sábado, 17 de março de 2018

Opinião do dia: Editorial | Folha de S. Paulo

Seja como for, não está previsto nas atribuições de um ministro do STF o poder de modificar conforme sua opinião pessoal os atos do chefe de governo. O critério da sintonia com a vontade popular não é da competência de nenhum magistrado no Estado de Direito; é puramente político.

Barroso tem se notabilizado, contudo, por esse tipo de aceno à plateia. Obtém destaque e simpatias tanto por sua oposição ao governo Temer quanto pelo contraste que, no outro polo da mesma presença midiática, é oferecido pelas constantes e incontidas declarações do ministro Gilmar Mendes contra o Ministério Público.

Certamente, não é o caso de propor o impeachment de Barroso, como sugere outro personagem desconhecedor dos próprios limites —o ministro da Secretaria de Governo, Carlos Marun.

Ao menos, este não se importa com a popularidade, nem poderia. O lamentável é que um membro do STF queira agir como presidente, legislador ou candidato.

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Folha de S. Paulo, Editorial: “Fora dos limites”, 17/3/2018

Cristovam Buarque: Prisioneiros do presente

- O Globo

Aumento da renda depende da educação de alto nível

A Rede Globo vem promovendo uma campanha em que apresenta depoimentos de brasileiros sobre a questão: “o Brasil que eu quero”. Todos manifestam o desejo de honestidade, saúde, educação, preservação do meio ambiente. Os institutos de pesquisas dizem que o eleitor busca um presidente capaz de vencer a corrupção, a violência, as desigualdades. Mas ninguém indica qual o caminho para fazer o nosso país ser “como queremos” nem como deve ser o seu futuro, no longo prazo, depois que os problemas atuais forem resolvidos.

Nem os eleitores nem os 15 pré-candidatos a presidente apresentam propostas de “como fazer!” para realizar os desejos dos brasileiros, tampouco para onde conduzir o país nas próximas décadas, ao longo do Terceiro Centenário de nossa independência. Há um excesso de desejos e de candidatos, mas uma escassez de ideias-força e de propostas para adquirir coesão e construir rumo.

A população brasileira quer justiça social, mas, apesar do trágico exemplo venezuelano, ainda não percebe que esta não se constrói sobre uma economia ineficiente. Também não se dá conta de que os recursos, fiscais e naturais, são limitados. Ao não perceber isso, o Brasil não entende que a realização dos sonhos no futuro vai exigir sacrifícios no presente: limitar os gastos com recursos públicos conforme a arrecadação; controlar o crescimento da produção para não ferir o equilíbrio ecológico; e evitar intervenções estatais que desorganizem o funcionamento da economia.

Merval Pereira: Última tentativa

- O Globo

A próxima semana será decisiva na disputa que se trava nos bastidores do Supremo Tribunal Federal (STF) em torno da prisão após condenação em segunda instância, com o objetivo precípuo, porém dissimulado, de evitar a prisão do ex-presidente Lula.

O julgamento dos embargos declaratórios da defesa de Lula no TRF-4 deve ser realizado na segunda-feira, dia 26, mas a confirmação só será feita no final da próxima semana, pelo sistema eletrônico do Tribunal. Os defensores no Supremo da mudança da jurisprudência a tempo de livrar o ex-presidente da cadeia manobram para, na sessão da quarta-feira, reabrir a questão, mas apenas um dos ministros, Marco Aurélio Mello, poderá fazê-lo. Seria a última chance para mudarem a jurisprudência antes do julgamento do dia 26 do TRF-4.

Ele é o relator de duas Ações Declaratórias de Constitucionalidade (ADC) cujas liminares foram julgadas no final de 2016, e estão pendentes de julgamento de mérito pelo pleno do STF. Marco Aurélio já afirmou que não pressionaria a presidente Cármen Lúcia para colocar o tema em pauta, mas, não por coincidência, surgiu um fato novo que pode facilitar a reabertura do caso.

Embora tenham sido julgadas em outubro de 2016, o acórdão sobre as liminares das ADCs somente foi publicado na semana passada, o que deu margem a que fossem apresentados embargos declaratórios com efeitos infringentes pelo Instituto Ibero Americano de Direito Público, um dos autores de uma das ações.

João Domingos: Oportunismo político

- O Estado de S.Paulo

Não dá para querer comparar o assassinato de Marielle Franco com a pena imposta a Lula

A resolução da Executiva Nacional do PT que compara o assassinato da vereadora Marielle Franco (PSOL) ao processo penal que resultou na condenação de Lula a 12 anos e 1 mês de prisão é de um oportunismo político sem tamanho. De acordo com a resolução petista, tanto a execução de Marielle quanto a condenação de Lula são consequências de uma escalada de autoritarismo no País.

Nesse clima, afirma o PT no documento da direção nacional, “os movimentos sociais são reprimidos, professores são espancados, a universidade é atacada, artistas são censurados, setores politizados do Judiciário atuam casuisticamente e o governo golpista apela, de forma demagógica e irresponsável, para a militarização de esferas de competência do poder civil”.

Tudo o que está escrito entre aspas no parágrafo acima faz parte de uma argumentação política a partir de uma visão ideológica das coisas. Portanto, o PT tem todo o direito de dizer isso. Pode chamar Michel Temer de traidor, golpista e outras coisas, mesmo que o hoje presidente tenha sido fundamental para a vitória de Dilma Rousseff em 2010 e 2014. O PT pode até fazer discursos para lembrar que Geddel Vieira Lima está na cadeia. E ao mesmo tempo omitir que Geddel, ao qual se atribui a posse de R$ 51 milhões em dinheiro, encontrados em um apartamento, em Salvador, foi ministro da Integração Nacional de Lula. É tudo parte da disputa política.

Comparar o assassinato da vereadora Marielle ao processo penal que condenou Lula por lavagem de dinheiro e corrupção passiva, no entanto, supera a argumentação lógica da política. A morte da vereadora, uma militante dos direitos humanos, negros, homossexuais, lésbicas e outras minorias que vivem o processo de discriminação, é um ato de violência extrema, inaceitável numa sociedade democrática. Mas, infelizmente, um pedaço da tragédia brasileira, em que mulheres negras, como Marielle, são as que mais morrem no País. E morrem meninas, jovens e adultas, anônimas, estatísticas apenas.

Hélio Schwartsman: Democracia ameaçada?

- Folha de S. Paulo

Nosso sistema político aprendeu a conviver com a violência, inclusive a violência política

O brutal assassinato da vereadora Marielle Franco (PSOL-RJ) coloca em risco a democracia brasileira?

Sim, a democracia é, com o perdão da metáfora brega e surrada, uma flor frágil e bela que tem de ser cultivada sempre. Mas, convenha-se, isso não passa de um truísmo. Nada no mundo, muito menos um regime político, pode ser dado como garantido. Tudo o que interessa manter exige ações com vistas à sua preservação.

A pergunta a fazer, então, é se o homicídio de Marielle representa uma ameaça premente à democracia, isto é, num sentido que vá além da preocupação geral que devemos ter em relação a todas as instituições que desejamos conservar. E aqui eu penso que a resposta é negativa.

O assassinato é, obviamente, escandaloso e revelador do estado falimentar a que chegou a segurança pública no país, em particular no Rio de Janeiro. O fato de que pode haver policiais envolvidos na morte só piora as coisas. Não creio, contudo, que estejamos hoje mais próximos de uma situação de ruptura institucional do que estávamos há dois dias, há dois anos, ou mesmo em 1988, quando assistimos ao assassinato de Chico Mendes.

A triste verdade é que nossa democracia aprendeu a conviver com a violência, inclusive a violência política, em que poderosos recorrem à eliminação física de lideranças que desafiem seus interesses.

Fernando Gabeira: O Rio dilacerado

- O Globo

Acabou o tempo de espanto e espera. Como diz o poeta, o drama se precipita sem máscara

Apesar de tão distante do Rio, não posso deixar um minuto de pensar na tragédia que abalou o país: o covarde assassinato da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes. Ainda com informações precárias, considero a hipótese de execução a mais viável.

A relação entre número de projéteis disparados — nove segundo ouvi — e que encontraram o alvo revela que havia profissionais na realização do crime. Três tiros na cabeça, num carro com proteção visual aos ocupantes, indica que o atirador era experimentado.

Num caso desses, é uma questão de honra nacional descobrir os assassinos. E costuma ser uma longa batalha, começando pelo carro dos criminosos, possivelmente roubado, o Cobalt prata.

Li que Marielle Franco denunciava violência policial em Acari. É uma das hipóteses de investigação. Acari tem uma tradição de violência policial. Em 1990, houve a chacina de Acari, que levou sete jovens. As mães fizeram um movimento de denúncia. Uma delas também foi assassinada.

A 15 minutos de distância está Vigário Geral, onde também houve uma chacina. Estive lá no primeiro momento e falava-se muito na culpa de um grupo de PMs intitulado Cavalos Corredores.

Tudo isso parece sepultado no século XX. Mas a violência nunca desapareceu de fato e, agora, com a ruína do governo, o processo de decomposição dos órgãos policiais é ainda maior.

Outra hipótese são as milícias. Uma delas foi desbaratada na véspera do assassinato de Marielle. As milícias, também, com o processo de decadência do governo, ampliaram-se e, hoje, segundo ouvi, já ocupam 164 comunidades e mandam no cotidiano de dois milhões de pessoas.

Se conduzida com seriedade, a intervenção federal terá de encarar esses problemas.

A derrocada da polícia do Rio foi precipitada pela corrupção dos governantes. Vi, de relance, algumas pessoas na rua, pedindo o fim da PM. Mas, o que colocar no lugar? Talvez não seja nem a pergunta mais difícil. A mais difícil é essa: como trocar os pneus com o carro em movimento?

Todos nós queremos ter certeza de que não só o Rio vai emergir desta tragédia, mas que o próprio país, sobretudo o Nordeste, também vai encontrar uma saída para deter o avanço do crime organizado.

No entanto, a lacuna política é evidente. O Exército pode intervir na segurança pública do Rio. Isso aumenta a confiança, porque a polícia está em crise. Mas todos sabem que o problema é mais complexo.

O momento é de expressar minha solidariedade à família de Marielle, de Anderson, aos quadros e simpatizantes do PSOL. Divergências à parte, fomos todos atingidos.

O assassínio da vereadora: Editorial | O Estado de S. Paulo

O assassínio da vereadora Marielle Franco (PSOL) no Rio de Janeiro demanda rápida reação das autoridades a cargo da segurança pública daquela cidade, ora sob intervenção federal. É preciso celeridade para encontrar e punir os responsáveis por esse crime que chocou o País. Até lá, contudo, também é preciso que haja, em igual medida, serenidade. Em nada contribui para a solução do caso e muito menos para a pacificação do Rio de Janeiro a utilização do assassinato de Marielle para objetivos políticos.

Até que o inquérito seja concluído, qualquer sugestão de que o crime tenha caráter político – isto é, que a vereadora tenha sido assassinada em razão de seu trabalho na Câmara do Rio de Janeiro em defesa dos direitos de moradores de favelas e comunidades carentes – é precipitada e se presta a ornar discursos com finalidades oportunistas.

Não à toa, o PT tratou logo de explorar o caso. Em resolução aprovada a toque de caixa, o partido fez a proeza de vincular o caso de Marielle ao de Lula da Silva, um corrupto condenado. Segundo o texto, “o cerco ao companheiro Lula ocorre em meio a uma escalada de autoritarismo no país”, na qual se insere, diz o partido, a intervenção federal no Rio, chamada na resolução de “militarização de esferas de competência do poder civil”. Daí que “a mais recente e trágica consequência dessa escalada foi o assassinato da companheira Marielle Franco”.

A presidente cassada Dilma Rousseff também deu sua contribuição para essa versão, ao dizer que o assassínio da vereadora “faz parte” do “golpe”, que é como os petistas qualificam o impeachment constitucional que apeou a indigitada senhora da Presidência. “E por que eu digo que faz parte? Porque o golpe não é um ato, o golpe é um processo”, explicou Dilma, para em seguida dizer que a intervenção no Rio “faz parte do crescente do golpe”, que “começa a matar e a reprimir”. Com igual irresponsabilidade, a deputada Erika Kokay (PT-DF) subiu à tribuna da Câmara para dizer que Marielle foi assassinada por “uma bala azeitada pelo golpe que este parlamento deu à democracia deste país”.

Sectarizar morte de Marielle é um desserviço: Editorial | O Globo

Fazer campanha eleitoral e qualquer tipo de proselitismo desrespeitará a vítima e causará desunião, quando é preciso unidade no combate ao crime

A inqualificável execução da vereadora Marielle Franco e de seu motorista, Anderson Pedro Gomes, na noite de quarta-feira, no Rio, deflagrou uma reação do poder público à altura da provocação feita ao Estado pela criminalidade. Também gerou uma comoção na cidade, em todo o país e em algumas capitais no mundo, proporcional ao simbolismo da tragédia.

O acionamento da Polícia Federal, a mobilização da inteligência das Forças Armadas — que já atuam no Rio de Janeiro na intervenção federal —, integradas à investigação da Polícia Civil fluminense, assim como o empenho pessoal da procuradora-geral da República, Raquel Dodge, indicam o correto entendimento de que se trata de um ataque às instituições. A mesma postura acertada tiveram o Congresso e o STF.

Fica em segundo plano o fato de Marielle ter sido vereadora do PSOL. Os atingidos foram todos que têm representação política obtida pelo voto, todos os eleitores, o próprio estado democrático de direito.

Também precisa ser relativizada a questão de a vereadora representar o trinômio “preta, mulher, favelada”, tão usado em proselitismos. Importa é que bandidos, com esse assassinato, buscam sinalizar que o poder é deles. Fosse Marielle “branca e rica”, a execução precisaria provocar a mesma reação do Estado e na sociedade. A morte de Marielle não pode ser apropriada por interesses partidários ou sectários. À esquerda e à direita. Será impedir que o crime possa mesmo ser um divisor de águas no confronto que Estado e sociedade travam contra o banditismo, a corrupção, contra todas as formas de delitos que solapam a cidadania e os direitos humanos em sentido amplo.

Fora dos limites: Editorial | Folha de S. Paulo

Ministro Barroso extrapola suas funções ao modificar indulto natalino concedido por Temer

No conteúdo, pode-se até concordar em boa parte com os argumentos do ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal, em sua decisão de vetar pontos do indulto natalino concedido pelo presidente da República.

Com efeito, como já se apontou aqui, foi exagerada e inédita a indulgência com que Michel Temer (MDB) exerceu sua prerrogativa de extinguir ou comutar a punição de condenados pela Justiça.

Para se ter uma ideia, entre 2001 e 2006 o indulto era concedido a quem tivesse sido sentenciado a seis anos de prisão, no máximo, havendo cumprido um terço da pena.

O mais recente decreto presidencial aboliu qualquer prazo, podendo beneficiar aqueles que sofreram punições muito mais graves, exigindo o cumprimento de apenas um quinto delas.

Ainda que não contemple os condenados pelos chamados crimes hediondos, o benefício concedido por Temer se caracteriza, no mínimo, pelo alcance desmedido e pela inoportunidade política.

É forte, na sociedade brasileira, a indignação com os delitos de poderosos e os desvios de verbas públicas. Tendo muitas explicações a dar no que tange ao próprio comportamento e dos seus auxiliares, o presidente colocou sob suspeita os motivos, em tese humanitários, do indulto que concedeu.

Atendendo aos reclamos da Procuradoria-Geral da República, o ministro Barroso reforçou a nota crítica, argumentando que falta “legitimidade democrática” à medida, que estaria contrariando o sentimento geral da população.

Ricardo Noblat: Só descobrimos Marielle depois de sua morte

- Blog do Noblat

Jornalismo desatento e preguiçoso

Está na hora de nós, jornalistas, revermos nossos métodos de trabalho. Se a vereadora Marielle Franco (PSOL) foi tudo isso que dizemos dela, estávamos obrigados a destacar melhor suas atividades. E a abrir espaço para que expusesse suas ideias. Só depois de morta a descobrimos.

Também fomos incapazes de ver com antecedência o severo estrago que o ex-governador Sérgio Cabral e sua gangue causavam ao Rio de Janeiro quando ainda estavam no poder e eram louvados.

Ao mesmo tempo em que se tornou mais livre, o jornalismo entre nós também se tornou mais preguiçoso, refém de notícias que nos chegam prontas, do disse me disse das fontes oficiais, da consulta ao Google que não passa de um depósito de coisas velhas.

À demanda por mais informações, e informações qualificadas, respondeu-se com a compactação das redações. Hoje, elas são menores, mais jovens, inexperientes, sobrecarregadas e mal pagas. Como exigir que produzam um bom jornalismo?

De resto, o que mais contribui para a degradação do ofício é a cultura da informação gratuita introduzida pela internet. Informação de qualidade custa caro, cada vez mais caro. Somente um público reduzido entende isso e está disposto a pagar por isso. Quem perde mais? Ora, todos perdem.

Jornalismo é algo sério demais para ser feito apenas pelos jornalistas.

Luiz Carlos Azedo: Execução foi recado

- Correio Braziliense

No Rio de Janeiro, as agências de coerção do Estado foram capturadas pelo crime organizado a partir do seu vértice, num pacto corrupto entre os donos do poder e o crime organizado

O assassinato da vereadora Marielle Franco (PSol) na noite de quarta-feira, crime que comoveu o país e mobilizou milhares de pessoas no Rio de Janeiro e outras cidades do país, entre as quais Brasília, desafia a intervenção federal no Rio de Janeiro. Não fosse o mandato popular e sua importância na luta contra a violência e em defesa dos direitos humanos, teria a mesma importância dada a outros assassinatos, assim como o de seu motorista Anderson Gomes, também executado. Ou seja, seria apenas um número a mais nas estatísticas de assassinatos não esclarecidos no Rio de Janeiro, estado no qual apenas 11% dos suspeitos de homicídio são denunciados à Justiça.

Marielle e Anderson foram mortos dentro de um carro na Rua Joaquim Palhares, por volta das 21h30 de quarta-feira. Segundo a polícia, bandidos emparelharam ao lado do veículo onde estava a vereadora e dispararam. Marielle foi atingida por quatro tiros na cabeça. A perícia encontrou nove cápsulas de balas no local. Não foi latrocínio, foi execução: os criminosos fugiram sem levar nada. O carro onde estava teria sido perseguido por cerca de quatro quilômetros.

“É triste, muito triste, mas essa condição da morte da Marielle não é uma novidade. Basta ver o que aconteceu com a juíza Patrícia Acióli, assassinada em Niterói por combater PMs corruptos. No Brasil é assim: qualquer um que lute contra a corrupção e defenda os direitos humanos está em risco. E as forças de segurança, é claro, não fazem nada”, disse o deputado federal Chico Alencar (PSol-RJ) no velório da vereadora.

As autoridades evitam declarações sobre as razões do crime, mas o assassinato abriu uma disputa política pela agenda da violência, que vinha sendo um monopólio do governo federal desde a decretação da intervenção. Marielle era contra a medida. O ministro da Segurança Pública, Raul Jungmann, assumiu a responsabilidade de acompanhar pessoalmente as investigações.

Banda podre
A investigação está a cargo da Delegacia de Homicídios da Polícia Civil. Não será surpresa se surgir uma versão de que a vereadora foi executada por traficantes. Nos bastidores da intervenção federal, porém, já havia a preocupação com uma possível retaliação da chamada “banda podre” das polícias Civil e Militar. O caso da juíza Patrícia Acióli citado pelo deputado Chico Alencar é exemplar. O assassinato da vereadora, porém, tem todas as características de retaliação política não somente às atividades desenvolvidas por ela contra as milícias e a violência policial. Os mandantes do crime têm plena consciência de que haveria repercussão política nacional e internacional, com poder de desmoralizar o interventor federal, general Braga Neto, e o recém-nomeado Jungmann.

Os dois estão na berlinda, depois de um mês de intervenção federal, com assassinatos diários de inocentes em assaltos, confrontos entre traficantes ou destes com a polícia. As operações diárias do Exército na Vila Kennedy, por exemplo, para retirada de obstáculos instalados nas ruas, e que são recolocados durante a noite, já estavam começando a ser ridicularizadas. Foram compensadas pela prisão de um delegado corrupto e a vistoria do Exército num quartel da Polícia Militar. As autoridades federais estão desafiadas a identificar os criminosos e puni-los exemplarmente.

Numa entrevista, o traficante Antônio Bonfim Neto, de 41 anos, o Nem da Rocinha, que está preso na penitenciária federal de Porto Velho, em Rondônia, ao jornal espanhol El Pais, pôs o dedo na ferida ao apontar associação entre o tráfico de drogas e a banda podre da polícia fluminense. Há um “cluster” de negócios nas favelas do Rio de Janeiro, do qual fazem parte as bocas de fumo, os gatos elétricos, as TVs piratas, a distribuição de gás e o achaque aos comerciantes e empreendedores a título de proteção. No Rio de Janeiro, as agências de coerção do Estado foram capturadas pelo crime organizado a partir do seu vértice, num pacto corrupto e perverso entre os donos do poder e o crime organizado. Será duro desalojá-los.

Adriana Fernandes; Sucessões

- O Estado de S.Paulo

Henrique Meirelles se equilibra entre dois figurinos aparentemente incompatíveis

O cenário mais provável hoje é de que o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, deixe o cargo para buscar sua candidatura à Presidência da República em outubro. O seu pé nesse momento está mais fora do que dentro do governo.

Sem o apoio garantido do MDB, Meirelles analisa convites que já recebeu de partidos menores para se filiar. As articulações no momento caminham nessa direção. O ministro não pretende deixar para o último minuto para anunciar a decisão de ficar ou sair . Fará isso dias antes do prazo final que a Justiça Eleitoral exige para os candidatos se desincompatibilizarem dos seus cargos (7 de abril).

Fora do governo, Meirelles terá mais liberdade para começar a campanha e viajar pelo País para lançar seu nome até agosto, quando as chapas terão de estar oficialmente formadas. Por enquanto, se equilibra entre dois figurinos aparentemente incompatíveis, o de pré-candidato declarado e o de comandante da política econômica – vide o ruído gerado com as declarações sobre estudos para reduzir preços dos combustíveis.

A aposta é que, no momento em que a campanha presidencial afunilar, muitos candidatos vão desistir. Será a hora de consolidar a sua candidatura. Se o “candidato” Michel Temer desistir de se lançar à reeleição, a percepção é de que terá apoio do presidente.

Hoje, Meirelles não tem aval do Palácio do Planalto e de caciques regionais do MDB, que fazem jogo de cena em torno da sua filiação no partido. Diga-se, um partido com histórico de grande complexidade e divisão nas eleições para a Presidência por conta das articulações políticas regionais. Em muitos Estados, é mais fácil encontrar emedebista ao lado do PT do que dos partidos aliados do governo.

Claudia Safatle: O pesado custo da concentração bancária

- Valor Econômico

Inflação baixa permite tratar das "jabuticabas"

O Banco Central e o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) enviaram ao Senado um projeto de lei substitutivo à proposta original (PLS 350) que sela o acordo de gestão compartilhada nos casos de fusões ou aquisições no sistema financeiro. A aprovação desse projeto, quando ocorrer, encerrará vários anos de disputa entre as duas autarquias sobre de quem é a palavra final nos atos de concentração no setor financeiro.

O trabalho compartilhado entre o BC e o Cade pode ser o início de uma atuação para que, em algum momento no futuro, os órgãos reguladores possam começar a estabelecer um ambiente de maior competição no setor.

Hoje, quatro bancos praticamente dominam o mercado de crédito no país, dois privados (Itaú e Bradesco) e dois estatais (Banco do Brasil e Caixa). A ausência de concorrência pode não ser a única explicação para as elevadas taxas de juros cobradas do tomador final. Mas é, certamente, uma das relevantes.

A Selic caiu para menos da metade entre setembro de 2016 (mês anterior ao do início do ciclo de queda) e hoje. Era de 14,25% ao ano e está atualmente em 6,75% ao ano, devendo ter mais uma queda de 25 pontos na reunião do Copom, na semana que vem.

No mesmo período, o juro do cheque especial da pessoa jurídica passou de 337,6% para 330,19% e o da pessoa física praticamente se manteve: era de 324,90 % ao ano em 2016 e de 324,70% ao ano em janeiro, segundo dados do BC.

José Márcio Camargo: Desemprego, inflação e reformas

- O Estado de S.Paulo

Se nossas estimativas estão corretas, há ainda algum espaço para a queda dos juros

Pela primeira vez na história recente, o Brasil terá, pelo segundo ano consecutivo, taxas de inflação e juros reais compatíveis com os padrões internacionais (entre 2% e 4% ao ano), sem usar de artificialismos, como controles de preços e da taxa de câmbio. Isto apesar de ter um déficit fiscal e uma relação dívida/PIB bastante elevados.

A queda da taxa de inflação é generalizada, mas particularmente importante na inflação de serviços. No curto prazo, a taxa de inflação de serviços é determinada por duas relações: a relação entre taxa de juros real e desemprego e entre desemprego e inflação de serviços. Quanto maior a taxa de juros real, mais caro o acesso ao crédito, menor a demanda por bens e serviços, menor a produção e maior a taxa de desemprego. Por outro lado, quanto maior a taxa de desemprego, menos renda é gerada na economia, menos demanda por bens e serviços, menor a capacidade das empresas de aumentar seus preços e menor a taxa de inflação.

Devido à maior credibilidade do Banco Central do Brasil (BCB) e às reformas implementadas, desde meados de 2016 a relação entre desemprego e inflação de serviços está se deslocando sistematicamente para a esquerda. Nossas estimativas sugerem que a maior credibilidade do BCB reduziu em 3 pontos de porcentagem a taxa de desemprego necessária para chegar à mesma taxa de inflação.

A liberalização da terceirização permite que as empresas concentrem sua produção em atividades nas quais são mais produtivas, contratando outras empresas para desenvolver as atividades em que são menos produtivas. Isto reduz os custos de produção, em geral, e os custos do trabalho, em particular.

Demétrio Magnoli: A OMC na Rodada Trump

- Folha de S. Paulo

Trump utiliza os instrumentos do protecionismo para avançar a estratégia nacionalista de 'America First'

Temer explicou a reação brasileira às tarifas impostas pelos EUA sobre as importações de aço. O plano A é negociar isenções com Washington. Na hipótese de fracasso, o plano B é recorrer ao tribunal da Organização Mundial de Comércio (OMC). A armadilha montada por Trump funciona: cada um desses passos, que serão adotados por diversos outros países, contribui involuntariamente para demolir o sistema multilateral de comércio.

As tarifas não são, em si mesmas, um fator relevante para a economia global. George W. Bush já havia ensaiado proteger a siderurgia americana, mas sob justificativas diferentes, subordinadas às regras normais de arbitragem da OMC. A novidade é que Trump utiliza os instrumentos do protecionismo para avançar a estratégia nacionalista de “America First”: resgatar empregos nos EUA é apenas o pretexto para uma operação de sabotagem das regras do jogo.

O primeiro elemento da armadilha encontra-se na justificativa legal das tarifas. Cinicamente, Washington invoca razões supremas de segurança nacional. A falsidade pode ser demonstrada tanto pela incongruência entre taxas alfandegárias lineares e o consumo efetivo de aços especiais em demandas do Pentágono quanto pelo fato de que os maiores exportadores de aço para os EUA são, precisamente, aliados americanos (Canadá, União Europeia, Coreia do Sul, México, Brasil, Japão e Taiwan). Mas a invocação praticamente anula a possibilidade de arbitragem na OMC, pois transfere o tema para o campo geopolítico da soberania nacional.

Fachin nega revisão de habeas corpus de Lula

Defesa do ex-presidente queria que ministro concedesse habeas corpus para evitar a prisão do petista após a análise de recursos no TRF-4

Amanda Pupo / O Estado de S. Paulo.

BRASÍLIA - O ministro Edson Fachin, do STF, negou novos pedidos da defesa do ex-presidente Lula para que reconsiderasse a decisão que negou habeas corpus para que o petista não seja preso após julgamento dos recursos pelo Tribunal Federal da 4.ª Região. Fachin diz que não há motivos para conceder a decisão liminar. O expresidente foi condenado a 12 anos e 1 mês de prisão no caso do triplex do Guarujá.

O ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), negou os novos pedidos da defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva feitos na quarta-feira. A defesa do ex-presidente queria que, em primeiro lugar, Fachin reconsiderasse a decisão que negou o pedido de habeas corpus para que Lula não seja preso após conclusão do julgamento de recursos pelo Tribunal Regional Federal da 4.ª Região (TRF-4). O ex-presidente foi condenado a 12 anos e 1 mês de prisão em janeiro pelo tribunal.

De acordo com o ministro da Corte, não há motivos para conceder a decisão liminar, já que não houve revisão da “orientação da jurisprudência firmada pelo plenário do Supremo Tribunal Federal quanto ao tema da execução criminal após a sentença condenatória”.

Fachin também rejeitou o pedido para que ele colocasse o habeas corpus em mesa, o que faria o plenário analisar o caso sem necessidade da presidente da Corte, ministra Cármen Lúcia, pautar. Na decisão, o ministro afirma que não seria adequado fazer esse movimento porque pendem de julgamento as ações que discutem a prisão após condenação em segunda instância judicial.

“Não cabe a apresentação em mesa deste habeas corpus, mormente pelo anterior reconhecimento da pendência e precedência das mencionadas ações objetivas”, alegou o ministro, reafirmando sua posição de que o habeas corpus de Lula está atrelado ao mérito das ações gerais sobre o tema.

Petista diz que será ‘o 1º preso político do século 21’

Ricardo Galhardo | O Estado de S. Paulo.

O lançamento do livro A Verdade Vencerá – O povo sabe por que me condenam, assinado pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, se transformou em um ato de solidariedade e contra a prisão do petista, ontem à noite. Diante de um auditório lotado no Sindicato dos Químicos de São Paulo, Lula reiterou sua inocência e disse que vai continuar ativo seja qual for o seu futuro. “Aconteça o que acontecer vocês têm que saber que estou na luta”, disse Lula. “Se cometerem a barbaridade de mandarem me prender, eles estarão me transformando no primeiro preso político do século 21.”

Antes do início do evento, apoiadores do ex-presidente distribuíram adesivos e panfletos com o título “Não à prisão de Lula”. A frase foi contestada por alguns participantes, que consideraram a palavra “prisão” equivocada. Vários oradores também falaram sobre a possibilidade de Lula ir para a cadeia em declarações de solidariedade ao petista.

Lula disse ter telefonado para o ex-ministro da Fazenda Antonio Delfim Netto, alvo da Operação Buona Fortuna, 49ª fase da Lava Jato, suspeito de receber R$ 15 milhões desviados da obra da usina de Belo Monte. Ele nega.

“Peguei o telefone e liguei em solidariedade ao Delfim Netto, porque não posso aceitar que um homem de 89 anos de idade seja chamado de corrupto porque fez uma consultoria”, disse Lula.

O ex-presidente autografou 100 exemplares do livro, composto de três entrevistas nas quais Lula diz, entre outras coisas, que está pronto para ser preso.

Ruy Fabiano: A institucionalização do crime

- Blog do Noblat

Lula, PT e aliados, flagrados na prática de delitos, acusam e difamam juízes

Há uma conexão mais que simbólica entre o assassinato da vereadora Marielle Franco (Psol), esta semana, no Rio, e o assédio implacável (e imoral) do PT ao Supremo Tribunal Federal, para garantir a impunidade de Lula. O elo é a institucionalização do crime.

Mais que organizado, está institucionalizado. Capturou o Estado brasileiro – e o Rio não é fato isolado, senão regra geral.

Esse é o fenômeno que marca – e desfigura – a política brasileira dos últimos anos, sobretudo após a Era PT (embora a preceda). A legislação penal foi sendo, ao longo das duas últimas décadas, gradual e continuamente abrandada, a ponto de se tornar uma garantia para o infrator – e um obstáculo a quem o combate.

E é essa retaguarda jurídica às avessas que dificulta (ou mesmo impede) a ação repressora à criminalidade.

O crime está no comando e age com desenvoltura – tanto em sua versão selvagem, que vitimou Marielle e seu motorista, como em sua versão engravatada, exposta pela Lava Jato.

Lula, PT e aliados, flagrados na prática de delitos, acusam e difamam juízes (os poucos que ousam enfrentá-los), desafiam a lei, ameaçam a ordem pública com suas milícias (o “exército do Stédile”), na certeza de que não serão molestados.

E não são: parte da Justiça se intimida e outra (mais restrita, mas mais influente) se alia à causa.

Até a ONU está sendo envolvida na manobra. Quarta-feira passada, 20 ONGs, brasileiras e estrangeiras, falando em nome do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas, alertaram para o “risco” da exclusão de Lula das próximas eleições. Risco para quem? Para os juízes que cumpriram a lei? Não ficou claro.

O crime contra uma voz

Marielle Franco é a primeira vítima política da barbárie do Rio. Ela foi executada, a tiros, e deixou uma indagação: a quem interessava seu assassinato?

Por Fernando Molica e Luisa Bustamante | Revista Veja

Rio de Janeiro, quinta-feira, 15 de março. Sob um sol de quase 40 graus, uma multidão se reuniu nas escadarias do Palácio Pedro Ernesto, onde fica a Câmara Municipal, para homenagear Marielle Franco, a vereadora de 38 anos executada com quatro tiros na cabeça na noite anterior. Marielle era novíssima na política: eleita pelo Psol em 2016, com 46 500 votos (a quinta maior votação), entrava no segundo ano de mandato. Voz vibrante a favor das mulheres, dos negros, dos homossexuais e dos favelados — categorias em que se encaixava pessoalmente —, tinha intensa atuação dentro e fora da Câmara.

A morte brutal a agigantou, ao adicionar um componente político ao inaceitável caldeirão de violência que engolfa o Rio: os disparos abateram uma pessoa eleita pelos cariocas para representá-los. Exato um mês depois de instalada, a intervenção militar nas polícias fluminenses, que imaginava ter tempo para agir, vê-se encostada na parede. “A ação federal foi desafiada pelo assassinato de Marielle”, diz a cientista social Silvia Ramos, especialista em segurança pública.

A morte da vereadora foi um ato planejado. Marielle saiu de um encontro de mulheres negras na Lapa, zona central do Rio, por volta das 21 horas. Sentou-se no lado direito do banco de trás do carro, um Chevrolet Agile branco com vidros fumê, junto da assessora; ao volante estava o motorista, Anderson Gomes, de 39 anos. Seguiram para a Tijuca, onde ela morava com a companheira, Mônica. A polícia já sabe que os ocupantes de um Chevrolet Cobalt prata os seguiram por 4 quilômetros, até uma esquina do bairro do Estácio, onde fizeram uma manobra para interceptar o carro da vereadora. 

Da janela, dispararam nove tiros com uma arma calibre 9 milímetros, de uso exclusivo das Forças Armadas, mirando diretamente o crânio de Marielle — sua assessora só ouviu as rajadas. Não podiam vê-la, mas sabiam onde se sentava. Gomes, que estava na linha de tiro, também foi atingido por três balas e morreu. A polícia já descartou qualquer hipótese que não seja a execução, pelo modus operandi: os criminosos não roubaram nada, já chegaram atirando e sabiam o que estavam fazendo. A assessora não foi ferida, prestou depoimento e, por segurança, seria levada para fora do Rio de Janeiro pelo Psol.

Entrevista /Marcelo Freixo: ‘Não se aceita esse recado’

Freixo afirma que não há dúvida de que foi uma execução, mas não sabe quem teria interesse em matar Marielle

Roberta Pennafort | O Estado de S. Paulo.

RIO - Amigo há 15 anos da vereadora Marielle Franco (PSOL), assassinada na última quarta-feira, o deputado estadual Marcelo Freixo (PSOL) acompanha de perto as investigações do crime, e acredita que os tiros disparados contra o carro em que ela estava foram “coisa de profissional”. Isso pelo fato de terem partido de um automóvel em movimento, e atingido o corpo dela e o do motorista, Anderson Gomes, que também morreu, em linha reta.

Ainda sob o impacto da perda de Marielle, que ele levou para a Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do Rio, e depois viu entrar na política parlamentar, o deputado disse, em entrevista ontem ao Estado, que a morte alça Marielle à condição de símbolo mundial da luta pelos direitos individuais.

• Que recado os assassinos de Marielle queriam dar?

Difícil dizer. Reações no mundo inteiro mostram que não se aceita esse recado de medo. O crime precisa ser desvendado, e não é porque a Marielle é mais importante, por ser vereadora, mas porque é carregado de vingança. É um recado para mulher, jovem, negra de favela? É preciso elucidar. Um crime contra a democracia não pode ser bem sucedido.

• Os tiros seriam para silenciar as denúncias dela de excessos cometidos por policiais?

Ela não recebeu ameaça, não presidia CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito), não fez denúncia específica contra ninguém. Éramos bem próximos. Terça à noite conversamos longamente e ela em nenhum momento disse que tinha qualquer problema. Quem ela incomodou que foi capaz de fazer isso? Não consigo imaginar.

• Como Marielle entra para a história?

Não tinha dúvida de que ela seria uma grande liderança política nacional, expressão do campo progressista. Era brilhante, forte, amorosa. Tinha características que desafiavam a política tradicional, representavam algo novo. O que esses covardes fizeram foi antecipar isso, mas tirando a Marielle da gente. É inaceitável. Hoje ela é um símbolo mundial. Mas o preço, que a gente não queria pagar é não tê-la mais.

• As investigações estão perto da conclusão?

Não há dúvida de que foi execução, coisa de profissional. Os tiros foram dados por alguém que manejava muito bem a arma. Partiram de dentro de um carro em movimento e acertaram de maneira compacta e linear. De nove, quatro pegaram na Marielle e três no motorista, que estava na linha de tiro.

• Como vê a hipótese de que o crime teria a ver com a intervenção na segurança?

Estou tentando não politizar esse debate, não é bom fazer isso sobre o cadáver da Marielle, que era contrária à intervenção. A munição veio desviada da Polícia Federal. É intervenção que resolve? Por que não monitoram as munições?

• A assessora que acompanhava Marielle está sob proteção?

Ela já está segura. A gente não pensou em colocá-la no programa de testemunha do Estado porque sabe dos problemas que ele tem. Ela não viu nada. Foi uma rajada, ela nem sabia que tinha sido um atentado, entendeu depois. Achou que fosse um tiroteio.

• As reações ao crime são nacionais, mundiais. O PSOL ganha protagonismo? Marielle seria vice de Tarcísio Motta (também do PSOL) para o governo do Estado. E agora?

Parou tudo. Não consigo olhar para isso sem olhar para a minha querida amiga Marielle, de 15 anos, há 11 na minha equipe, trabalhando comigo todos os dias. Fui professor da irmã dela. Temos relação de amor muito grande. Esse cálculo não está no nosso horizonte. Agora, a Mari traz um sentimento de justiça forte. Um desejo das pessoas que talvez estivesse represado desde 2013. Ela representava essa outra política que todos queriam. 2018 pode estar tentando calar 2013, dizer de novo que não pode ter mulher negra, favelada, bissexual na política. Não vão conseguir.

• Marielle está sendo chamada de “defensora de bandidos” em ataques nas redes sociais. Como analisa essa reação?

É falta de inteligência mínima. É uma sociedade doente aquela que acha que direitos humanos são para proteger bandido. Em todos os lugares do mundo onde houve avanços nas políticas de segurança, os agentes são instrumentos de garantia dos direitos. Marielle cansou de trabalhar com casos de policiais. A gente aprovou um protocolo de atendimento a familiares de policiais vitimados de forma letal no Rio. Dizer que não tem de ter tortura nem execução sumária é proteger a lei. Marielle foi morta em um ato de banditismo, se veio da polícia ou de outro lugar, não sei.

Carlos Drummond de Andrade: Cariocas

Como vai ser este verão, querida,
com a praia, aumentada/ diminuída?
A draga, esse dragão, estranho creme
de areia e lama oferta ao velho Leme.
Fogem banhistas para o Posto Seis,
O Posto Vinte... Invade-se Ipanema
hippie e festiva, chega-se ao Leblon
e já nem rimo, pois nessa sinuca
superlota-se a Barra da Tijuca

(até que alguém se lembre de duplicar a Barra, pesadíssima).

Ah, o tamanho natural das coisas
estava errado! O mar era excessivo,
a terra pouca. Pobre do ser vivo,
que aumenta o chão pisável, sem que aumente
a própria dimensão interior.
Somos hoje mais vastos? mais humanos?
Que draga nos vai dar a areia pura,
fundamento de nova criatura?
Carlos, deixa de vãs filosofias,
olha aí, olha o broto, olha as esguias
pernas, o busto altivo, olha a serena
arquitetura feminina em cena
pelas ruas do Rio de Janeiro
que não é rio, é um oceano inteiro
de (a) mo (r) cidade.
Repara como tudo está pra frente,
a começar na blusa transparente
e a terminar... a frente é interminável.
A transparência vai além: os ossos,
as vísceras também ficam à mostra?
Meu amor, que gracinha de esqueleto
revelas sob teu vestido preto!
Os costureiros são radiologistas?
Sou eu que dou uma de futurólogo?
Translúcidas pedidas advogo:
tudo nu na consciência, tudo claro,
sem paredes as casas e os governos...
Ai, Carlos, tu deliras? Até logo.
Regressa ao cotidiano: um professor
reclama para os sapos mais amor.
Caçá-los e exportá-los prejudica
os nossos canaviais; ele, gentil,
engole ruins aranhas do Brasil,
medonhos escorpiões:
o sapo papa paca,
no mais, tem a doçura de uma vaca
embutida no verde da paisagem.
(Conservo no remorso um sapo antigo
assassinado a pedra, e me castigo
a remoer sua emplastada imagem.)
Depressa, a Roselândia, onde floriram
a Rosa Azul e a Rosa Samba. Viram
que novidade? Rosas de verdade,
com cheiro e tudo quanto se resume
no festival enlevo do perfume?
Busco em vão neste Rio um roseiral,
indago, pulo muros: qual!
A flor é de papel, ou cheira mal
o terreno baldio, a rua, o Rio?
A Roselândia vamos e aspiremos
o fino olor de flor em cor e albor.
Um rosa te dou, em vez de um verso,
uma rosa é um rosal; e me disperso
em quadrada emoção diante da rosa,
pois inda existe flor, e flor que zomba
desse fero contexto
de metralhadora, de seqüestro e bomba?