domingo, 25 de fevereiro de 2018

Luiz Carlos Azedo: Convergência democrática

- Correio Braziliense

Tudo o que foi feito para ultrapassar o regime militar e construir uma democracia duradoura, que servisse de alicerce para garantir o crescimento econômico, reduzir as iniquidades sociais e garantir o exercício pleno da liberdade em nosso país, num prazo relativamente curto, está meio que de pernas para o ar: um vice na Presidência em razão de um impeachment enrolado na Lava-Jato; o Congresso desmoralizado pela corrupção e o fisiologismo e a Justiça atabalhoada, atuando como poder moderador. A crise tríplice (econômica, política e ética) ainda não atravessou o túnel das incertezas, e tudo o que foi feito para criar e aperfeiçoar nossos mecanismos democráticos está sendo posto em xeque pela sociedade. Entretanto, a democracia brasileira resiste, graças à mobilização da sociedade e ao amadurecido e inédito compromisso dos militares com o Estado de direito democrático.

Não é um fenômeno isolado que possa ser atribuído apenas aos nossos desgovernos, muito pelo contrário. Estamos diante de um cenário que tem muitos paralelos com as crises em outros países, e que faz parte da crise das instituições, governos, parlamentos, partidos, sindicatos e movimentos da democracia Ocidental. Com a particularidade de que são agravados por nossos ingredientes nacionais, entre os quais velhas tradições políticas de origem ibérica, como o sebastianismo e o patrimonialismo. E um fato novo em pleno curso: a Operação Lava-Jato, que flagrou políticos, empresários e executivos de estatais e órgãos públicos, a elite dirigente do país, num monumental assalto aos cofres públicos.

Em meio a tudo isso, o governo Michel Temer, fruto do impeachment de Dilma Rousseff, operou com sucesso uma política econômica que nos possibilitou sair da recessão e estabilizou a economia, que hoje apresenta as menores taxas de inflação e de juros desde a redemocratização. Mas isso não significa a superação da crise brasileira, porque as velhas estruturas políticas que a provocaram e estão no centro dos escândalos de corrupção foram blindadas pela recente reforma política e se encastelaram no poder Executivo e no Legislativo. Entretanto, não estão sendo capazes de estabelecer alternativas nas eleições majoritárias, principalmente para presidente da República.

Entretanto, as eleições que se avizinham estão polarizadas por uma direita e uma esquerda de viés autoritário, populista e fiscalmente irresponsáveis, que se digladiam e se retroalimentam nas redes sociais. O que resta de alternativa é a fragmentação do campo democrático, dos setores liberais aos social-democratas. Podemos elencar muitas causas políticas e econômicas desse processo, mas a principal delas é irreversível: a grande mudança em curso na estrutura da sociedade, em decorrência da introdução das novas tecnologias nas estruturas produtivas, entre as quais, a robotização e a inteligência artificial, e a crescente segmentação das classes sociais. Essas mudanças estão no centro da desorganização e da crise da democracia representativa. No mundo!

Pós-liberalismo
Há uma corrida entre o Ocidente e o Oriente para reinventar o Estado, em decorrência da globalização e das mudanças tecnológicas. Enquanto as democracias ocidentais dão sinais de incapacidade de enfrentar sua crise, regimes autoritários do Oriente operam a modernização de suas economias com mais eficiência, a começar pela China, hoje o nosso principal parceiro comercial. As principais respostas políticas a isso foram as eleições de Donald Trump nos Estados Unidos, preocupantemente regressiva, e a de Emmanuel Macron, na França, que é uma promessa de avanço no sentido democrático. São dois projetos distintos para enfrentar as consequências negativas da globalização.

*Bolívar Lamounier: Só o instinto nos salva

- O Estado de S.Paulo

As reformas virão. Pelo caminho da política ou por sucessivas ondas de anarquia e violência

A ideia é aterradora e absurda, mas, no momento, tudo indica que o Brasil está perdendo a capacidade de equacionar seus problemas de maneira racional e civilizada, pela via da política. Nessa marcha, só o instinto de sobrevivência nos salvará.

No falatório sobre a intervenção, sobre as candidaturas presidenciais, sobre o funcionamento das instituições, o tom predominante é um desânimo furibundo, e até mais que isso, uma vontade meio doida de achar uma solução fácil, rápida e definitiva, ainda que o preço seja a quebra da ordem civil. No limite, é como se todos quisessem que metade (sua metade) da população matasse a outra, presumindo que a metade sobrante se dedicaria sinceramente à realização dos valores que elegeu como os mais altos. Isso vem por todos os lados, não é privilégio de nenhum partido ou grupo ideológico.

E o pior, infelizmente, é que por trás dessa fumaça realmente há muito fogo. Tal desorientação não chega a surpreender, pois estamos mal e mal saindo da pior recessão de nossa História e tomando consciência da metástase de corrupção que se difundiu por quase todo o sistema institucional do País. Dispenso-me de elaborar este ponto, limitando-me a observar que o cartel das empreiteiras botou no bolso praticamente toda a estrutura partidária de que dispúnhamos: quatro ou cinco organizações com algum potencial e umas trinta obviamente inúteis. Hoje vemos esvair-se até aquele elementar sentimento de lealdade sem o qual a vida interna de um partido se torna inviável. Na mais alta Corte de Justiça do País, salta aos olhos que alguns juízes trabalham sorrateiramente para livrar o sr. Luiz Inácio Lula da Silva, um corrupto notório, já sentenciado a 12 anos e um mês de prisão. No Senado e na Câmara, só quem mantém as estatísticas em dia sabe quantos parlamentares estão indiciados, acusados ou já na condição de réus.

A intervenção federal no sistema de segurança do Rio de Janeiro pôs em alto-relevo a questão da corrupção nos corpos militares e policiais, que inclui a entrega de armas potentes ao narcotráfico e à bandidagem em geral. Noves fora, então, a ressalva que se há de fazer diz respeito à competência e à seriedade da equipe econômica, da equipe liderada pelo juiz Sergio Moro e pela Polícia Federal, graças às quais o País não descarrilou por completo.

Míriam Leitão: Fogueira das vaidades

- O Globo

O primeiro objetivo do presidente Temer ao se colocar como candidato é adiar a hora em que será um pato manco, um governante sem poder, em fim de mandato. Temer quer manter a ideia de que tem um horizonte amplo. A expectativa de que possa ter poder no futuro aumenta sua força agora. Seu movimento levou ao improviso do ministro Henrique Meirelles, considerando encerrado seu tempo na Fazenda.

O Brasil terminou a semana com duas estranhezas. Um presidente impopular que tem ambições de permanecer no cargo e por isso todos os seus atos serão considerados de campanha, e um ministro da Fazenda que já encerrou o expediente, mas ainda não deixou o cargo.

Temer e seu grupo são profissionais do poder, sempre estiveram colados aos cascos dos navios, e agora estão no comando. Seus ministros mais próximos são investigados, e, se continuarem ministros, terão a vantagem do foro privilegiado. Isso sem falar em outras regalias. Ele próprio tem uma vantagem decorrente de uma falha na lei eleitoral: pode disputar a eleição estando no poder, enquanto seus concorrentes precisarão estar fora de qualquer cargo.

O ministro Henrique Meirelles tem bons serviços prestados, tanto no Ministério da Fazenda quanto no Banco Central. Ajudou o ex-presidente Lula a vencer a desconfiança contra ele, que, em 2003, elevara o dólar, a inflação e o risco-país. Depois, foi o ponto de resistência contra as propostas econômicas equivocadas do partido do então presidente. No Ministério da Fazenda, montou uma boa equipe. Ele, sua equipe e um competente Banco Central tiraram o país da inflação de quase dois dígitos e da recessão.

*Samuel Pessôa: Eleição à vista

- Folha de S. Paulo

Oxalá na próxima eleição nós estejamos exorcizados dos erros básicos de política econômica

Iniciou-se o ano e, após a Copa do Mundo da Rússia, o tema mais importante de 2018 será a eleição.

É muito importante que, diferentemente do que ocorreu em 2014, o debate entre os políticos seja o mais aberto e franco possível.

Naquela oportunidade, eu participei do grupo que apoiou o senador Aécio Neves e, portanto, tenho minha parte de responsabilidade no processo. O maior erro que todos nós cometemos foi esconder da sociedade a situação fiscal dramática em que nos encontrávamos.

Eu, com meus erros, fui partícipe dessa empulhação. Não me regozijo.

Há dois enfoques totalmente distintos a serem considerados nesse tema. Primeiro, o tradicional debate esquerda versus direita.

A esquerda deseja carga tributária elevada e a construção de um Estado de bem-estar social para auxiliar as pessoas a viver e sobreviver em um mundo que muda e em que o risco é enorme.
Para alcançar esse objetivo, a esquerda está disposta a elevar a carga tributária.

A direita considera que elevações da carga tributária podem ter fortes impactos sobre a eficiência e o incentivo ao trabalho, à inovação, ao esforço e à poupança. Podem, portanto, gerar no longo prazo baixa taxa de crescimento da produtividade, estagnação e, no limite, regressão econômica.

Ambos têm razão. A sabedoria do eleitor vai determinar qual projeto melhor se adéqua às necessidades de nossa sociedade no presente momento.

Esse é o debate normal entre uma economia mais liberal e a construção de um Estado de bem-estar social.

Bruno Boghossian: O desembarque do DEM

- Folha de S. Paulo

Partido quer se distanciar de Temer para reduzir contaminação na campanha

A cúpula do DEM começa a discutir os termos de seu desembarque do governo Michel Temer daqui a duas semanas, depois da convenção partidária marcada para o dia 8 de março. Na ocasião, a sigla lançará Rodrigo Maia como pré-candidato à Presidência, em um caminho que deve ser traçado a partir do distanciamento gradual em relação ao Palácio do Planalto.

Não haverá rompimento, ataques ou comportamento de oposição —e nem poderia haver. O partido foi sócio do impeachment que levou Temer ao poder e colaborou com a implantação de sua agenda econômica, o que elimina a credibilidade de uma mudança brusca de posição.

O que os caciques do DEM debatem é uma fórmula segura para reduzir a contaminação que a enorme impopularidade do presidente deve ter na campanha eleitoral. Dirigentes estão convencidos de que Maia e outros candidatos da sigla pelo Brasil só serão viáveis se estiverem desvinculados do patrocínio do governo.

O ponto emblemático dessa estratégia será evidente: a saída de Mendonça Filho do Ministério da Educação. Ele deve deixar o cargo em 7 de abril para poder disputar as eleições. A disposição do partido é não fazer nenhuma indicação política para substituí-lo no posto.

Eliane Cantanhêde: Nem inferno, nem céu

- O Estado de S. Paulo

Michel Temer deu uma cambalhota, mas nem por isso vira santo ou candidato

O presidente Michel Temer deu uma cambalhota. Deixou de ser o presidente mais impopular desde a redemocratização, sem horizonte e carregando nas costas o defunto da reforma da Previdência, para passar a ser o presidente que interveio no Rio de Janeiro, deflagrou uma guerra à violência e passou até, vejam só, a ser considerado candidato a um novo mandato.

Nem ao inferno, nem ao céu. Temer enfrentou uma pedreira desde o impeachment de Dilma, com a pecha de golpista e as denúncias de Rodrigo Janot, e sacou a arma que sabe manejar bem: a negociação com partidos e políticos, chegando a excrescências como nomear, e desnomear, Cristiane Brasil, sob intenso tiroteio da mídia e com o Ministério do Trabalho vago. Nem por isso era o diabo.

Mas também não vai virar santo – ou candidato –, de uma hora para outra, só com a intervenção na segurança. Apenas ganha fôlego, possivelmente alguns pontos nas pesquisas e discurso para enfrentar os áridos meses até a eleição e a passagem de cargo, com os holofotes nos candidatos, não num governo nos seus estertores.

Antes da intervenção, Temer só entrava mal na mídia. Com a intervenção, entra na boa e ganhando colunas, notinhas e análises sobre uma possível candidatura. Na eleição, tende a sair das manchetes, minguar, tendo de fugir de denúncias e dos malfeitos de companheiros do PMDB e de assessores no governo. Portanto, das páginas policiais.

Vera Magalhães: Judiciário no divã

- O Estado de S.Paulo

Poder recorre ao corporativismo quando expostos seus privilégios

O Judiciário brasileiro passou, em poucas semanas, da condição de salvador da Pátria à de repositório de velhos privilégios. Não é preciso dizer que tanto uma quanto outra imagem são distorcidas pelo vício nacional da polarização que não admite nuances. Mas o fato é que os juízes estão na berlinda, e há razões concretas para isso.

Foi graças a decisões recentes de juízes de primeira e segunda instâncias – principalmente da Justiça Federal –, que endureceram o combate aos chamados crimes de colarinho branco, que o Judiciário assumiu ares de Poder saneador da República.

Magistrados como Sérgio Moro e Marcelo Bretas foram responsáveis por sentenças que levaram ao banco dos réus ou para trás das grades nomes como Lula, Sérgio Cabral, Eduardo Cunha, José Dirceu e outros do primeiro time da política nacional. Como efeito colateral dessa atuação destacada, viraram celebridades e foram parar nas telas de cinema.

Eis que, no auge dessa popularidade, são expostos à contradição de, ao mesmo tempo em que combatem a corrupção, serem beneficiários de privilégios obtidos em claro descompasso com o espírito de mudança de paradigmas republicanos que pregam em suas sentenças.

É fato inconteste que operações como Lava Jato, Zelotes e outras promoveram uma revolução na maneira de investigar, denunciar e processar acusados por crimes como corrupção, formação de organização criminosa e lavagem de dinheiro.

Ricardo Noblat: Curioso!

- Blog do Noblat

Temer apanha pelo que Lula foi condenado

Sites amigos do PT batem em Temer todo dia por que ele é investigado por corrupção. E defendem Lula todo dia porque ele é investigado pela mesma coisa. Nesse caso, pior: já foi condenado duas vezes.

Temer passará à História como o primeiro presidente denunciado por corrupção no exercício do cargo. Lula, como o primeiro ex-presidente a ser condenado por corrupção no exercício do cargo. Se não for preso…

Lula foi cinco vezes candidato do PT a presidente da República. Temer, duas vezes candidato a vice de Dilma com o apoio do PT.

Vinicius Torres Freire: Pobres sitiados no Rio

- Folha de S. Paulo

Moradores de bairros pobres teriam sido proibidos de ir e vir para serem fichados por soldados

Neste país degradado além da conta habitual, caricaturas vulgares e extremas se revelaram monstros muito vivos, tais como aquelas de os maiores líderes políticos viverem em estado permanente e cínico de locupletação corrupta voluptuosa.

Quem passa por paranoico conspiratório talvez então esteja à beira de se revelar um realista presciente sobre os riscos de chacina de direitos e muito mais no Rio de Janeiro. É o que se teme, dados os indícios de violações de direitos no início da intervenção e desejos manifestos de cometer abuso sistemático, como o plano de mandados coletivos de busca e apreensão.

A intervenção na segurança pública do Rio é assunto controverso, mas em si um debate de política pública, por mais extrema que seja, e motivo de embate político normal. Mas a conversa agora é outra.

Cabe ao Ministério Público e à Polícia Federal investigar imediatamente o que parece extrapolação das medidas cabíveis em caso de intervenção. Na verdade, trata-se de restrições de direitos possíveis apenas em casos de estado de defesa ou de sítio, extremos que nem foram decretados pelo governo nem aprovados ou autorizados pelo Congresso, agora é necessário dizer. Estão em questão a violação de direitos fundamentais e crimes variados contra a Constituição.

Alcileia Morena e Ivan Alves Filho: A propósito da intervenção federal Estado do Rio de Janeiro

Esquematicamente, alinhamos alguns pontos que, talvez, possam contribuir para um melhor entendimento da questão da segurança pública no Estado do Rio de Janeiro:

1) Começamos por uma pergunta: qual a alternativa à intervenção federal na segurança pública?

2) Dizer que essa intervenção se resume a uma manobra do Governo Temer é extremamente redutor, e faz tábua rasa da complexa - e concreta - situação vivida pelo Estado do Rio de Janeiro. Lidamos com gestos concretos e não com essa ou aquela intenção (e pouco interessa aqui o que se passa pela cabeça de Michel Temer. Esse é um problema da psicanálise e não da política, propriamente).

3) Os últimos governos do Estado do Rio de Janeiro foram tanto de responsabilidade do PMDB quanto do PT - e isso desde a gestão Garotinho. Mais: foi o Governo Lula - e não somente o PMDB - que viabilizou as vitórias de Sergio Cabral,para o governo estadual, e Eduardo Paes para a prefeitura. O Temer pouco tem que ver com isso, apesar de ser do mesmo partido que o Cabral e o Paes. Até porque, o PMDB nunca foi uma agremiação que primasse pelo centralismo, sendo muito mais uma federação de partidos regionais.

4) O objetivo da intervenção, a meu juízo, não é reprimir os "pobres" , como querem alguns. Pelo contrário, pensamos que a intervenção atua para evitar que os trabalhadores - aí sim - fiquem reféns do crime organizado nas áreas mais carentes. Quem impõe o terror à população em geral é essa quadrilha que praticamente transformou o Brasil em um narcoestado, como foi o caso da Bolívia,do Panamá, da Venezuela e da Colômbia. O fato é que o Brasil está se decompondo em determinadas regiões. As pessoas estão perdendo o direito de ir e vir em muitas das nossas cidades. Foram 59 mil assassinatos em 2017. Até quando vamos permanecer assim?

O que se espera da intervenção: Editorial | O Estado de S. Paulo

Uma intervenção como a que o governo federal estabeleceu na segurança pública do Rio de Janeiro só poderá ser considerada bem-sucedida se for além da esperada repressão ao crime. Até agora, contudo, as autoridades envolvidas na implementação da medida parecem ocupar-se – tardiamente, enfatize-se – apenas dos aspectos básicos da operação policial, deixando de mencionar o que se pretende fazer depois dessa etapa.

Em razão de sua profunda gravidade, a intervenção federal – que suspende votações de emendas constitucionais no Congresso e retira parcialmente a autoridade de governantes eleitos democraticamente – não pode ser uma medida destinada tão somente a aplacar as aflições da população em relação à sua segurança. É preciso que, a partir dela, se estabeleçam as bases de uma paz duradoura, que não virá senão como resultado de um esforço coletivo para reintegrar ao Estado – e à sociedade – o território dominado pelo tráfico e a população desassistida que ali vive, submetida à vontade dos criminosos. E isso, por óbvio, é mais – muito mais – do que pôr tropas na rua.

Depois de dezenas de operações militares em morros do Rio de Janeiro e em outras partes do País para enfrentar o crime organizado nos últimos anos, já se pode concluir que esse tipo de medida é, como certa vez definiu o comandante do Exército, general Eduardo Villas Bôas, “inócua”.

Candidatos a candidato: Editorial | Folha de S. Paulo

Enquanto direita e esquerda ostentam seus candidatos para 2018, centro sofre com falta de opções

Inconformado com os serviços dos motoristas de táxi em Nova York, o comediante americano Jerry Seinfeld indagou, certa vez, quais seriam as qualificações exigidas oficialmente para o exercício da atividade.

Não seriam, decerto, a perícia e a prudência ao dirigir pelas ruas da cidade; o domínio da língua inglesa tampouco se mostrava necessário. Talvez, brincou Seinfeld, os taxistas só precisem dispor de um rosto —para que possam estampar um retrato no documento.

Não seria muito exagero considerar que o comentário se aplica, no Brasil de hoje, às pré-candidaturas presidenciais no campo liberal-conservador mais ou menos alinhado ao governismo.

Enquanto a direita pode ostentar o nome do deputado Jair Bolsonaro(PSC-RJ), e a esquerda aguarda um desfecho para a postulação de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o terreno intermediário se mostra em estado de aridez.

Esfumado o devaneio televisivo em torno de Luciano Huck, há quem cogite o nome do empresário Flávio Rocha, da Riachuelo, como alternativa ao governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB).

Embora não falte ao tucano um histórico administrativo e político já extenso e coerente, seu crônico deficit de carisma evoca outra criação do mundo humorístico nova-iorquino, desta vez assinada por Woody Allen: a daquele personagem do filme “Desconstruindo Harry” cuja imagem aparecia constantemente desfocada na tela.

A ilusão de uma bonança econômica duradoura: Editorial | O Globo

Indicadores positivos da economia tendem a se multiplicar, mas não se pode esperar que a retomada será consistente, sem a mudança do regime fiscal

A derrota do governo Temer — e do país — em não conseguir viabilizar a minirreforma da Previdência tende a ser contrabalançada por uma safra de indicadores econômicos alvissareiros. Que na verdade já vêm sendo colhidos. À medida que a recuperação esboçada há meses se firma, a retomada fica mais visível nas estatísticas.

Enquanto a aprovação da reforma se tornava inviável, o Índice de Atividade do Banco Central (IBC-Br), referente ao último trimestre do ano passado, era divulgado fechando quatro períodos consecutivos (12 meses) em alta, e com tendência ascendente. Os dados apontam para a possibilidade de o PIB do ano passado, calculado pelo IBGE, vir no início de março apontando para um crescimento acima de 1%. Estará sendo preparado o terreno para uma expansão na faixa de 3% este ano. Sem pressões inflacionárias — inflação esperada, próxima de 4% —, e portanto ainda juros baixos, para a realidade brasileira (6,5%).

Firmam-se, então, em tese, condições clássicas para a recuperação do crescimento em bases benignas. Mas anão realização da reforma previdenciária, mesmo modesta em comparação com o projeto inicial, impede que o crescimento ganhe velocidade de cruzeiro. Porque as expectativas sobre as contas públicas são negativas. Mesmo coma retomada do recolhimento de impostos, impulsionado pela volta da expansão do PIB.

Rolf Kuntz: O bolo cresceu, mas ainda há escassez de fermento

- O Estado de S.Paulo

Há incerteza política, o investimento é baixo e pouco se cuida dos temas estratégicos

O bolo voltou a crescer mais que o número de comensais, em 2017, segundo a Fundação Getúlio Vargas (FGV). Essa é uma das boas novidades – talvez a mais celebrável – trazidas pela nova edição do Monitor do PIB, um acompanhamento mensal das condições macroeconômicas. De acordo com o relatório, o produto interno bruto (PIB) por habitante aumentou 0,27% no ano passado e chegou a R$ 31.358. Foi um avanço muito pequeno, mas importante por ter sido a primeira variação positiva depois de quatro anos de quedas. Calculado a preços de 2017, o PIB per capita chegou ao máximo de R$ 34.471 em 2012 e em seguida caiu até 2016. Apesar do início de recuperação, o valor de 2017 ficou 9,03% abaixo do pico e – pior – ainda foi 5,19% inferior ao nível de 2010. A reação da economia apenas começou e, se as projeções do mercado estiverem certas, deve acelerar-se neste ano e prosseguir pelo menos até 2020, com velocidade em torno de 3%. Mas qualquer estimativa, nesta altura, envolve apostas muito inseguras quanto à evolução das contas públicas, às condições do mercado internacional e ao nível do investimento produtivo, por enquanto muito baixo.

A queda do PIB per capita começou dois anos antes do primeiro ano completo de recessão, 2015. Esse é mais um claro sinal de uma economia já em derrocada no meio do primeiro mandato da presidente Dilma Rousseff. É mais um indicador, também, do longo caminho de recuperação ainda pela frente. Nem mesmo o caminho está bem definido, embora seja fácil, com algum conhecimento da experiência nacional e internacional e uma razoável informação econômica, esboçar as condições mínimas de uma estratégia. Mas o cenário permanece enevoado. Há incertezas derivadas do jogo eleitoral, do custoso presidencialismo de coalizão e da vocação paroquial exibida por boa parte dos congressistas.

Verba de campanha estimula compra e venda de deputados

Partidos tentam atrair nomes para engordar votação e garantir acesso a fundo

Ranier Bragon, Camila Mattoso | Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - Nem reforma da Previdência nem intervenção no Rio de Janeiro. Os corredores, gabinetes e salões do Congresso Nacional abrigaram nos últimos dias um intenso mercado de deputados federais com ofertas bancadas pelos cofres públicos.

“Não tem ideologia, é tudo dinheiro.” “Nunca houve uma negociação tão explícita.” “Tem uma turma aí que joga pesado.” As declarações de parlamentares de três partidos são algumas das várias gravadas pela Folha em conversas, na semana que passou, com 56 deputados de 19 legendas.

A exemplo da janela de transferência de jogadores de futebol, o “passe” na Câmara vem sendo negociado por valores que variam de R$ 1 milhão a R$ 2,5 milhões.

As negociações ocorrem até durante as sessões e viraram tema da reunião de uma das maiores bancadas da Câmara dos Deputados, a do PSDB, com o presidenciável Geraldo Alckmin, governador de São Paulo, na quarta-feira (21).

“‘Passe’, aqui virou jogador de bola, é ‘passe’. Eu falei muito claro o seguinte: ‘Gente, quem quiser sair por causa de dinheiro que saia logo’”, disse Nilson Leitão (MS), líder da bancada.

De 8 de março a 6 de abril será aberto um período em que os parlamentares poderão trocar de partidos sem risco de perder o mandato por infidelidade.

O assédio aos deputados se dá porque o desempenho das legendas na eleição para a Câmara, em outubro, definirá a sobrevivência ou morte delas. As verbas públicas e o tempo de propaganda na TV para legendas são definidos com base no desempenho, nas urnas, de seus candidatos a deputado federal.

Essa será a primeira eleição geral sem a possibilidade de financiamento empresarial. Com isso, as campanhas contarão com dinheiro público —a soma de dois fundos (o partidário e o eleitoral), de R$ 2,6 bilhões—, autofinanciamento, além de doações de pessoas físicas.

Projeta-se que cada voto para deputado valerá para a legenda, só de fundo partidário, R$ 9 ao ano.

Entre os parlamentares que admitem estar ouvindo propostas, todos dizem ainda estar avaliando o cenário.

Deputados debandam do PMDB no Rio

Desgaste ético e disputa por recursos devem levar sigla a perder até seis de seus nove integrantes na Câmara

Igor Mello | O Globo

A saída do ex-prefeito Eduardo Paes, comunicada ao ministro Moreira Franco no fim de semana passado, é a maior, mas não será a única baixa nas fileiras do PMDB fluminense. Desgastado pelas prisões de suas principais lideranças e em meio à disputa por recursos de campanha, o partido deve perder até seis dos nove deputados federais que têm hoje. Os parlamentares usarão a janela partidária de março para mudar de ares sem ter seus mandatos ameaçados por infidelidade partidária.

Diante da crise, um grupo tenta mudar a correlação de forças no partido, hoje dominado pelos clãs Cabral e Picciani, e prega a refundação do diretório do Rio. Na esteira da movimentação de Paes, seu braço-direito, Pedro Paulo, também deixará o PMDB. O destino mais provável da dupla é o PP do vice-governador Francisco Dornelles. Aos dois deve se juntar à deputada Soraya Santos, marinheira de primeira viagem na Câmara.

Neste mês, Celso Pansera anunciou publicamente que irá para o PT. Também já sacramentou a saída do PMDB a deputada Laura Carneiro, que acerta os últimos detalhes de seu retorno ao DEM. Ambos viram sua situação na legenda se tornar insustentável ao votarem a favor da aceitação das denúncias contra o presidente Michel Temer, contrariando a orientação partidária. Em ambas as votações, o PMDB fechou questão pela rejeição das denúncias. Como retaliação, Laura foi retirada da vice-liderança peemedebista na Câmara.

Eleito pelo PR em 2014, Altineu Côrtes ensaia uma volta para o partido, mas também conversa com o Avante. O deputado tem dito a pessoas próximas que a sua segunda passagem pelo PMDB chegou ao fim. Ao longo de sua carreira, ele também passou pelo PT.

O último na lista é Alexandre Serfiotis. Eleito pelo PSD, o parlamentar é um cristão-novo nos quadros do PMDB, tendo se filiado na janela partidária de 2016. Fontes afirmam que ele ainda não tomou a decisão de sair, mas que vem sendo procurado ativamente por outros partidos.

Um dos parlamentares do PMDB, que pediu anonimato, afirma que a disputa interna pelo poder no diretório fluminense — iniciada após a prisão do presidente do partido no Rio, Jorge Picciani — tem agravado o quadro, que já é ruim.

— Deveriam estar tentando salvar a imagem do PMDB, mas na verdade a briga é pelo Fundo Eleitoral. É um processo autofágico — lamenta.

A declaração revela que a debandada do partido não se deve exclusivamente à questão ética após a prisão do comando da sigla no Rio. Em jogo, estão os R$ 888 milhões do Fundo Partidário e o bolo de R$ 1,7 bilhão do Fundo Eleitoral que as siglas irão repartir.

Outro deputado questiona a montagem da nominata para a próxima eleição, que, segundo ele, estaria desprestigiando os deputados federais.

— O problema não é o desgaste, é a desorganização do partido. O governo do estado tem candidatos que são empoderados pela máquina nessa coligação com o PP, que deve sair. É uma coisa violenta e não estou aqui para ser usado — reclama, citando o secretário da Casa Civil, Christino Áureo (PP), e o presidente do Detran-RJ, Vinícius Farah, como beneficiados.

Intervenção no Rio teve resistência de aliados

Reuniões tensas e voos às pressas marcaram decisão; ação foi chamada de ‘jogada de mestre’, mas opôs Temer à cúpula do Congresso

Alberto Bombig, Ricardo Galhardo | O Estado de S. Paulo.

Informações obtidas pelo Estado revelam o protagonismo do chefe da Secretaria-Geral da Presidência, Moreira Franco, a resiliência do governador Pezão e a resistência inicial de Rodrigo Maia e Eunício Oliveira à intervenção no Rio.

Na manhã da Quarta-Feira de Cinzas, quando milhões de brasileiros curtiam a ressaca do carnaval, no Palácio do Planalto começava a tomar forma definitiva o movimento mais arrojado de Michel Temer desde que ele assumiu a Presidência, em maio de 2016. Apesar de ela ser chamada de “jogada de mestre” por assessores fiéis e marqueteiros bem remunerados, a intervenção federal na segurança pública do Rio de Janeiro deixou feridas ainda abertas na relação de Temer com o Congresso Nacional.

No início, a decisão não foi unânime no meio político, pelo contrário. Ela enfrentou resistências dentro e fora de Brasília, vocalizadas pelos presidentes da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e do Senado, Eunício Oliveira (MDB-CE).

Relatos colhidos pelo Estado com fontes que tiveram acesso direto aos fatos ocorridos entre quarta, 14, e sexta-feira, 16, quando a medida foi anunciada, mostram o protagonismo do chefe da Secretaria-Geral da Presidência, Moreira Franco, a resiliência do governador do Rio, Luiz Fernando Pezão (MDB), e a resistência inicial de Maia e de Eunício.

Após reuniões tensas, viagens às pressas e atritos entre os Poderes, os artífices palacianos da controversa medida enterraram, numa tacada, a reforma da Previdência, até então o emblema do atual mandato, e utilizaram pela primeira vez na história um dispositivo constitucional que, na semana passada, colocou um general da ativa no comando da Segurança Pública do Rio.

Às 11h da Quarta-Feira de Cinzas, o presidente reuniu assessores para deliberar sobre a crise dos refugiados venezuelanos em Roraima. Mas, como Temer havia voltado do feriado decidido a criar uma pasta para Segurança Pública, as imagens de arrastões em Ipanema acabaram colocando o tema na pauta.

Participavam da reunião os ministros Eliseu Padilha (Casa Civil), Torquato Jardim (Justiça), Moreira Franco e o general Sérgio Etchegoyen, chefe do Gabinete de Segurança Institucional. Os ministros da Fazenda, Henrique Meirelles, e Planejamento, Dyogo Oliveira, eram acionados quando necessário. A conclusão foi de que eram necessárias medidas mais eficazes do que o simples envio de tropas do Exército ou da Força Nacional para o Rio.

No dia seguinte, Temer despachou Moreira Franco e o ministro da Defesa, Raul Jungmann, para o Rio. Eles se encontraram com Pezão, às voltas com os estragos causados pela chuva naquele dia, e, no fim da tarde, os três embarcaram num avião rumo a Brasília, onde foram direto para o Palácio da Alvorada. Cerca de meia hora depois, por volta das 19h, Temer chegou. Etchegoyen, Oliveira, Meirelles e Torquato se juntaram ao grupo. Vários cenários foram traçados e Pezão concordou com o plano antes mesmo que a decisão fosse tomada.

Porta-voz. Depois de três horas de reunião, por volta da meia-noite, Temer chamou Maia e Eunício ao palácio. Conforme dois relatos de participantes do encontro colhidos pelo Estado, Moreira Franco foi o porta-voz da decisão. O tom professoral do ministro, sociólogo com doutorado na França, contrariou os parlamentares. “Isso é um prato feito”, teria reclamado Maia. O deputado nega ter dito a frase (mais informações nesta página).

Alckmin é pouco confiável, avalia MDB

Planalto interpreta que tucano fez corpo mole no PSDB sobre necessidade de aprovação da reforma da Previdência na Câmara

Alberto Bombig e Ricardo Galhardo | O Estado de S.Paulo

O presidente Michel Temer foi avisado no primeiro momento de que a intervenção federal no Rio sepultaria de vez a reforma da Previdência e, mesmo assim, bancou a medida. Passada uma semana da intervenção, o Planalto avalia que a decisão ajudou o governo a enterrar o risco de derrota na votação sem que fosse preciso enfrentar o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ). A avaliação é que a medida também colocou Temer na agenda positiva da segurança pública e, embora o presidente insista em dizer que não é candidato, mantém aberta a ele uma porta para mudar de ideia e lhe dá força para chancelar um candidato que não seja o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), hoje considerado pouco confiável pelo MDB.

A interpretação do Planalto é de que Alckmin fez corpo mole no PSDB sobre a necessidade de aprovação de uma reforma da Previdência e neste momento está de olho em possíveis votos de centro-esquerda, especialmente depois de o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva ter sido condenado em segunda instância.

Para o Planalto, se a intervenção der certo, ela pode ser usada para turbinar um candidato do governo – até mesmo o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles. Dificilmente, avaliam, ajudaria o presidente da Câmara, hoje mais distante de Temer do que nunca.

Bolsonaro. Além disso, para o Planalto, o uso de militares no combate à criminalidade deixa Temer ou um candidato apoiado por ele em condições de receber parte dos votos do deputado Jair Bolsonaro (PSC-RJ), que, na avaliação do governo, deve desidratar com o início formal da campanha. Também diminui a dependência em relação a partidos aliados que eram fundamentais para a aprovação da reforma da Previdência.

Dois sinais dessa independência são a desistência do PTB de indicar Cristiane Brasil para o Ministério do Trabalho e a demissão de Luislinda Valois, ligada ao PSDB, do Ministério dos Direitos Humanos. A nova régua será usada na reforma ministerial prevista para abril.

Ceará. A Segurança Pública está no radar de Temer desde a crise nos presídios do Rio Grande do Norte, no fim de 2017, mas ganhou força quando o governo identificou uma tentativa do governador do Ceará, Camilo Santana (PT), de jogar no colo da União o ônus pela guerra de quadrilhas que resultou na chacina de 14 pessoas durante uma festa de casamento em Fortaleza, no dia 27 de janeiro.

A rusga entre Camilo e o Planalto acabou mediada pelo presidente do Senado, Eunício Oliveira (CE), que o colocou em contato direto com Temer.

Numa das reuniões com Temer, Eunício argumentou que, caso a ação no Rio dê certo, o governo não teria recursos suficientes para atender outros Estados que sofrem com a violência, entre eles sua base eleitoral, o Ceará. Temer, de maneira direta, teria respondido que “a intervenção é no Rio de Janeiro”.

No fim de todo o processo, um fato corriqueiro quase impede Eunício de participar da cerimônia de lançamento. Durante toda a manhã o Planalto tentou, sem sucesso, entrar em contato com o parlamentar para avisá-lo do evento. O presidente do Senado não atendia às ligações e o silêncio foi interpretado como sinal de contrariedade. Na verdade, Eunício estava no escritório da residência oficial da presidência do Senado, com o celular desligado, e como era feriado, não havia funcionário para repassar as ligações

Paulo Mendes Campos: Sentimento do tempo

Os sapatos envelheceram depois de usados
Mas fui por mim mesmo aos mesmos descampados
E as borboletas pousavam nos dedos de meus pés.
As coisas estavam mortas, muito mortas,
Mas a vida tem outras portas, muitas portas.
Na terra, três ossos repousavam
Mas há imagens que não podia explicar: me ultrapassavam.
As lágrimas correndo podiam incomodar
Mas ninguém sabe dizer por que deve passar
Como um afogado entre as correntes do mar.
Ninguém sabe dizer por que o eco embrulha a voz
Quando somos crianças e ele corre atrás de nós.
Fizeram muitas vezes minha fotografia
Mas meus pais não souberam impedir
Que o sorriso se mudasse em zombaria
Sempre foi assim: vejo um quarto escuro
Onde só existe a cal de um muro.
Costumo ver nos guindastes do porto
O esqueleto funesto de outro mundo morto
Mas não sei ver coisas mais simples como a água.
Fugi e encontrei a cruz do assassinado
Mas quando voltei, como se não houvesse voltado,
Comecei a ler um livro e nunca mais tive descanso.
Meus pássaros caíam sem sentidos.
No olhar do gato passavam muitas horas
Mas não entendia o tempo àquele tempo como agora.
Não sabia que o tempo cava na face
Um caminho escuro, onde a formiga passe
Lutando com a folha.
O tempo é meu disfarce