segunda-feira, 23 de abril de 2018

Opinião do dia: Steven Pinker


Embora essas preocupações sejam reais, é fácil esquecer que a democracia liberal é uma ideia relativamente nova. Os conceitos de eleições livres, justas e competitivas, a separação de Poderes, direitos humanos, liberdades civis e proteções políticas só decolaram genuinamente no século 20.

Até poucos séculos atrás, a maioria das sociedades oscilava desconfortavelmente entre a tirania e a anarquia. Os primeiros governos (não democráticos) ofereciam melhora apenas modesta, frequentemente impondo repressão brutal para manter os súditos sob controle.

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Steven Pinker, 63, linguista e psicólogo canadense, é professor do Departamento de Psicologia da Universidade Harvard. Lançou neste ano o livro “Enlightenment Now” (Viking). “A persistente resiliência da democracia liberal”, Folha de S. Paulo, 22/4/2018.

Marcus André Melo: Ativismo processual

- Folha de S. Paulo

A existência de duas arenas decisórias no Supremo potencializa o ativismo processual e a maioria fabricada

Críticos do STF apontam para suas inconsistências, divisões e instabilidade. Quando o tribunal voltará ao “normal”? Corte dividida não é problema e pode ser solução. Nos EUA , por exemplo, a corte está dividida desde a 2a. Guerra. A tendência é que a divisão se acentue por que com a adoção da Repercussão Geral no STF a pauta conterá mais “casos difíceis”.

A inconsistência (“intransitividade”, no jargão) existe em todo processo de votação com mais de três membros se a escolha envolver três opções. Há decisões que são do tipo “sim ou não” —mas todas as que invocam “princípios” jurídicos admitem modulação.

Inconsistência é sim um problema. Ela pode manifestar-se no plano individual ou do colegiado. No individual, a volatilidade de votos pode resultar de causas variadas, idiossincráticas, de juízes. Mas a inconsistência de votações no colegiado “é inevitável, não importa quanto os juízes possam desconsiderar suas próprias preferências, ou quão cuidadosos sejam ao lidar com suas tarefas ou quão capacitados sejam”. A afirmação é de Frank Easterbrook (Universidade de Chicago), com base na análise de Kenneth Arrow, Nobel de Economia de 1972.

De forma simplificada, a inconsistência (“intransitividade”, no jargão) existe em todo processo de votação com mais de três membros se as preferências admitam uma modulação entre pelo menos três opções. Há decisões que não admitem modulação —são sim ou não—, mas todas as que invocam “princípios” jurídicos o fazem.

Cida Damasco: Será o Barbosa?

- O Estado de S.Paulo

Centro continua à caça de um candidato. E de uma política econômica

Já que a confusão está instalada, vamos propor um teste para os observadores do cenário eleitoral. Definam três colunas, uma com os nomes dos candidatos à Presidência da República, outra com os nomes dos partidos e uma terceira com os nomes dos prováveis “gurus” da economia. Tentem combinar os três nomes e vejam o que essa mistura reserva. Há candidato ainda “conhecendo” seus novos colegas de partido. Ala de partido examinando a possibilidade de trocar de candidato. Partido com dois interessados em concorrer e parte dos integrantes inclinada a apoiar representantes de outras siglas. Economistas já estão a postos – e alguns cobiçados por mais de um candidato.

Com o PT ainda bancando oficialmente a candidatura de Lula – que, como se sabe, não sobreviverá –, vamos a outros participantes da disputa de outubro. Alckmin já confirmou Persio Arida como coordenador do seu programa econômico – embora parte do PSDB ainda se sinta desconfortável com o próprio Alckmin. Ciro Gomes anunciou o nome de Nelson Marconi, integrante do núcleo desenvolvimentista da FGV de São Paulo. Jair Bolsonaro tentou ganhar os mercados com o liberal Paulo Guedes, Marina, revigorada pelas pesquisas eleitorais mas abrigada no debilitado Rede, deve contar com a dupla Eduardo Gianetti-André Lara Resende, e já estaria reeditando o programa de governo, incluindo os temas mais agudos do momento, como as reformas da Previdência e tributária. Henrique Meirelles, se conseguir emplacar no MDB, obviamente vai de ... Henrique Meirelles.

E Joaquim Barbosa, o novo outsider que entra em cena a menos de seis meses da eleição? O momento ainda é de conversas. Há informações de que ele buscou pontes com Delfim Netto, o próprio Gianetti, e faria o mesmo com Arminio Fraga – este, quase um “emissário” junto aos mercados e ao empresariado do outsider anterior, Luciano Huck, cuja candidatura foi um sonho do chamado centro. Barbosa é visto agora como alternativa para o mesmo espectro do eleitorado. Por enquanto, ele faz o que se espera: confessa que está animado com as pesquisas, mas diz ao PSB que ainda não se decidiu, por questões familiares. Novas pesquisas podem romper sua “resistência”.

Vinicius Mota: Partido da Justiça?

- Folha de S. Paulo

Hipótese de que há movimento coeso de policiais, procuradores e juízes para destruir os partidos não se sustenta

Há algum tempo surgiu a conjectura de que os partidos tradicionais estão se espatifando porque um conluio arrebatador de policiais, procuradores e juízes, apoiado pela imprensa, decidiu destruí-los.

Lavajatistas fanáticos, como os anarquistas sobre o capitalismo, de fato pensam que apenas das ruínas deste sistema apodrecido eclodirá o germe da representação popular íntegra.

Têm conseguido implementar a sua, vá lá, plataforma? Um bom teste é notar como as regras da eleição, elaboradas pelo Congresso, se acomodaram à decisão do Supremo de proibir doações eleitorais de empresas.

Elevaram-se o fundo público e o poder dos chefes eternos dos partidos na distribuição dos recursos. Vamos ver o que acontece em outubro, mas o prognóstico está longe de ser de esfacelamento do mando tradicional.

Há algumas anomalias, decerto. Desde o mensalão, integrantes da elite dos partidos brasileiros têm sido processados, condenados e presos. É difícil, no entanto, atestar que haja coordenação nesse processo.

Demétrio Magnoli: O partido que não temos

- O Globo

Uma muralha separou FHC de Lula. O resultado foram as alianças sucessivas do PSDB e do PT com o PMDB — e o colapso do sistema político da Nova República

FHC disse, há pouco, que se arrepende de, no passado, não ter se aproximado de Lula. Em entrevista recente, Fernando Haddad, possível candidato lulista à Presidência, reconheceu o avanço econômico e institucional obtido pelo Plano Real. As duas declarações reinstalam uma questão histórica especulativa, mas relevante num sentido tão atual quanto inesperado: o que teria sido o Brasil se o PSDB e o PT tivessem optado pela aliança, no lugar da letal rivalidade?

“Opção” não é o termo apropriado. A rivalidade é fruto de escolhas anteriores dos dois principais partidos que nasceram na transição à democracia. Na sua complexa trajetória ideológica, o PT roçou a social-democracia para, imediatamente, trocá-la pela tradição populista da esquerda latino-americana. O PSDB, por sua vez, afastou-se da social-democracia para conduzir as reformas liberais de estabilização da economia e, depois daquela etapa heroica, dissolveu seus ensaios programáticos na mera pregação da ortodoxia econômica e num defensivo antipetismo. Uma muralha separou FHC de Lula. O resultado foram as alianças sucessivas do PSDB e do PT com o PMDB — e o colapso do sistema político da Nova República.

A crise política brasileira inscreve-se, como singularidade, na crise mais ampla das democracias ocidentais. Na Europa e nos EUA, sob formas distintas, regridem os grandes partidos de centro-esquerda e centro-direita. Na América Latina, o “Extremo-Ocidente”, o esgotamento do neopopulismo não parece abrir caminho a uma nova onda sustentada de reformas liberais. O traço marcante do cenário brasileiro é a fadiga do centro político: Lula e Bolsonaro emergem como relevos notáveis na planície desolada. As escolhas do PSDB e do PT têm forte responsabilidade pela desolação.

Paulo Delgado: O paraíso artificial da política

- O Globo

Os partidos se programaram para ficar ridículos e sem função social. Não são de classe, não representam forças econômicas, tecnológicas ou culturais modernas
Um ciclo político de devoção e carpe diem morreu compreensivelmente. A foto revelada é sinal do tempo que já passou, mas sem foto não há mito. E a invisibilidade para o mito é o fim. Um partido de esquerda que adere ao poder que criticava cava seu próprio abismo. É inevitável: se quer cair, merece ser empurrado.

Fingindo nada ver, os partidos são cápsulas esterilizadas para autofecundação. Nada sabem da diversidade genética na evolução da espécie ao aprisionarem a eleição no estatuto da gafieira: quem está dentro não sai, quem está fora não entra. Querem recolher a seiva pública nas urnas para fazer fictícia a vontade do povo e consolidar a maior não renovação do Congresso no período democrático. Uma ditadura dos mesmos, ossário de ancestrais.

Os partidos morreram quando morreu a ideologia dentro deles. Se programaram para ficar ridículos e sem função social. Não são de classe, não representam forças econômicas, tecnológicas ou culturais modernas. Não creem no horizonte sagrado da conduta, nem mesmo das aparências. Acreditam na virtude empregatícia de administrar e preservar mandatos sem a necessidade de exercê-los. São indiferentes ao significado do desregramento moral, da dissimulação, do fato de repelir a crítica. Viciados em manipulação, confundiram valor de uso com valor de troca.

Celso Rocha de Barros: Teremos novos partidos?

- Folha de S. Paulo

Movimentações mostram grandes vazios na centro-esquerda e na extrema direita

É claro que teremos novas legendas. Todo dia alguém muda de nome, passa a se chamar "Patriotas", "Podemos", "Avante", "Maria Eunice", e nada disso tem a menor importância. Mas e partidos, partidos no sentido forte, como PT e PSDB foram nos últimos vinte, trinta anos? Agremiações com ligações fortes com setores sociais específicos, defendendo programas razoavelmente distintos entre si?

Pode surgir algo de novo dos escombros do sistema partidário esvaziado pela Lava Jato?

As movimentações em torno da campanha presidencial mostram dois grandes espaços razoavelmente vazios no espectro ideológico, que podem vir a ser ocupados por novos partidos suficientemente vertebrados: a centro-esquerda e a extrema direita. O PT perdeu o controle da esquerda moderada, e o PSDB perdeu o controle da direita radical.

As intenções de voto em Lula continuam impressionantes, mas também é notável que a soma das intenções dos candidatos de centro-esquerda —Marina, Ciro, Joaquim Barbosa— é bastante expressiva. Mesmo que nenhum dos três candidatos desista em favor do outro, é possível que seus militantes se encontrem em 2019 em algum esforço de reconstrução partidária.

Fernando Limongi: A hora e a vez de Joaquim Barbosa

- Valor Econômico

Incógnitas habitam ego repleto de convicções inabaláveis

Joaquim Barbosa, após os resultados promissores do Datafolha da semana passada, ameaça atravessar o Rubicão. Filiou-se ao PSB e foi ao encontro das lideranças do partido para uma operação de reconhecimento mútuo e acerto de ponteiros. Todos saíram satisfeitos, ou assim o declararam. Os sinais emitidos pela pesquisa justificam o otimismo dos que querem vê-lo candidato. As dificuldades à frente, contudo, são enormes.

Durante a semana, os órgãos de imprensa se puseram em campo para decifrar a esfinge. Apesar dos 9% de intenção de voto, pouco se sabe sobre o que seria um governo presidido por Barbosa. Sua imagem pública vem do protagonismo assumido ao longo do julgamento do mensalão. Em algumas questões, suas decisões e sentenças, assim como sua biografia, oferecem pistas. Mas nada além de pistas. Não se sabe sua posição sobre a gestão da economia. Nessa área, nada pode ser deduzido de suas sentenças. O mistério será solucionado ao serem conhecidos os nomes dos economistas que encontrará nos próximos dias. Fala-se em uma reunião com o ubíquo Armínio Fraga, mas há outros na fila, vindos do campo oposto.

A comparação com a entrada de Marina Silva na eleição de 2014 é inevitável. Joaquim Barbosa chega por cima, sem vinculação direta com os dois polos do espectro político brasileiro. Acenou que faria reformas defendidas pelos que colocam a austeridade fiscal como prioridade, mas não deixou de enviar sinais de que preservaria as políticas sociais voltadas aos mais pobres. Um pouco para todos os gostos.

Gaudêncio Torquato: A fadiga democrática

- Blog do Noblat | Veja

A democracia não tem cumprido suas tarefas básicas

O mundo padece de síndrome da fadiga democrática, observa o escritor, jornalista e poeta belga David Van Reybrouck, para quem as Nações atravessam um momento de saturação em seus sistemas democráticos. Alguns sintomas: apatia do eleitor, abstenção às urnas, instabilidade eleitoral, hemorragia dos partidos, impotência das administrações, penúria no recrutamento, desejo compulsivo de aparecer, febre eleitoral crônica, estresse midiático extenuante, desconfiança, indiferença e outras mazelas.

Arremata o belga: “a democracia tem um problema sério de legitimidade quando os eleitores não dão mais importância à coisa fundamental, o voto”. A análise está expressa no interessante livro Contra as Eleições, traduzido agora no Brasil. O título sinaliza para a hipótese de que, nesses tempos de populismos baseados no medo e na desconfiança das elites, é o caso de se abolir o processo eleitoral e voltar ao que ocorria há 3.000 anos, quando inexistiam eleições e os cargos se repartiam por meio de uma combinação de sorteios e ações voluntárias. Ou seja, quando a política era missão e não profissão.

O fato é que a democracia, como já escreveu Norberto Bobbio, o grande cientista social e filósofo italiano, não tem cumprido suas tarefas básicas, como acesso de justiça para todos, educação para a cidadania, combate ao poder invisível, transparência nas ações de seus protagonistas.

Em seu Futuro da Democracia, Bobbio mostra os caminhos a percorrer pela democracia na direção do amanhã, caracterizando o insucesso do Estado no combate às pragas da modernidade, a partir do poder invisível incrustado na administração pública. O poder visível, formal, está perdendo a batalha. Apesar dos aparatos tecnológicos que ancoram o Estado – Tribunais de Contas, Ministério Público, Polícia Federal, Tribunais Eleitorais e outras instâncias do Judiciário – a corrupção grassa a torto e a direito.

Marcus Pestana: Cadastro positivo, uma mudança necessária

- O Tempo (MG)

Dentro da profunda crise nacional, com suas múltiplas faces, uma prioridade emerge de maneira inequívoca: a retomada do crescimento e a geração de empregos. Decifrar nosso “voo de galinha” na economia, construindo um cenário de desenvolvimento sustentado, é central.

A superação consistente da grande recessão verificada nos anos do governo Dilma, com crescimento zero em 2014 e crescimento negativo médio de 3,7% em 2015 e 2016, só será possível se empreendermos umas série de reformas macro e microeconômicas. O crescimento é puxado pelos investimentos público e privado, pelo consumo governamental e das famílias, pelo comércio exterior e pela estabilidade institucional que garanta segurança jurídica no longo prazo, para estimular o ânimo dos atores relevantes da economia.

Do setor público, dada a radical crise fiscal, poucas soluções diretas virão. Trata-se de gerar um ambiente favorável ao investimento e ao consumo privado.

Para além das grandes reformas estruturais, há uma agenda de reformas microeconômicas importantes que podem alavancar a retomada do crescimento ainda incipiente e frágil. Já fizemos alguns avanços, como a mudança das regras do pré-sal, as reestruturações dos setores mineral e energético, a Taxa de Longo Prazo (TLP), a reforma trabalhista. Mas muito ainda há a ser feito. É aí que entra a aprovação da lei do cadastro positivo.

Angela Bittencourt: 'Segurança jurídica' é nova variável eleitoral

- Valor Econômico

Michel Temer inclui 'segurança jurídica' em seus discursos

"Segurança jurídica" é uma variável de risco a ser incorporada nos cenários básico e alternativo em construção para as eleições de outubro. Essa expressão do Direito Constitucional foi de uso frequente em 2002, quando o PT concorria à presidência da República e o então candidato Luiz Inácio Lula da Silva despertava o temor de que se instalasse o caos no Brasil, inclusive com a ruptura de contratos. A "Carta ao Povo Brasileiro" atenuou essa preocupação. No documento, Lula basicamente se comprometeu em dar continuidade à política econômica do presidente Fernando Henrique Cardoso, que iria concluir o segundo mandato.

Neste 2018, Lula está preso, cumpre pena de 12 anos e 1 mês de detenção e o receio com a adoção de medidas radicais é algo menor ante a barafunda em que se transformou a política partidária no país, com representantes de quase todos os partidos sendo investigados.

Contudo, a corrida eleitoral deste ano, com mais de uma dúzia de pré-candidatos e a demanda do mercado financeiro por um aspirante de centro, ressuscitaram a "segurança jurídica". A expressão é frequente quando negociações são travadas sobre o inventário de medidas que propiciem mais investimentos no país e quando se contesta a prisão de Lula antes de esgotados todos os recursos possíveis para livrá-lo da condenação.

O presidente Michel Temer, advogado constitucionalista de formação, prestigia a "segurança jurídica", incluída na maioria de seus discursos. Em 31 de agosto de 2016, tornou-se presidente efetivo da República, com a chancela do Senado Federal, e, em cadeia de rádio e televisão, revelou aos brasileiros os alicerces sobre os quais pretendia erguer sua gestão: "Eficiência administrativa, retomada do crescimento econômico, geração de emprego, segurança jurídica e ampliação de programas sociais". Temer estava confiante.

O resgate da confiança: Editorial | O Estado de S. Paulo

Quando se analisam os elementos que compõem a crise política, social e moral que o País atravessa, a falta de confiança nas instituições, e especialmente nos políticos, é frequentemente citada. Trata-se de uma carência que prejudica todo o tecido social, afetando as mais variadas esferas e classes. Entre outros aspectos, o baixo grau de confiança é um enorme problema político, que dificulta estabelecer o diálogo, desenhar propostas comuns e promover relações além da simples troca de interesses imediatos.

O sistema político vê-se seriamente afetado pela falta de confiança, que o força a trabalhar num padrão de baixa expectativa. Tudo o que vem dos políticos é recebido com suspeita, quando, em tese, deveria ser o contrário, já que foram os eleitores que escolheram os candidatos vencedores. Foi a vontade dos representados que determinou quem seriam seus representantes.

A desconfiança nas instituições está amplamente difundida, fator que continuamente dificulta o bom encaminhamento das questões públicas. E o mais grave nessa história é a dificuldade de superar essa falta de confiança. Parece haver um círculo vicioso, no qual o mau funcionamento das instituições acarreta falta de confiança, que por sua vez piora ainda mais as instituições e assim por diante.

Talvez aí esteja uma das causas do problema: a desconfiança como reação inexorável aos problemas do Estado, da política, etc. Nessa lógica, o cidadão torna-se, a rigor, elemento inerte, distante de qualquer protagonismo. Alheia-se dos problemas nacionais e de suas soluções por vontade própria. Não lhe caberia nenhuma responsabilidade pela situação institucional do País. E, ao assim fazer, restringe seu papel à pior das autodefesas: a desconfiança – e, assim, fecha-se o círculo.

A participação do cidadão na vida nacional dever ir muito além da simples reclamação ou, ainda pior, do distanciamento das coisas públicas. Se a percepção é de que as coisas não andam bem na esfera estatal, a resposta natural deve ser, numa comunidade verdadeiramente solidária, a tentativa de mudar o que não vai bem. O sistema democrático serve justamente para o encaminhamento institucional dos diversos anseios e demandas sociais.

Apoio ao privilégio: Editorial | O Globo

O adiamento de reajustes é medida óbvia, dado o peso dos R$ 200 bilhões anuais da folha do funcionalismo

Um ciclo há muito tempo não experimentado pela sociedade brasileira, a persistência da inflação na faixa dos 3%, uma dádiva para a população, principalmente a menos favorecida, cria problemas para um Estrado cronicamente deficitário, como o brasileiro. Ele não pode se valer da perda de poder aquisitivo da moeda para reduzir sua dívida real.

Precisa fazer cortes e reformas. A principal delas, a da Previdência, uma conta fora de controle, impulsionada por fatores estruturais: um sistema de seguridade que permite que, no INSS, pessoas se aposentem com menos de 60 anos de idade, sem que a base de contribuintes do sistema se expanda como necessário, porque a população cada vez tem menos jovens. E ainda há a aposentadoria dos servidores públicos extremamente generosa, mais desequilibrada até que o INSS.

Segundo item que mais pesa no Orçamento, a folha do funcionalismo é outra fonte de preocupações. Dada a forte força política das corporações que transitam neste universo, o Congresso resiste a aprovar ajustes, e só agrava os problemas fiscais que estão à frente.

Um exemplo da força do funcionalismo é que o PT, partido nascido no ABC paulista, engendrado nas linhas de montagens da indústria automobilística e de outros segmentos produtivos da região, terminou sendo um partido fortemente influenciado pelos servidores. Trocou de alma. É a legenda do servidor público, a categoria mais privilegiada do país, principalmente o federal.

Mares revoltos: Editorial | Folha de S. Paulo

O enfrentamento da mudança climática deixa as águas turvas da ideologia rumo ao pragmatismo

A reportagem inicial da série Crise do Clima, publicada no domingo (20) nesta Folha, enfocou um proeminente fator de preocupação com o aquecimento global: a elevação do nível dos oceanos. Com efeito, o agravamento da erosão marinha invadiu o rol de inquietações de quem habita regiões costeiras.

As agruras do povo indígena guna, do Panamá, forçado a abandonar algumas das ilhas paradisíacas do arquipélago San Blas, não constituem caso isolado. De Santos à Califórnia ou de Jacarta a Nova York, líderes políticos se desdobram para enfrentar os custos da adaptação à nova realidade.

A interação entre atmosfera e mares é complexa, um pesadelo para modelos de computador com que cientistas predizem, com precisão crescente, o futuro climático.

O oceano absorve boa parte do calor adicionado à atmosfera pelo aumento de gases do efeito estufa, mitigando o aquecimento global. E águas mais quentes afetam as massas de ar que movem o clima planetário, com potencial para alterar a franja de variação em que se desenvolveu a civilização.

Cadastro positivo é vital para reduzir os juros bancários: Editorial | Valor Econômico

Por incompreensão de alguns parlamentares ou por interesses eleitorais, a votação na Câmara dos Deputados do projeto de lei que aperfeiçoa o cadastro positivo do sistema financeiro foi adiada para essa semana e corre o risco de não sair. A proposta é fundamental para ampliar a concorrência no mercado de crédito e estimular a queda dos juros cobrados pelos bancos.

Tradicionalmente, o Brasil teve cadastros negativos de crédito, uma lista que relaciona os maus pagadores, aos quais bancos e comerciantes costumam negar crédito. O cadastro positivo tem objetivos mais amplos: identificar os bons clientes, aqueles que têm histórico de adimplemento, para oferecer mais crédito e juros mais baixos.

O cadastro positivo em vigor foi uma proposta tardia da agenda microeconômica do segundo mandato de FHC e do primeiro de Lula. Medidas como os empréstimos com consignação em folha de pagamento e a alienação fiduciária nos financiamentos de automóveis ajudaram a duplicar o crédito como proporção do Produto Interno Bruto (PIB) desde então.

Mas o chamado "bancos de dados com informações de adimplemento", criado pela Lei nº 12.414, de 2011, não surtiu os efeitos desejados. Alcançou apenas 5 milhões dos cerca de 100 milhões de brasileiros que poderia abarcar. O principal problema é que, no sistema atual, os gestores dos cadastros têm que obter autorização de cada um dos clientes para inclui-los no banco de dados. O projeto em tramitação na Câmara dos Deputados corrige essa deficiência. Todos aptos para tomar crédito seriam automaticamente incluídos.

Candidatos falam sobre segurança

O GLOBO perguntou aos líderes das pesquisas — Jair Bolsonaro, Marina Silva, Ciro Gomes e Geraldo Alckmin — sobre temas como redução da maioridade, desarmamento, intervenção no Rio e fronteiras. Lula não foi incluído por estar inelegível, pelos critérios da Lei da Ficha Limpa.

Segurança no centro do debate

Presidenciáveis defendem mais inteligência e divergem sobre redução da maioridade penal

Jeferson Ribeiro | O Globo

A violência é um problema visível para todos em um país no qual mais de 61 mil pessoas foram assassinadas em 2016, segundo dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública. O tema ganhou relevância ainda maior depois que o Executivo federal retirou das mãos do governo do Rio de Janeiro a gestão do setor, assumindo o controle com a ajuda das Forças Armadas. O assassinato da vereadora Marielle Franco (PSOL-RJ) e de seu motorista, Anderson Gomes, após uma perseguição pelas ruas do Rio de Janeiro — crime ainda não desvendado — aumentou o foco sobre a questão, que hoje aflige os brasileiros tanto quanto a saúde e a corrupção.

Nesse cenário, o debate sobre segurança pública está no centro da arena eleitoral, e o GLOBO enviou por e-mail aos quatro pré-candidatos à Presidência mais bem colocados na última pesquisa Datafolha as mesmas perguntas sobre financiamento das ações de segurança, intervenção federal no Rio, patrulhamento da fronteira, redução da maioridade penal para 16 anos, flexibilização da posse e do porte de armas de fogo e o impacto do assassinato de Marielle Franco. O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) não foi considerado para a sondagem, já que ele está inelegível, pela condenação em segunda instância, de acordo com a Lei da Ficha Limpa.

Entre os ouvidos, apenas o deputado Jair Bolsonaro (PSL-RJ) acredita que uma das soluções para melhorar a segurança dos brasileiros é ampliar a posse e o porte de armas de fogo. A ex-senadora Marina Silva (Rede), o ex-ministro Ciro Gomes (PDT) e ex-governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), consideraram que essa medida aumentaria o número de homicídios.

Quase todos os pré-candidatos são críticos à intervenção federal na segurança pública do Rio, e consideram que a decisão do presidente Michel Temer teve motivação política e careceu de planejamento e recursos financeiros para ter sucesso. Alckmin, o único a não explicitar contrariedade à medida, disse, porém, que a ação — “um remédio amargo” — não pode ser “banalizada”. Bolsonaro afirmou que votou a favor do decreto na Câmara porque “era melhor do que nada”. O parlamentar, porém, disse que se fosse bem planejada a intervenção poderia ocorrer em todo o país, porque a insegurança está generalizada.

A morte da vereadora Marielle Franco e de seu motorista foi apontada como uma afronta ao Estado e uma evidência da fragilidade da intervenção federal no Rio por Marina e Ciro. Já Alckmin considerou o crime “bárbaro”, com necessidade de apuração e punição céleres. Bolsonaro, que ainda não havia se manifestado sobre o crime, disse que foi “mais uma morte no Rio de Janeiro” e que é preciso aguardar a investigação.

A maioria dos pré-candidatos concordou na necessidade de aprimorar sistemas de inteligência para vigiar fronteiras e combater o crime organizado. E todos foram unânimes em desburocratizar e garantir verbas do orçamento para a segurança pública.

Veja abaixo como cada um dos quatro pré-candidatos se posicionou sobre o tema que debaterão em campanha.

Bolsonaro (PSL): ‘Tem que liberar a posse de armas’

• Como o senhor pretende enfrentar os problemas das fronteiras, usadas pelo narcotráfico para importar armas e drogas?
Ninguém vai resolver essa questão. Outros países com grandes fronteiras também não conseguiram. Mas tem como atenuar. Vou buscar a ajuda das Forças Armadas. O Sisfron (Sistema Integrado de Monitoramento de Fronteiras) é muito caro e não tem sido efetivo. Também pretendo revogar a portaria do Ministério da Justiça que regulamenta a abordagem dos agentes de segurança na fronteira. Ela é muito branda, não permite apontar armas para suspeitos, por exemplo.

• Qual a melhor forma de garantir a aplicação dos recursos da segurança pública?
Precisa mudar a regra para evitar contingenciamento dos recursos. O orçamento tem que ser impositivo e realista para essa área, que é a mais importante para o país. E sou contra o Ministério da Segurança Pública.

• Qual sua posição sobre as modificações no Estatuto do Desarmamento?
Os critérios para a posse e o porte de arma de fogo são muito subjetivos. Tem que liberar a posse de armas para todo mundo, como ocorre nos Estados Unidos. Eu daria porte de armas para caminhoneiros e vigilantes, por exemplo. Já existe um bang-bang no Brasil, mas apenas um lado pode atirar.

• Qual sua opinião sobre a diminuição da maioridade penal?
Quando eu cheguei à Câmara fiz uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) para reduzir a maioridade penal para 16 anos. Defendo a redução.

• A intervenção na área de segurança pública do Rio de Janeiro foi acertada?
Ela foi decidida numa quarta-feira de cinzas, sem planejamento e ninguém sabia. Nem o comando do Exército nem o interventor. Foi uma intervenção política, mas votei favorável ao decreto na Câmara porque é melhor do que nada.

• Qual o significado da morte da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson?
Para a democracia não significa nada. É mais uma morte no Rio de Janeiro e temos que aguardar a investigação.

Marina Silva (REDE): ‘É prioritária uma política integrada’

• Como a senhora pretende enfrentar os problemas das fronteiras, usadas pelo narcotráfico para importar armas e drogas?
O policiamento de fronteiras precisa ser organizado com base em um sistema de monitoramento e inteligência de informações. A Polícia Federal deve atuar ao lado das Forças Armadas.

• Qual a melhor forma de garantir a aplicação dos recursos da segurança pública?
É necessário ampliar a eficiência e a transparência na execução dos recursos. O governo federal precisa assumir responsabilidades e priorizar uma Política Nacional de Segurança Pública, de maneira integrada e estratégica com estados e municípios.

• Qual sua posição sobre as modificações no Estatuto do Desarmamento?
É um instrumento importante de combate à violência. Sou contra alterações que flexibilizem o acesso ao uso de armas.

• Qual sua opinião sobre a redução da maioridade penal?
Sou contra. O Brasil já possui um sistema para responsabilização de menores, que é o Estatuto da Criança e do Adolescente. Este sistema prevê medidas socioeducativas, que possuem caráter coercitivo, como a privação de liberdade.

• A intervenção na área de segurança pública no Rio de Janeiro foi acertada?
A gravidade da situação da segurança pública no Rio de Janeiro é o resultado da incapacidade dos sucessivos governos estaduais e de muitos anos de omissão do governo federal. No entanto, a intervenção federal, da forma como foi realizada, não teve o planejamento adequado, o que não pode acontecer com a adoção de uma medida extrema em uma situação de tamanha gravidade.

• Qual o significado da morte da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson?
Quando recebi a notícia do assassinato da Marielle e seu motorista, logo me veio na memória a triste lembrança das mortes de Chico Mendes, irmã Dorothy (Stang), e tantos outros, cuja a busca de justiça foi interrompida por um ato de extrema violência. A luta por justiça e contra a discriminação, no Brasil, sempre foi, e continua sendo, punida com a morte. O caso de Marielle é emblemático. Depois de sua eliminação física, ainda tentam, de maneira sórdida e covarde, matar sua causa com notícias caluniosas.

Ciro Gomes (PDT): ‘Garantir a paz é tarefa do Estado’

• Como o senhor pretende enfrentar os problemas das fronteiras, usadas pelo narcotráfico para importar armas e drogas?
Contamos com um grupo de especialistas em segurança pública que tem debatido os mais diversos pontos para a área. Toda ação voltada para o combate ao crime nas nossas fronteiras passa por investimento em tecnologia, inteligência, contrainteligência, satélites, drones, escâneres e sensoriamento remoto.

• Qual a melhor forma de garantir a aplicação dos recursos da segurança pública?
Não é mais adiável que o governo federal tome a iniciativa de criar um sistema nacional de segurança pública que envolva desde as guardas civis metropolitanas até os serviços de inteligência das Forças Armadas, passando pelas Polícias Militar, Civil e Federal.

• Qual sua posição sobre as modificações no Estatuto do Desarmamento?
É justo o apelo popular por mais segurança, no entanto, não é armando todo mundo que você vai resolver este problema. A tarefa de garantir a paz para as famílias do campo e da cidade é do Estado. O que nós precisamos é equipar melhor nossas polícias.

• Qual sua opinião sobre a redução da maioridade penal?
Parece equivocada. No grupo de discussão que temos sobre segurança pública muitas ideias têm surgido para trabalhar este tema, entre elas a possibilidade de agravar medidas socioeducativas para os reincidentes.

• A intervenção na área de segurança pública no Rio de Janeiro foi acertada?
A iniciativa é uma impostura politiqueira que atende a um gravíssimo e justo clamor popular. É uma iniciativa sem planejamento, sem orçamento e parte de um equívoco grosseiro: encarregar as Forças Armadas — treinadas para matar o inimigo e proteger nossas fronteiras — de formar culpa de delinquentes.

• Qual significado a morte da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson?
É o crime organizado chamando o Estado para a briga. É triste constatar que estas mortes se somam aos mais de 62 mil homicídios que aconteceram no ano passado, dos quais apenas 8% foram investigados.

Geraldo Alckmin (PSDB): ‘É preciso um basta à impunidade’

• Como o senhor pretende enfrentar os problemas das fronteiras, usadas pelo narcotráfico para importar armas e drogas?
Defendo a criação da Agência Nacional de Inteligência, que cuidaria exclusivamente da integração dos sistemas de inteligência e dos efetivos policiais da União, estados e municípios no combate ao crime organizado. Para a integração, o uso da tecnologia é indispensável. É praticamente impossível monitorar 17 mil quilômetros de fronteiras sem um sistema de inteligência.

• Qual a melhor forma de garantir a aplicação dos recursos da segurança pública?
O Brasil já tem um Fundo Nacional de Segurança Pública, mas a destinação desse dinheiro não é obrigatória, e o repasse aos estados é extremamente burocrático. Precisamos estabelecer regras claras de aplicação dos recursos.

• Qual sua posição sobre as modificações no Estatuto do Desarmamento?
A saída não está em armar a população. Isso só aumentaria a sensação geral de insegurança. Cabe ao Estado proteger os cidadãos. Tirar armas das ruas deve ser a missão do Estado.

• Qual a sua opinião sobre a redução da maioridade penal?
É preciso dar um basta à cultura da impunidade, que deseduca. Defendemos uma atualização do ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) para endurecer o tempo de internação do menor que cometer crime hediondo, de três para oito anos.

• A intervenção na área de segurança pública no Rio de Janeiro foi acertada?
A intervenção foi um remédio amargo contra uma doença grave, uma medida excepcional que não pode ser banalizada. Não existe mágica para resolver. A premissa é uma polícia motivada e preparada não só para capturar bandidos e investigar crimes, mas também com inteligência e tecnologia para preveni-los.

• Qual o significado da morte da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson?
Marielle e Anderson foram executados, um crime bárbaro, que exige apuração célere e punição exemplar.

Perfil impulsivo de Joaquim Barbosa preocupa PSB

Ex-ministro do Supremo se filiou ao partido mas ainda não decidiu se disputará a Presidência da República

Catarina Alencastro | O Globo

-BRASÍLIA- Antes mesmo de o exministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Joaquim Barbosa dar-se por convencido de ser candidato à Presidência da República, o PSB, partido que o abrigou, tem manifestado nos bastidores preocupação com o fato de ele ser neófito na política e ter um temperamento explosivo. Traumatizada com o fracasso da última candidatura presidencial, a sigla teme reviver problemas semelhantes aos que enfrentou com Marina Silva, cuja inflexibilidade atrapalhou a conquista de apoios no pleito de 2014.

— Todo mundo tem essa preocupação de que ele perca a calma e bote tudo a perder. Ou que seja inflexível demais. Mas ele não é mais o ministro do Supremo que todos conheceram. Ele largou a toga — diz um dos defensores do projeto presidencial de Barbosa no PSB.

A impulsividade de Barbosa, no entanto, foi exposta logo no primeiro encontro oficial que o PSB promoveu, na semana passada, para que o ex-ministro do STF conhecesse os principais caciques pessebistas. Na saída, questionado pela imprensa se uma demora em decidir sobre a candidatura poderia prejudicar o projeto, respondeu com outra pergunta:

— Who cares? — disse ele, lançando mão da expressão em inglês que significa “quem se importa?”.

Um dos maiores entusiastas do projeto Barbosa, o presidente do PSB, Carlos Siqueira, tenta minimizar as preocupações:

— Ele não é impermeável. Esperamos que ele tenha capacidade de negociação. O presidencialismo nosso é de coalizão, e não tem outra forma.

Mas o fato é que o PSB conhece muito pouco Barbosa. Quando um grupo de nove deputados do partido desembarcou em São Paulo, em dezembro, numa investida para tentar trazer o relator do mensalão para a sigla, foi preciso uma reunião prévia entre os parlamentares para acertar o tom.

O líder do grupo, deputado Júlio Delgado (MG), era o único que já tinha estado com Barbosa antes e alertava que ele era muito sério e formal. O Joaquim Barbosa que os esperava à porta do elevador de seu escritório, no entanto, surpreendeu a todos. “Simples e sem frescura”, descreveu um. Aos políticos disse que seu momento de fama já tinha passado, referindo-se ao período em que ocupou a relatoria do mensalão e a presidência do STF.

— Aí é que o senhor se engana. Se quiser encarar uma disputa à Presidência, terá que estar preparado para tudo. Vão devassar a vida do senhor — disse um dos presentes.

Joaquim respondeu que estava preparado e enumerou os casos que seriam desenterrados: um apartamento que comprou em Miami para o filho e uma acusação de agressão à ex-mulher, na década de 80. Ao grupo, deu as explicações que terá de repetir à exaustão, caso se lance mesmo na jornada rumo ao Palácio do Planalto.

Eleições criam rachas entre aliados históricos nos estados

Partidos próximos se separam para formar palanques regionais de olho em disputa do Planalto

Gustavo Uribe | Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - As separações de siglas que costumavam ser aliadas na sucessão presidencial têm provocado divórcios históricos nas disputas estaduais deste ano. O motivo principal do fim das alianças partidárias é a intenção de formar palanques regionais para as candidaturas ao Planalto.

Com o cenário de crise da política tradicional, vinte partidos já anunciaram a intenção de lançar nomes para substituir o presidente Michel Temer em 2019. A fragmentação ocorre em todos os campos políticos: na direita, no centro e na esquerda.

Pela primeira vez desde 2006, o MDB, considerado a noiva da campanha estadual, pode ser adversário do PT em Minas Gerais. Em nome da manutenção do matrimônio, deputados estaduais e federais mineiros até tentam manter o casamento.

Eles chegaram a enviar carta ao presidente nacional do MDB, Romero Jucá, pedindo apoio para que fizessem "as coligações que julgar mais acertadas para o pleito de 2018". O comando nacional da legenda, contudo, não aprova a continuidade da união e pressiona pelo divórcio.

Na tentativa de criar um palanque a Michel Temer, que avalia disputar a reeleição, a ideia é lançar ao comando do estado o atual vice-governador, Antônio Andrade. O partido realizará consulta para tomar a decisão.

"Eu defendo que a sigla dispute a sucessão presidencial, mas estou preocupado com a disputa estadual. Se não tivermos coligação, o MDB em Minas Gerais vai afundar", afirma o deputado federal Mauro Lopes (MDB-MG).

Na Bahia, a parceria entre DEM e PSDB também deve ser desfeita, acabando com um relacionamento de oito anos. A ideia inicial era que seguissem juntas em torno da candidatura do prefeito de Salvador, ACM Neto (DEM).

Com a desistência dele de participar da disputa, as legendas devem romper e ter nomes adversários, que garantam palanques para os presidenciáveis Geraldo Alckmin (PSDB) e Rodrigo Maia (DEM).

No início deste mês, o deputado federal João Gualberto foi oficializado pré-candidato tucano ao governo baiano. No DEM, o ex-prefeito de Feira de Santana José Ronaldo se licenciou do cargo para a disputa estadual.

Já em São Paulo, o casamento entre PSDB e PSB passa por uma separação litigiosa, com direito a processos e ofensas. Com o apoio de Geraldo Alckmin, que deixou o governo para disputar a eleição presidencial, Márcio França (PSB), que substituiu o tucano, tentará a reeleição.

Com denúncias contra Aécio, PSDB e DEM podem se aproximar em MG

Por Marcelo Ribeiro, Raphael Di Cunto e Marcos de Moura e Souza | Valor Econômico

BRASÍLIA E RIO - A decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de tornar réu o senador Aécio Neves (PSDB-MG) na semana passada pode encurtar o caminho da possível aliança entre os pré-candidatos Geraldo Alckmin, do PSDB, e Rodrigo Maia, do DEM, na corrida presidencial. A parceria na disputa nacional será, segundo fontes consultadas pelo Valor, um desdobramento de uma eventual dobradinha entre tucanos e democratas em Minas Gerais. A decisão, está nas mãos do senador Antonio Anastasia (PSDB-MG), pré-candidato do PSDB ao governo mineiro.

Aécio deve decidir se será ou não candidato a algum cargo este ano e levar em conta o quanto pode prejudicar as demais campanhas tucanas se tentar um novo mandato, de acordo com o presidente do PSDB mineiro, o deputado federal Domingos Sávio.

"Vamos respeitar a decisão que ele vier a tomar, mas o que todos entendem é que não se pode esperar indefinidamente por essa decisão", disse ele ao Valor.

"Se a gente passar a campanha de Alckmin e de Anastasia discutindo se Aécio cometeu ou não crime, vamos perder o foco", disse o deputado mineiro.

Além do processo do qual virou réu esta semana, que envolve a transferência às escondidas, dentro de malas, de R$ 2 milhões do empresário Joesley Batista para Aécio, o tucano também foi alvejado na sexta por três novas acusações. Uma é a que Batista teria dado, entre 2015 e 2017, uma mesada de R$ 50 mil ao senador de forma disfarçada como pagamento de propaganda na rádio que transmite a Jovem Pan em Belo Horizonte. A rádio é de sua família.

Outra é que ele teria tentado interferir na indicação de delegados da Polícia Federal de modo a enfraquecer a Lava-Jato. Por fim, o jornal "O Globo" divulgou que ele teria sido beneficiário de repasses milionários feitos por Joesley Batista para financiamento ilegal de campanha. Em depoimento à Polícia Federal na quinta-feira, Joesley afirmou ter repassado R$ 110 milhões a Aécio durante as eleições de 2014. O senador nega que tenha cometido ilegalidades em todos os casos.

Em conversas reservadas, Anastasia teria afirmado que acredita que pode ter seu desempenho nas urnas afetado pelo fator Aécio.

O cineasta do povo

Nelson Pereira dos Santos foi um sóbrio observador do Brasil, retratando os excluídos sem demagogia

André Miranda | O Globo 

Em 2011, Nelson Pereira dos Santos me ligou. “Oi, André, aqui é o Nelson, avô da Mila.” Ele queria falar sobre seu filme “A música segundo Tom Jobim”. Era um cineasta de 80 e tantos anos, reconhecido e admirado por uma carreira brilhante, ligando para um crítico 50 anos mais jovem. Ele não se apresentou como o Nelson do Cinema Novo, como o imortal que adaptou clássicos da literatura brasileira ou como o cineasta de “Rio Zona Norte” (1957) e “Como era gostoso o meu francês” (1971).

Era apenas o Nelson, um avô que gostava de se sentar na varanda de seu apartamento no Largo dos Leões, no bairro do Humaitá, para tomar uma cachaça — nos últimos anos, mudou para saquê —, servir um nhoque que ele próprio cozinhava e trocar uma prosa.

É aquele Nelson, o avô da minha amiga Mila, e também de Thalita, Bruno, Carolina e Gabriel, quem será velado hoje, na Academia Brasileira de Letras (ABL), a partir das 9h (o corpo será enterrado às 16h no cemitério São João Batista). Ele foi eleito imortal em 2006, na cadeira número 7, cujo patrono é Castro Alves, o poeta da resistência, o poeta do povo. Foi o assento apropriado: Nelson, com seu cinema, também foi um poeta do povo.

Paulistano, formado em Direito na USP, ele foi o cineasta que retratou os marginalizados, os excluídos, os retirantes. Foi o diretor de “Rio, 40 graus” (1955), filmando a favela ao som de Zé Ketti muito antes de alguém inventar o horroroso termo “favela movie”. O neorrealista “Rio, 40 graus” nasceu da admiração que Nelson desenvolvera pelos filmes dirigidos por Roberto Rossellini e pelos roteiros escritos por Cesare Zavattini. A Vera Cruz fora fechada em 1954, e a Atlântida se aproximava do fim. A proposta de Nelson, ao narrar a história de meninos pretos e favelados que vendiam amendoim nas ruas quentes do Rio, foi fazer um novo cinema brasileiro. Pouco depois, não à toa, ele foi o montador do primeiro longa-metragem de Glauber Rocha, “Barravento” (1962). A mensagem ecoava: adeus chanchadas, bem vindo o Cinema Novo.

Nelson foi o precursor. Antes de “Rio, 40 graus”, ele já indicava a trajetória política que marcaria sua carreira. Foi filiado ao Partido Comunista Brasileiro (PCB) e, em 1950, fez o curta “Juventude”, sobre trabalhadores de São Paulo. No ano seguinte, escreveu na antiga revista “Fundamentos” que era preciso criar uma cinematografia que reproduzisse “na tela a vida, as histórias, as lutas, as aspirações de nossa gente”.

Cacá Diegues: Uma luz que não se apaga

- O Globo

Nelson carregou, como suas, as dores à sua volta

Como todo grande artista, Nelson Pereira dos Santos é uma luz que ilumina a criação de um povo, um marco cultural na história de seu tempo e do tempo que virá depois dele. Uma luz que não se apaga.

Nelson pertence a uma família de artistas modernos que escolheram carregar, como suas, as dores à sua volta. Que fabricaram um projeto de solidariedade universal, capaz de levar sua luz às multidões, com um único sagrado segredo: o da própria vida que deve ser vivida por todos, em sua total inteireza. Nelson foi o barqueiro que levou a canoa do gênio modernista ao porto instável do cinema.

O que ele propunha com seus dois filmes inaugurais, “Rio, 40 graus” (1955) e “Rio Zona Norte” (1957), e o que produzira para Roberto Santos, “O grande momento” (1958), foi bem compreendido pelos cineastas mais jovens, aqueles que logo formariam o Cinema Novo. Era preciso se interessar pelo ser humano mais próximo, sem piedade e sem demagogia, como se se estivesse descobrindo o povo através de sua própria cultura.

No período de aproximação com seus jovens discípulos, no início dos anos 1960, Nelson iria montar “Barravento”, primeiro longa-metragem de Glauber Rocha; “Pedreira de São Diogo”, o episódio de Leon Hirszman em “Cinco vezes favela”; e “O menino da calça branca”, de Sérgio Ricardo. Montando meu episódio do mesmo “Cinco vezes favela”, eu e Ruy Guerra, que estudara em escola europeia de cinema, aderíamos ao grupo. Vivemos tardes e noites de euforia, à mesa de edição, ouvindo as explicações sobre como devia ser do jeito que, suavemente, Nelson sugeria.

Apesar da importância de seus filmes anteriores, “Vidas secas” (1963) era o resultado de tudo aquilo que Nelson nos ensinara, mais o que havíamos aprendido por nossa conta. O gosto por um realismo não necessariamente naturalista, voltado para costumes inéditos, fazia de seus heróis, seres dos quais não devíamos sentir pena como superiores a eles, mas com os quais devíamos nos solidarizar. Impressionados pela luz inédita de Luiz Carlos Barreto, sentíamo-nos responsáveis pelas vidas secas dos heróis, mas não culpados por elas.

É tão imensa a sua importância fundadora, que mesmo o jovem cineasta de hoje, que nunca tenha visto um filme de Nelson, é necessariamente tributário do que ele fez. Ainda que não saibam disso, cada fotograma dos filmes de cineastas brasileiros de qualquer idade, estará sempre impregnado pelo rastro de luz deixado por Nelson Pereira dos Santos. Nelson é um marco eterno no cinema e na cultura do Brasil.

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Cacá Diegues é cineasta

Carlos Drummond de Andrade: A excitante fila do feijão

Adicionar legenda
Larga, poeta, a mesa de escritório,
esquece a poesia burocrática
e vai cedinho à fila do feijão.

Cedinho, eu disse? Vai, mas é de véspera,
seja noite de estrela ou chuva grossa,
e sem certeza de trazer dois quilos.

Certeza não terás, mas esperança
(que substitui, em qualquer caso, tudo),
uma espera-esperança de dez horas.

Dez, doze ou mais: o tempo não importa
quando aperta o desejo brasileiro
de ter no prato a preta, amiga vagem.

Camburões, patrulhinhas te protegem
e gás lacrimogêneo facilita
o ato de comprar a tua cota.

Se levas cassetete na cabeça
ou no braço, nas costas, na virilha,
não o leves a mal: é por teu bem.

O feijão é de todos, em princípio,
tal como a liberdade, o amor, o ar.
Mas há que conquistá-lo a teus irmãos.

Bocas oitenta mil vão disputando
cada manhã o que somente chega
para de vinte mil matar a gula.

Insiste, não desistas: amanhã
outros vinte mil quilos em pacotes
serão distribuídos dessa forma.

A conta-gotas vai-se escoando o estoque
armazenado nos porões do Estado.
Assim não falta nunca feijão-preto

(embora falte sempre nas panelas).
Método esconde-pinga: não percebes
que ele torna excitante a tua busca?

Supermercados erguem barricadas
contra esse teu projeto de comer.
Há gritos, há desmaios, há prisões.

Suspense à la Hitchcock ante as cerradas
portas de bronze, guardas do escondido
papilionáceo grão que ambicionas.

É a grande aventura oferecida
ao morno cotidiano em que vegetas.
Instante de vibrar, curtir a vida

na dimensão dramática da luta
por um ideal pedestre mas autêntico:
Feijão! Feijão, ao menos um tiquinho!

Caldinho de feijão para as crianças...
Feijoada, essa não: é sonho puro,
mas um feijão modesto e camarada

que lembre os tempos tão desmoronados
em que ele florescia atrás da casa
sem o olho normativo da Cobal.

Se nada conseguires... tudo bem.
Esperar é que vale - o povo sabe
enquanto leva as suas bordoadas.

Larga, poeta, o verso comedido,
a paz do teu jardim vocabular,
e vai sofrer na fila do feijão.