- O Estado de S.Paulo
A utopia do novo paraíso societário, à luz do socialismo real, não atraiu maiorias sociais...
Eis uma tarefa de alto risco. São temas vastíssimos, associados a uma literatura oceânica. Uma biblioteca dedicada a esses assuntos seria gigantesca, 200 anos após o nascimento de Karl Marx. Ao propor uma sociedade radicalmente diferente em nome do socialismo, essa foi uma tradição política que estimulou amor e ódio, ideologias sacrossantas e também guerras e extermínios. E foi um ideário dominante durante quase meio século, pois entre 1949, a chegada de Mao ao poder na China, e 1989, com a queda do Muro, quatro em cada dez cidadãos do mundo viveram sob governos que se diziam marxistas.
Li tudo o que foi escrito por Marx, desde que me apaixonei pelas aparentes certezas defendidas pelos marxistas brasileiros na lendária revista Encontros com a Civilização Brasileira, na década de 1960. Jovem, quem não seria magnetizado por promessas de igualdade e uma sociedade justa? Não consegui concluir apenas os três volumes das áridas Teorias da Mais-Valia, que o autor alemão escreveu disciplinadamente entre 1861 e 1863 na biblioteca do Museu Britânico, em Londres. Eram os volumes preparatórios para sua maior obra, O Capital, cujo primeiro volume veio a lume em 1867.
No doutoramento, também na Inglaterra, continuei estudando essa tradição política. São quase cinco décadas de pesquisa. Assim, submeto curtas e simplificadas formulações sobre os três temas principais deste comentário.
Sobre Marx: um autor genial, um dos maiores pensadores de todos os tempos. Febrilmente criativo e capaz de interpretar a sociedade humana como um todo, Marx foi leitor insaciável, movido por raríssima inteligência.
Percebeu como nenhum outro autor a chegada de um novo modo de vida, o capitalismo. Ainda que sua obra contenha inúmeros erros, ninguém, antes ou depois, identificou tão claramente os mecanismos essenciais desse regime econômico, em especial a sua intrínseca instabilidade, o que produz crises cíclicas. Causa perplexidade a sua capacidade analítica, considerando que escreveu quando inexistiam dados factuais adequados. A leitura de Marx, se feita desapaixonadamente, é essencial para todos os que desejarem entender o mundo dos humanos.