria alguma boa avaliação porque o país está com uma das menores taxas da história. “Está altíssima”, ela respondeu. Ele perguntou sobre o futuro, e ela disse que os preços subiriam.

Números bons o governo tem para mostrar na economia, mas a percepção da população não é essa. Como a recessão foi forte demais, toda a sensação de desconforto se mistura. A relação do Brasil com a inflação é complexa, porque, em geral, perguntados, os brasileiros costumam dizer que ela vai subir. Esse é um medo quase atávico, afinal, foram 50 anos de alta constante com episódios de hiperinflação ao fim daquele período.

Os consumidores só sentiram a diferença nos momentos em que a queda foi forte e somada a um aumento do nível de atividade. A última vez que isso aconteceu foi em 1994. Antes disso, em 1986. Nesses dois anos, houve efeito direto nas eleições. Em 1986, com o Cruzado, o PMDB teve uma vitória consagradora em todo o país. Em 1994, o candidato do governo Itamar a presidente, Fernando Henrique Cardoso, ganhou as eleições no primeiro turno derrotando os que tinham estado nos primeiros lugares nas pesquisas no início da disputa: Lula e Maluf.

Affonso Celso Pastore: Que Brasil queremos?

- O Estado de S. Paulo

Graças ao Banco Central, que ancorou as expectativas e recompôs a credibilidade antes de iniciar a queda da taxa de juros, e à aprovação da emenda constitucional que congelou os gastos primários reais, a confiança começou a ser restaurada. A isso se somam: a reforma trabalhista; a decisão de acabar com os subsídios implícitos do crédito por parte do BNDES; e várias ações no campo microeconômico. Confiança mais alta, juros mais baixos e a pequena melhora no mercado de trabalho levaram à retomada do consumo das famílias, mas, observando os dados e os riscos políticos, não há nada muito animador ocorrendo com os investimentos.

Sair da recessão é fácil. Difícil é o aumento persistente da taxa de crescimento, que depende da taxa de investimentos e da produtividade do trabalho. No passado distante, a demografia ajudava. Altas taxas de natalidade elevavam o crescimento da população em idade ativa, aumentando o PIB. Com um regime previdenciário de participação, os “moços” (em maior proporção) contribuíam para os benefícios pagos aos “idosos”. A mudança demográfica reduziu o crescimento da população de “moços” e sua contribuição para o PIB, e o aumento da proporção de “idosos” nos leva, a menos que se realize uma profunda reforma da Previdência, à crise fiscal.

Bolívar Lamounier: Como nos tornamos o que hoje somos?

- Revista IstoÉ

Somos uma gente impedida de empreender e trabalhar, pois té hoje não conseguimos nos livrar do Estado patrimonialista

Durante a primeira metade do século passado e até algumas décadas atrás, numerosos escritores tentaram compreender o “caráter nacional” brasileiro. Uns o descreviam como otimista, alegre, bondoso e cordial; para outros seríamos justo o contrário: pessimistas, tristes, egoístas, violentos. Prepotentes para uns, subservientes para outros.

Tais tentativas nunca deram bons resultados, pela singela razão de que partiam de uma premissa insustentável: a de que o caráter de um povo seja imutável ao longo do tempo e possa ser retratado por meio de um traço ou de um pequeno conjunto de traços comuns.

Auxiliado por Francisco Almeida e Zander Navarro, o senador Cristovam Buarque retomou a questão mencionada de uma forma instigante e inovadora no livro “Brasil, brasileiros: por que somos assim?” (Editora Verbena, 2017). Na condição de organizadores, os três convidaram dezesseis autores renomados a responder a questão, oferecendo cada um sua definição daquele “assim” do título – sua imagem dos brasileiros como povo – e tentando explicar como se formaram nossos traços predominantes.

Luiz Carlos Azedo: Salvadores da pátria

- Correio Braziliense

O sebastianismo é uma herança tão forte quanto o velho patrimonialismo das oligarquias brasileiras. Até caminham de mãos dadas, embora aparentemente se contraponham

A face mais popular do iberismo no Brasil é o sebastianismo, um mito messiânico originário do desaparecimento do D. Sebastião na batalha de Alcácer-Quibir, no Marrocos, a 4 de agosto de 1578. Menino ainda, pois tinha somente 14 anos, o rei de Portugal não deixou herdeiros. Em consequência, a primeira nação da Europa ocidental, que vinha de um exitoso ciclo de expansão marítima, mergulhou num período de frustração e desgoverno, sendo anexada pela Espanha em 1580. À época, o episódio personificou o mito do Encoberto, muito conhecido entre os cristãos-novos, por causa das profecias de Gonçalo Antônio Bandarra, um sapateiro de Trancoso, cujas trovas incomodavam a Inquisição:

“Augurai, gentes vindouras, / Que o Rei que daqui há-de-ir, / Vos há-de tornar a vir/ Passadas trinta tesouras. / Dará fruto em tudo santo, /Ninguém ousará negá-lo;/ O choro será regalo/ E será gostoso o pranto.”

Em sua defesa, Bandarra sustentou, perante os inquisidores, que havia se inspirado na Bíblia, ao ler os livros de Daniel, Isaías, Jeremias e Esdras, que profetizavam a vinda de um rei que traria, finalmente, a paz e a justiça aos povos da terra. Esse foi o ponto de partida para criação do mito, que mais tarde seria acalentado nas obras de Camões, do padre Antônio Vieira e até mesmo de Fernando Pessoa, que invoca o velho sebastianismo para mexer com os brios dos portugueses, diante da decadência em que se encontrava o seu país na primeira metade do século passado, desencantado com a República e a humilhação perante a Inglaterra.

Multa da Petrobras reafirma o crime do petróleo: Editorial/O Globo

Acusados e condenados costumam continuar a jurar inocência, mas a indenização bilionária que a estatal se propõe a pagar descredencia essas juras

Sempre negar é regra seguida por acusados de crimes. Mesmo que as evidências o desmintam, não importa que já seja um condenado. No mundo do colarinho branco, Paulo Maluf é o símbolo maior deste costume, e deve sair da Papuda sem mudar. No seu caso, de desvio de dinheiro de obras em São Paulo, lavagem e remessa para o exterior, na última passagem pela prefeitura da cidade, há, entre outras, provas documentais (assinaturas etc.). Mas isso não importa.

O mesmo se repetiu no mensalão do PT (também no do PSDB) e ocorre no petrolão, do PT e associados (MDB e PP, os principais). O ex-presidente Lula sempre negou o mensalão, mesmo que várias estrelas mensaleiras de primeira grandeza do partido tenham cumprido penas em prisão (José Dirceu, José Genoíno, Delúbio Soares etc.), definidas pelo Supremo Tribunal.

A verdade acima de tudo: Editorial/O Estado de S. Paulo

As eleições gerais deste ano, mais do que todas as outras havidas desde a redemocratização, dirão mais sobre os eleitores do que sobre os eleitos. Das urnas sairá o atestado de maturidade da Nação. Muito tem sido dito sobre a importância deste pleito em especial e, não sem razão, do papel que ele terá na definição do futuro próximo do País.

Ainda que as candidaturas não estejam oficialmente determinadas, não seria incorreto afirmar que em outubro será dado aos brasileiros escolher entre dois caminhos diametralmente opostos: o conforto da esperança charlatã vendida pelos populistas e a dureza da verdade que precisa ser dita por aqueles que se julgam à altura de liderar o País com responsabilidade.

Em outras palavras, tratar-se-á de uma opção entre a manutenção das benesses fugidias, restritas a uns poucos e insustentáveis a médio prazo, e o apoio à adoção de medidas austeras, impopulares, porém absolutamente necessárias para o equilíbrio fiscal que irá pavimentar o caminho da retomada do crescimento econômico e da construção de um país mais justo.

Fazer o quê?: Editorial/Folha de S. Paulo

Enquanto os setores de esquerda aguardam o julgamento em segunda instância de seu mais forte candidato potencial à Presidência da República, mantêm-se em aberto as especulações sobre quem poderia representar a centro-direita na disputa que se aproxima.

Em entrevista a esta Folha, o presidente licenciado do PSD, Gilberto Kassab, reiterou com a devida cautela a opção de seu partido pelo nome do atual ministro da Fazenda, Henrique Meirelles.

Mas, conformou-se o ex-prefeito paulistano, "pode ser o [Geraldo] Alckmin" –a hipótese de apoiar o governador tucano de São Paulo destoa de tese oficial do governismo de lançar candidato próprio.

Do campo do PSDB vieram sinais em sentido inverso. Com sua conhecida independência de pensamento, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso temperou de ceticismo o apoio que lhe caberia dirigir ao correligionário.

Espera-se, disse FHC ao jornal "O Estado de S. Paulo", que um candidato de seu partido seja capaz de aglutinar os setores de centro. Porém, "se houver outro que aglutine", continuou, "fazer o quê?"

Processos de cunho social e tributário travam no Supremo Tribunal Federal

Letícia Casado/Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - Em 19 de setembro de 2011 chegou ao STF (Supremo Tribunal Federal) o caso de uma aposentada de Minas Gerais que precisava de um remédio fora da lista do SUS (Sistema Único de Saúde) e sem registro na Anvisa (Agência Nacional de Saúde).

O medicamento foi registrado, mas, segundo a Defensoria Pública da União, a aposentada não teve acesso.

Antes, em 2007, o tribunal recebeu a ação de uma mulher do Rio Grande do Norte que tentou obter um medicamento de alto custo não disponível no SUS. Obrigado a custear o remédio, o Estado recorreu à corte.

Os dois processos, que tramitam juntos, foram liberados para julgamento apenas em 2015. O desfecho guiará as ações pelo país sobre o fornecimento de remédios pelos Estados.

O julgamento foi interrompido duas vezes por pedidos de vista, instrumento que dá aos ministros mais tempo para analisar o caso.

Algumas discussões que chegaram ao STF nos últimos anos avançaram em 2017, mas foram interrompidas por esses adiamentos: limites de áreas quilombolas (desde 2004), imunidade tributária de empresas no Simples (desde 2009), descriminalização do porte de drogas para uso pessoal (2011), alteração de registro civil sem mudança de sexo e novo código florestal (ambas desde 2012) e restrições a doação de sangue por homossexuais (2016).

Na política, Bolsonaro multiplica o patrimônio

Patrimônio de Jair Bolsonaro e filhos se multiplica na política

Ranier Bragon, Camila Mattoso, Italo Nogueira/ Folha de S. Paulo

BRASÍLIA / RIO - O deputado e presidenciável Jair Bolsonaro (PSC-RJ)e seus três filhos que exercem mandato são donos de 13 imóveis com preço de mercado de pelo menos R$ 15 milhões, a maioria em pontos altamente valorizados do Rio de Janeiro, como Copacabana, Barra da Tijuca e Urca.

Levantamento feito pela Folha em cartórios identificou que os principais apartamentos e casas, comprados nos últimos dez anos, registram preço de aquisição bem abaixo da avaliação da Prefeitura do Rio à época.

Em um dos casos, a ex-proprietária vendeu uma casa em condomínio à beira-mar na Barra a Bolsonaro com prejuízo –pelo menos no papel– de R$ 180 mil em relação ao que havia pago quatro meses antes.

O filho mais velho do presidenciável, Flávio, deputado estadual no Rio de Janeiro, negociou 19 imóveis nos últimos 13 anos.

Os bens dos Bolsonaro incluem ainda carros que vão de R$ 45 mil a R$ 105 mil, um jet-ski e aplicações financeiras, em um total de R$ 1,7 milhão, como consta na Justiça Eleitoral e em cartórios.

Quando entrou na política, em 1988, Bolsonaro declarava ter apenas um Fiat Panorama, uma moto e dois lotes de pequeno valor em Resende, no interior no Rio –valendo pouco mais de R$ 10 mil em dinheiro atual. Desde então, sua única profissão é a política. Já são sete mandatos como deputado federal.

Bolsonaro, 62, tem duas ex-mulheres (está no terceiro casamento) e cinco filhos. Três são políticos: além de Flávio, Carlos (vereador no Rio desde 2001) e Eduardo (deputado federal desde 2015). Ao todo, os quatro disputaram 19 eleições.

Eles apresentam, como o pai, evolução patrimonial acelerada. Com exceção de uma recente sociedade de Flávio em um loja de chocolates, todos se dedicam agora só à atividade política.

Até 2008, a família declarava à Justiça Eleitoral bens em torno de R$ 1 milhão, o que incluía apenas 3 dos atuais 13 imóveis. As principais aquisições ocorreram nos últimos dez anos.

As duas principais casas do patrimônio de Bolsonaro ficam em um condomínio à beira-mar na Barra, na avenida Lúcio Costa, um dos pontos mais valorizados do Rio.

Segundo documentos oficiais, ele adquiriu uma por R$ 400 mil em 2009 e outra por R$ 500 mil em 2012.

Hoje o preço de mercado das duas juntas é de pelo menos R$ 5 milhões, de acordo com cinco escritórios imobiliários da região consultados pela Folha. Ou seja, teriam tido valorização de pelo menos 450% no período.

Rosto velho, roupa nova e as eleições

Presidenciáveis mudam discurso e defendem posições antes criticadas por eles próprios

Gilberto Amendola / O Estado de S. Paulo.

Rosto velho, roupa nova. A expressão “se não me falha a memória...” deverá ser muito usada neste ano eleitoral. Afinal, “se não me falha a memória”, o candidato que hoje prega contra a reforma da Previdência já foi mais simpático às mudanças no setor. “Se não me falha a memória”, outro presidenciável que hoje garante que vai privatizar diversas estatais já jurou que jamais tocaria em nenhuma delas. Políticos realmente mudam de opinião ou apenas adaptam seus discursos de acordo com a plateia ou conveniência eleitoral?

Quando a memória falha ainda é possível ir ao Google ou às redes sociais para se certificar daquilo que foi dito em outro “momento”. Veja o caso do deputado e presidenciável Jair Bolsonaro (PSC-RJ), que acaba de se acertar com o PSL e reforça a ideia de ser um defensor da economia de mercado. Recentemente, Bolsonaro escreveu que “o Brasil precisa de um Banco Central independente!”. Para ele, com a independência do BC, “profissionais terão autonomia para garantir à sociedade que nunca mais presidentes populistas colocarão a estabilidade do País em risco”.

BNDES pode levar calote de US$ 2 bilhões no exterior

Depois de Venezuela e Moçambique, Angola pode ser o próximo a atrasar pagamentos de empréstimos do BNDES que financiaram obras de empreiteiras brasileiras. O banco tem US$ 4,3 bilhões a receber neste setor – US$ 2 bilhões dos três países. Angola, maior devedor do BNDES, já anunciou pacote de ajuste que prevê a renegociação da dívida externa. A conta dos atrasos ficará com o Tesouro Nacional, mas não há espaço na previsão orçamentária para calotes.

BNDES corre risco de calote de US$ 2 bi de Angola, Venezuela e Moçambique

Crédito. Se esses países não honrarem o pagamento de empréstimos feitos para financiar obras de empreiteiras brasileiras no exterior, quem vai arcar com a dívida é o Tesouro Nacional, que deu garantia ao negócio; Odebrecht foi a mais beneficiada

Vinicius Neder / Adriana Fernandes / O Estado de S. Paulo.

BRASÍLIA - Após calotes de Venezuela e Moçambique, no ano passado, Angola pode ser a próxima a atrasar pagamentos de empréstimos do BNDES que financiaram obras de empreiteiras brasileiras. No total, o banco tem US$ 4,3 bilhões a receber de dívidas nessa modalidade, sendo US$ 2 bilhões de Venezuela, Moçambique e Angola. Desde 1997, o banco liberou US$ 10,5 bilhões para 15 países e obteve US$ 8,2 bilhões de retorno, incluindo juros.

A conta dos atrasos, na verdade, ficará com o Tesouro Nacional, pois as operações têm seguro, coberto pelo Fundo de Garantia à Exportação (FGE). Vinculado ao Ministério da Fazenda, o fundo é feito para garantir esse tipo de empréstimo. Nos financiamentos de longo prazo no exterior, é normal haver participação dos governos no crédito ou nas garantias, dizem especialistas.

Mesmo que os recursos sejam recuperados à frente, após renegociações com os devedores, não há previsão orçamentária em 2018 para os eventuais calotes, informou o Ministério da Fazenda. Novos calotes podem pressionar ainda mais as contas públicas, já deficitárias.

A Venezuela preocupa mais. Do calote de US$ 262 milhões anunciado em setembro, US$ 115 milhões são com o BNDES. O banco tem mais US$ 274 milhões a receber apenas neste ano, do saldo devedor total de US$ 814 milhões. O atraso da parcela deste ano implicaria gasto adicional de R$ 885 milhões no Orçamento federal de 2018. A avaliação do governo é que dificilmente a dívida será paga normalmente, disse uma fonte.

Uma virada simbólica

Os fatos da virada do ano, das trocas no Ministério a seus reflexos na Câmara, demonstram a irrelevância do comando do país e a debilidade das instituições.

Um novo ano na debilidade política

Virada de 2017 para 2018 reúne fatos que simbolizam a irrelevância na cadeia de comando do país

José Casado / O Globo

Michel Temer vai mudar 46% do seu Ministério até março, prevê-se no Palácio do Planalto. Substituiria 13 dos 29 ministros — essa conta inclui o presidente do Banco Central, Ilan Goldfajn, como possível sucessor do pré-candidato presidencial Henrique Meirelles na Fazenda.

Mais interessante, talvez, seja o fato de que nos palácios de Planalto, Jaburu e Alvorada e no Congresso, não há quem atribua relevância a tal mudança no epicentro do governo.

Apesar da magnitude, a troca de quase metade do time ministerial é considerada essencialmente inexpressiva, mero reflexo da debilidade em que se consomem partidos e instituições governamentais desde o século passado. Nesse ambiente, tornou-se eloquente a troca de guarda no Ministério do Trabalho assim como seus efeitos no plenário da Câmara em fevereiro.

Marx: dois séculos de embate

Nos 200 anos de nascimento do pensador, duas biografias se propõem a resgatar a face humana de um mito definido como santo ou demônio

Marcos Guterman / O Estado de S.Paulo/Aliás

Poucas figuras no mundo despertam tanta controvérsia quanto Karl Marx (1818-1883). Identificado como o grande profeta do comunismo, o filósofo alemão é, por isso mesmo, adorado como um santo pela esquerda e odiado como um demônio pela direita. Mesmo que poucos tenham efetivamente lido o que ele escreveu, e que muitos dos que se dizem seus seguidores limitem-se a recitar as passagens populares de seus textos mais conhecidos – como a abertura do Manifesto do Partido Comunista (“Um espectro ronda a Europa: o espectro do comunismo”), ou como a igualmente notória abertura do 18 Brumário de Luís Bonaparte (“Hegel observa em uma de suas obras que todos os fatos e personagens de grande importância na história do mundo ocorrem, por assim dizer, duas vezes. E esqueceu-se de acrescentar: a primeira vez como tragédia, a segunda como farsa”) –, o fato é que parece que o mundo inteiro tem algo a dizer sobre Marx. Mas qual Marx?

Duas alentadas biografias lançadas no Brasil se propõem a reconduzir Marx à sua dimensão humana, como produto de seu tempo, destituído dos inúmeros epítetos pelos quais ele passou à história e aos quais, é o que esses livros demonstram, ele quase nunca fez jus, para o bem ou para o mal.

Não é uma tarefa trivial. Os guardiões dos textos sagrados de Marx, conhecidos como marxistas, quase nunca se dispõem a falar em público sobre os erros e as contradições de seu herói. Afinal, a fama de um filósofo que “provou” o iminente colapso do capitalismo não pode ser ameaçada por questões mundanas, como sugere o historiador britânico Gareth Stedman Jones em seu livro Karl Marx: Grandeza e Ilusão (Companhia das Letras), lançado em dezembro.

Nem mesmo o colapso do comunismo, lá se vão três décadas, e o renovado vigor do capitalismo, a despeito de suas recorrentes crises, são capazes de diminuir a aura em torno de Marx. Mas Stedman Jones, assim como o historiador americano Jonathan Sperber, autor de Karl Marx: Uma Vida do Século 19 (Amarylis), de 2014, trataram de reconstituir a vida e as ideias de Marx não à luz das reações extremadas que causam ainda hoje, e sim em relação ao turbulento contexto de sua época.

Filme reconstitui a juventude do autor de ‘O Capital’

Luiz Carlos Merten/ O Estado de S. Paulo./Aliás

No Festival de Cinema de Berlim, no ano passado, ao apresentar O Jovem Karl Marx, o diretor e corroteirista haitiano Raoul Peck lembrou seus verdes anos de estudante na Alemanha. “Pertenço a uma geração que lia Marx como hoje se discutem os comics. Acho um desafio trazer Marx para essa geração.” E, realmente, Peck e o também roteirista Pascal Bonitzer conseguiram humanizar a engessada figura de Marx. Esqueça o senhor de vetustas barbas acima. Marx é um jovem jornalista que ganha pouco e sobrevive mal, fugindo de senhorios e da polícia, mas é bom de sexo, bebe muito e adora polêmica. Tem uma alma gêmea feminina – a mulher. Descobre sua alma gêmea masculina, o dândi Friedrich Engels.

Filho de um industrial, Engels desafia o próprio pai e colhe o elogio de Marx por seu estudo sobre a classe trabalhadora inglesa, que também lhe vale um romance. Esses jovens intrépidos e suas mulheres maravilhosas. Talvez, para apreciar as qualidades do filme, o espectador tenha de ser também jovem – em espírito, pelo menos. Difícil imaginar fábula mais moderna, a despeito da linearidade. O Jovem Karl Marx começa com um massacre de pobres que colhem gravetos caídos de árvores numa floresta. Estão roubando? Marx começa ali a discutir a ideia que está no centro do filme: a relação da propriedade com o valor da mercadoria.

Graziela Melo: Palavras

Palavras!
São diletas
filhas
do tempo,

amigas
da solidão
reproduzem
dores
na alma,

clamores
no
coração!!!

Palavras,
as que
causam
espanto!!!

Tristeza
ou
alegria,

as vezes
pronunciadas
à noite...
são
desmentidas
de dia!!!

Palavras!
algumas
as mais
verdadeiras,

outras,
mentiras
corriqueiras,

flácidas
lânguidas,
derretem
à luz
do sol!!!

Existem
os belos
vocábulos

que soam
aos nossos
ouvidos

como
o canto
de um
rouxinol!!!