sexta-feira, 1 de junho de 2018

Marcus Pestana: Por um polo democrático e reformista

FAP - (Fundação Astrojildo Pereira)

No próximo dia 5 de junho, no Salão Verde da Câmara dos Deputados, será lançado o manifesto “Por um polo democrático e reformista”. Entre os signatários temos a presença do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, do senador Cristovam Buarque (PPS-DF), de intelectuais da estatura de Luiz Werneck Vianna, Bolívar Lamounier e Celso Lafer, do humorista Marcelo Madureira, dos ministros Aloysio Nunes Ferreira e Raul Jungmann e de deputados de diversos partidos.

A preocupação é clara: a possibilidade do campo democrático e reformista, por sua excessiva fragmentação, ficar fora do segundo turno. Como brincou o senador Cristovam Buarque, em uma das reuniões preparatórias, “não podemos admitir passivamente que o segundo turno seja entre a catástrofe e o desastre. Precisamos de uma alternativa que seja socialmente progressista, economicamente responsável e politicamente democrática”.

O documento visa se transformar em alavanca para pavimentar o caminho para um diálogo franco e aberto entre os pré-candidatos que atuam em campo diverso do populismo autoritário e radical, de direita e de esquerda.

O manifesto faz um diagnóstico profundo da atual crise e da complexidade que envolve as eleições de 2018. E ressalta: “Tudo que o Brasil não precisa, para a construção de seu futuro, é de mais intolerância, radicalismo e instabilidade”. Aponta a experiência, o diálogo, a serenidade, o respeito à diversidade e a competência comprovada como o caminho a seguir.

E afirma: “É neste sentido que as lideranças políticas e intelectuais que assinam este manifesto conclamam todas as forças democráticas e reformistas a se unirem em torno de um projeto nacional, que a um só tempo, dê conta de inaugurar um novo ciclo de desenvolvimento econômico e social, e afaste o horizonte nebuloso de confrontação entre os extremos radicalizados”.

Confira a íntegra do Manifesto:

Por um polo democrático e reformista

“O Brasil vivenciou recentemente uma das maiores crises de sua história com múltiplas faces que interagem e se retroalimentam. Instabilidade política aguda, recessão econômica profunda, estrangulamento fiscal, corrupção endêmica e institucionalizada, radicalização em um ambiente social marcado pela desesperança, a intolerância e o sectarismo, conflitos e desarmonia entre os poderes republicanos. Faltam pouco mais de quatro meses para as eleições presidenciais. É uma oportunidade rara e única de recolocar o país nos trilhos, desenhando uma trajetória de retomada dos valores fundamentais da ética, do trabalho, da seriedade, do espírito público e dos compromissos com a liberdade, a justiça social e o desenvolvimento sustentável.

A eleição de 2018 se apresenta talvez como a mais complexa e indecifrável de todo o período da redemocratização. Existem ameaças e oportunidades, interrogações e expectativas, perplexidades e exigências da realidade povoando o ambiente pré-eleitoral.

Tudo que o Brasil não precisa, para a construção de seu futuro, é de mais intolerância, radicalismo e instabilidade. Para nos libertarmos dos fantasmas do passado, superarmos definitivamente a presente crise e descortinarmos novos horizontes é central a construção de um novo ambiente político que privilegie o diálogo, a serenidade, a experiência, a competência, o respeito à diversidade e o compromisso com o país.

É neste sentido que as lideranças políticas que assinam este manifesto conclamam todas as forças democráticas e reformistas a se unirem em torno de um projeto nacional, que a um só tempo, dê conta de inaugurar um novo ciclo de desenvolvimento social e econômico, a partir dos avanços já alcançados nos últimos anos, e afaste um horizonte nebuloso de confrontação entre populismos radicais, autoritários e anacrônicos.

Esta iniciativa, e isso é vital para seu sucesso, deve agregar, de forma plural, liberais, democratas, socialdemocratas, democratas cristãos, socialistas democráticos, numa discussão franca e aberta, sobre os nossos atuais dilemas e os caminhos para a construção do futuro desejado para o Brasil.

Este projeto nacional, visando à construção da necessária e urgente unidade política nas eleições, não deve ser obra de uma dúzia de líderes políticos e intelectuais. Para pavimentar o caminho da unidade terá obrigatoriamente de ser obra coletiva, envolvendo partidos políticos, lideranças da sociedade civil e todos aqueles que pensam o Brasil fora do paradigma autoritário, populista, atrasado e bolivariano.

Os que assinam esse manifesto lançam, como contribuição inicial ao debate e ao esforço coletivo que poderá ser desencadeado, pontos essenciais que podem gerar consensos progressivos em torno da agenda nacional e dos avanços necessários, a partir de uma perspectiva democrática e reformista. Vão aí ideias iniciais para alimentar o debate:

1 – A defesa intransigente da liberdade e da democracia como caminho para a construção do futuro do país, com o fortalecimento das instituições republicanas em sua harmonia e independência, dos direitos individuais e das minorias e da reforma profunda do sistema político com vistas a recuperar os laços perdidos com a sociedade brasileira, erguendo um sistema de representação efetivo submetido a controles sociais eficientes e com suas relações com a população presididas pela transparência e a participação.

2 – A luta contra todas as formas de corrupção, seja no comportamento de servidores públicos, seja na definição de prioridades que não reflitam o interesse público. Reafirmamos o compromisso inflexível com a ética e a honestidade. Tornar cada vez mais público e transparente o espaço público. E desencadear um processo profundo e irreversível de avanços institucionais na consolidação dos mecanismos de controle internos, externos e sociais.

3 – Prioridade absoluta para a transformação inadiável de nosso sistema educacional como elemento central do desenvolvimento nacional na era do conhecimento e da inovação. Todos os esforços governamentais devem ser voltados e a mobilização da sociedade deve ser concentrada no desenvolvimento da educação na primeira infância e na qualificação do ensino fundamental. Esse é o principal desafio brasileiro. Não adianta universalizar sem qualidade. É preciso democratizar as oportunidades garantindo às crianças e aos jovens brasileiros o acesso ao conhecimento e aos valores necessários para enfrentarem as demandas da vida contemporânea, preparando-os para a cidadania e para uma inserção inclusiva no mundo da produção. Devem merecer atenção especial ainda o combate à evasão escolar no ensino médio, o fortalecimento do ensino técnico e a inserção das Universidades no esforço de desenvolvimento nacional. Se é verdade que saúde e segurança defendem a vida, só a educação de qualidade pode transformar a vida, combinada com estratégias inteligentes, criativas e eficazes de desenvolvimento científico e tecnológico. Sem isso o Brasil perderá mais uma vez o “bonde da História”.

Fernando Gabeira*: O bloqueio das ideias

- O Estado de S.Paulo

É tempo também de reorganizar a cabeça, depois desse movimento dos caminhoneiros que parou o País

Aos poucos volta a gasolina aos postos e os alimentos às prateleiras. É tempo também de reorganizar a cabeça, depois desse movimento dos caminhoneiros que parou o País.

Sim, é preciso reorganizar a cabeça. Não vai nisso nenhuma subestimação da inteligência. É que os fatos nos obrigam a uma constante revisão.

Esta semana, por exemplo, lembrei-me duma viagem a Santa Maria, no Rio Grande do Sul. Isso foi na década dos 90. Rodávamos por estradas precárias e perguntei por que não as reparavam. Alguém me disse que as estradas ali estavam perto da fronteira com a Argentina. Eram tão ruins que desestimulavam uma invasão militar.

Achei bizarro. Afinal, estamos de bem com a Argentina, já havíamos resolvido a questão nuclear fraternalmente. Aquilo era uma desculpa esfarrapada.

Voltando atrás no tempo, sigo pensando que as estradas devem ser as melhores possíveis. Mas percebo, com a paralisação da semana, que num país como o nosso deveriam ser um tema dominante na defesa nacional.

Um país não pode ser tão vulnerável. As notícias de perdas se sucedem: portos, agricultura, comércio, indústria, quase todos os setores da economia nacional foram atingidos.

Isso não quer dizer que nunca mais haverá greve de caminhoneiros. Simplesmente não podem ser devastadoras como esta.

A segunda ideia: como as coisas acontecem sem que sejam detectadas no País. As manifestações de 2013 começaram por causa dos 20 centavos a mais no preços das passagens. E surpreendentemente evoluíram para um protesto geral.

Onde estávamos todos? Talvez mais concentrados no jogo político de Brasília do que propriamente nas tensões sociais. Onde estava o governo, que recebeu uma indicação clara da greve e a subestimou?

Se fosse um pouco mais franco e transparente, pelo menos avisaria à sociedade que algo de muito grave estava para acontecer. Se não quisesse nos defender, ao menos acionaria nossos instintos de autodefesa. Não são necessariamente negativos como uma corrida aos supermercados. Havia muito o que fazer para salvar vidas, garantindo oxigênio, material de hemodiálise, enfim, artigos decisivos para a saúde pública.

As refinarias foram bloqueadas. Como, assim, as refinarias podem ser bloqueadas simultaneamente? Os grevistas chegaram primeiro, embora tenham avisado que iriam desfechar o movimento.

Compreendo a revolta difusa contra políticos que vivem no mundo da lua. Creio que ela é inevitável no Brasil de hoje, em que a sociedade já esgotou sua cota de tolerância.

O governo Temer está preocupado em fugir da polícia e influenciar as eleições. Ele merece uma dose de caos para cair na real. Mas a sociedade, não. Ele já vem sofrendo ao longo desses anos de crise, corrupção, assalto às empresas públicas, como a Petrobrás.

Existe alguma fórmula para evitar que um governo fraco fique de joelhos sem que para isso o próprio País também tenha de se ajoelhar?

O que me ocorre, as ideias ainda não voltaram todas às prateleiras: é um instrumento de Estado, uma lei talvez, que defina que o País não pode parar, independentemente das hesitações do governo.

Ao governo caberia negociar, mas dentro de um quadro em que estradas e refinarias não poderiam ser bloqueadas. Isso subordinaria as próprias negociações.

Merval Pereira: Sem substituto

- O Globo

A frase, atribuída a Lula e não desmentida, que define o candidato do PDT à presidência da República Ciro Gomes (PDT) como “um bom quadro, mas não um líder”, é exemplar do tipo de liderança que o ex-presidente exerce no Partido dos Trabalhadores.

Mais que isso, mostra como ele persiste na ação de não deixar que uma nova liderança de esquerda surja à sua sombra, muito menos fora do PT. O “sapo barbudo” engoliu seu principal concorrente, Leonel Brizola, autor do apelido, transformando-o em seu vice em 1998 para depois descartá-lo, assumindo a liderança da esquerda brasileira sem concorrentes de peso.

Essa é uma das razões por que Lula hoje não quer que Ciro seja a alternativa à sua candidatura. Confirmando que se trata mesmo de uma “metamorfose ambulante”, Lula volta ao “principismo” das origens do PT. Essa expressão vem do início dos anos 1980 do século passado, quando se discutia a criação do Partido dos Trabalhadores.

Na impossibilidade de encontrar definições que agradassem às várias tendências e grupos internos, a estratégia do partido acabou sendo subordinada ao que chamam de “principismo”, uma série de princípios gerais supostamente de esquerda que poderiam ser adotados por qualquer corrente sem constrangimentos.

Eliane Cantanhêde: Nem golpe nem Venezuela

- O Estado de S.Paulo

A greve deixa uma conta altíssima, mas as instituições funcionam

A bandeira da “intervenção militar já” é mais nociva do que o refrão “o Brasil vai virar uma Venezuela”. Nenhuma das duas coisas vai acontecer, mas pregar a ditadura é grave e perigoso, enquanto falar em venezuelização é apenas marketing leviano. Logo, uma mobiliza desmentidos e esconjuros até das Forças Armadas, enquanto a outra não passa de papo de botequim.

A paralisação dos caminheiros sacudiu o governo, acionou o Legislativo e o Judiciário e deixou um rastro de prejuízos bilionários, mas ensinou duas lições: 1) diferentemente do que ocorre na Venezuela, as crises são pontuais, enfrentadas por instituições sólidas e solucionadas; 2) a insatisfação é generalizada, inclusive nos meios militares, mas não há lideranças dispostas a transformar o caos em inferno.

Os radicais são ruidosos, muitas vezes ruinosos, mas são sempre minoria. Têm força para aproveitar uma paralisação com motivos justos para fazer um movimento político sem pé nem cabeça e com pedradas contra os que se dão por satisfeitos e só pensam em voltar para casa com o troféu – e as vantagens – da vitória.

César Felício: O aval

- Valor Econômico

Assombração parlamentarista volta ao cenário

A decisão da presidente do Supremo Tribunal Federal, Cármen Lúcia, de colocar em pauta uma consulta dos anos 90 que estabelece se é possível ou não a instituição de um parlamentarismo a toque de caixa, sem plebiscito, repete um padrão do STF desde 2016: com seu jeito silencioso, com o discreto charme de seus discursos acacianos, a ministra torna maiores problemas já imensos, dado o grau de incerteza jurídica que sua gestão imprime.

A depender da decisão dos 11 ministros do Supremo, estará dado o endosso para uma aventura golpista - não há outro nome possível - que seria desencadeada no Legislativo para aguar a eleição presidencial de outubro.

É perturbador que Cármen Lúcia ressuscite o tema e na sequência tome a palavra no plenário do Supremo para alertar que a democracia corre riscos. A ministra em nenhum momento mencionou a possibilidade de uma ruptura institucional patrocinada pelos militares, mas é claro que é a isso que se referiu quando afirmou que "regimes sem direitos são passados de que não se pode esquecer e nem de que se queira lembrar". A magistrada avisou que estava pronta para o ativismo quando ressaltou: "somos juízes brasileiros, mas antes de tudo somos cidadãos comprometidos e responsáveis pelas necessidades dos brasileiros". O grave momento político, econômico e social fará com que o Supremo aja de ofício, por assim dizer, para evitar o mal maior, que seria a destruição da democracia.

Em 1961 o parlamentarismo já foi a saída civil para deter uma ameaça maior, o levante militar ou um governo do PTB, a depender de como se interpreta aquela quadra. Para tomar posse, João Goulart concordou em emascular seus poderes, abdicando da chefia do governo para um Congresso que não tinha legitimidade para tal. O mesmo espírito casuístico pode imperar na ressurreição do tema. Não é impossível que se pense no parlamentarismo para impor o tal "centro" que os eleitores resistem em valorizar como opção na eleição presidencial.

Bruno Boghossian: Candidato fantasma

- Folha de S. Paulo

Sigla insiste no nome do ex-presidente, afasta aliados e reduz peso político

O PT paga um preço alto ao carregar um candidato fantasma na etapa pré-eleitoral. Ao insistir na improvável participação de Lula na disputa, o partido afasta potenciais aliados, confunde eleitores e reduz seu peso na cena política cotidiana.

A percepção consolidada de que o ex-presidente terá seu registro negado torna absurdas as condições de negociação entre o PT e outras siglas.

Em uma reunião há três semanas, um dirigente do PSB tentou arrancar dos petistas o nome do substituto de Lula —já que a definição terá impacto sobre eleições locais. Um líder do PT respondeu o de sempre: o ex-presidente será candidato.

Ao ouvir o discurso, o socialista se irritou. Disse que era impossível fazer campanha para um político que não chegará às urnas, e que não daria um cheque em branco aos petistas em troca de apoio em seu estado.

O prejuízo dessa estratégia não convence o PT a apresentar outro candidato porque, segundo cálculos da sigla, o estrago é inevitável.

A presidente do PT, Gleisi Hoffmann, explicou essa lógica de maneira pragmática: “Nossa base não vai ver automaticamente se aquela pessoa [outro candidato] vai conseguir efetivamente substituir o Lula”.

José de Souza Martins: O caminhonaço

- Eu &Fim de Semana | Valor Econômico

O caminhonaço que parou o país nos últimos dias e provavelmente causou prejuízos de bilhões de reais, tanto ao próprio governo quanto à economia privada, é um desses episódios reveladores do que é a crise atual da sociedade brasileira. As revelações são várias, tanto dos seus níveis ocultos quanto dos seus níveis explícitos.

Uma delas é a do vazio do poder. O Estado brasileiro passou por transformações profundas nas últimas décadas: na redemocratização de 1946, no golpe de 1964, no fim do regime militar em 1985 e com a Constituição de 1988. Progressivamente, a representação política popular foi sendo descaracterizada e esvaziada. Os partidos deixaram de representar ideias e doutrinas e decorrentes projetos alternativos de nação. Passaram a representar grupos de interesses, secundarizaram os diferentes grupos de identidade e classes sociais que constituem a diversidade do que é propriamente o povo brasileiro.

O vazio ganhou visibilidade e intensidade nos movimentos de rua de 2013, cujos atores levaram ao impedimento da presidente da República. Até então, o Partido dos Trabalhadores havia cooptado os movimentos populares surgidos à margem do sistema partidário e lhes servira de mediação política. Permitiu-lhes atuar como sujeitos, ainda que adjetivos, da estrutura política do Estado. A partir de então ficou evidente que a margem vinha para o centro do processo político, escapava do controle do PT e escapava da própria política.

Não obstante, uma pobre concepção binária da política cegou as esquerdas, sobretudo o próprio PT, para a nova realidade social e política do país, complexa, diversificada, povoada de sujeitos com nova cara, novas funções sociais e econômicas, novas modalidades de consciência, novas carências. Enquanto isso, políticos de carreira permaneceram agarrados ao poder e a uma visão de mundo atrasada em meio século ou mais.

Dora Kramer: Ilusão verde-oliva

- Revista Veja

A força das Forças Armadas é menor do que supõem alguns civis

Constatação provada e comprovada: gente fraca (governante ou governada) vivencia a própria fraqueza na ilusão de que possa importar fortaleza da gente autorizada e legalmente armada na sociedade, seja tal força oriunda da polícia, do Exército, da Marinha e/ou da Aeronáutica.

Daí termos hoje não só um governo fraco, mas também uma boa parcela da sociedade frágil, aquela que acredita no chamado “ao general” para resolver as coisas. No que tange ao Planalto, ele não resolveu a situação do Rio de Janeiro nem deu o jeito esperado na esquisitíssima greve dos transportadores de insumos essenciais ao funcionamento das cidades.

No tocante a boa parte do eleitorado que aparece nas pesquisas justificando a intenção de voto em Jair Bolsonaro pelo desejo de “volta dos militares” ao comando do país, a História conta a história de um equívoco, como a recente divulgação dos documentos da CIA que revelam o envolvimento direto do presidente-ditador Ernesto Geisel no assassinato de dezenas de brasileiros combatentes do regime militar.

Garotos e garotas precisam ser muito bem ensinados a respeito disso. Esse pessoal não viveu nem sofreu os horrores dos medonhos anos da ditadura. Algo diferente ocorre com os integrantes do atual governo, todos contemporâneos dos anos duros; embora nem todos tenham sofrido torturas, todos sabiam o que acontecia. Entusiastas do regime, colaboradores voluntários ou involuntários, quando não entusiastas do regime fechado.

É o caso dos integrantes da cúpula do atual governo. Quase todos filiados ao MDB, mas não praticantes do MDB de Ulysses Guimarães e companhia. Alguns são oriundos da Arena, outros emedebistas de ocasião, nenhum deles herdeiro da luta contra a ditadura. De onde se relacionam sem medo nem limites com os militares, dando a eles mais poderes do que seria aconselhável.

Ricardo Noblat: Engana-me que eu gosto

- Blog do Noblat

Digo o que você quer ouvir e você finge que acredita

O truque é velho, embora não tão velho assim, mas costuma funcionar. Meses antes de eleições, os políticos mais abastados encomendam pesquisas para saber o que pensam as pessoas sobre os assuntos que possam lhes render mais votos. E depois ajustam seus pontos de vista às opiniões expressas pela maioria dos entrevistados.

Parece democrático, mas não é. Não passa de um engodo. Que quase sempre resulta em estelionato eleitoral. Os políticos servem aos eleitores o que os eleitores querem ouvir, mas não necessariamente o que eles pensam. E assim mentem, escamoteiam. E assim também transfiguram a realidade que enfrentarão mais tarde se eleitos.

Fernando Henrique Cardoso fez isso, por exemplo, para se reeleger em 1998. Não precisou de pesquisas para saber que perderia a eleição se admitisse a verdadeira situação falimentar do país, muito menos que seria forçado a desvalorizar o real. Negou que pretendesse fazê-lo. Mas o fez logo no primeiro mês do seu segundo mandato.

Dilma Rousseff agiu da mesma forma para se reeleger em 2014. Jamais admitiu promover um duro ajuste fiscal se eleita. Dizia que ajuste era discurso da oposição ao seu governo, interessada em derrotá-la. Uma vez reeleita, tentou fazer o ajuste. Cortou gastos com projetos sociais. Faltou-lhe vontade e também apoio para completar a tarefa.

Singer×Sallum

O cientista político e o sociólogo divergem sobre o impeachment e as origens da crise política atual

Por Ruan de Sousa Gabriel | O Globo / Época

• A crise e as eleições por dois respeitados intelectuais brasileiros A greve dos caminhoneiros torna mais aguda a crise política que o Brasil vive?

ANDRÉ SINGER A crise que estamos vivendo agora é decorrência da ruptura inconstitucional que ocorreu em 2016. A derrubada da Dilma por um golpe parlamentar, por uma manobra, representou um esgarçamento da democracia. A fraqueza do governo Temer, que fica visível com a crise dos caminhoneiros, é consequência dessa ruptura institucional. É um governo que tem muita dificuldade para encaminhar uma solução para uma situação desta gravidade. Infelizmente, o que estamos vivendo é consequência de um conjunto de decisões muito mal encaminhadas desde aquela época. Temos de conseguir atravessar este período difícil para chegar até as próximas eleições dentro de condições normais, dentro do calendário normal e, com isso, conseguir virar essa página. A legitimidade do governo Temer é muito baixa. Portanto, ele tem muita dificuldade para solucionar situações como esta que estamos vivendo. A crise é consequência da ruptura institucional e do esgarçamento da democracia que começou a ocorrer com o impeachment da ex-presidente Dilma.

BRASILIO SALLUM Nossa democracia está em crise. Essa crise se manifestou no impeachment de Dilma e nas tentativas de impedir o presidente Temer. O exercício do poder ficou muito difícil. A situação na qual ocorreram as paralisações dos caminhoneiros já era uma situação de fragilidade. Temer não tem força para dirigir o processo. A greve dos caminhoneiros não enfraqueceu o governo. O governo já estava fraco. O Estado brasileiro não consegue definir seus rumos. Não é uma crise nova. Estamos em crise há muito tempo. O impeachment da Dilma foi uma “solução” institucional que não superou a crise. É uma crise grave, que afetou muito a organização do Estado brasileiro, deslegitimando todo o sistema político, que se assentava num solo de corrupção. A greve dos caminhoneiros revelou a fragilidade do governo, as dificuldades do governo para exercer autoridade. Mas tudo isso já vem de muito tempo.

• Foi golpe?

AS Foi golpe. É preciso reconhecer que a Constituição prevê o impeachment, mas exige a comprovação de crime de responsabilidade, o que jamais ficou demonstrado. Logo depois da reeleição de Dilma, diversas forças políticas, como o PSDB, começaram a questionar a legitimidade da presidente. Nos bastidores, Eduardo Cunha começou a trabalhar para que a presidente não concluísse seu mandato. E a extrema-direita começou a fazer manifestações pelo impeachment imediatamente, uma pauta que, na época, ninguém assumia. Até o PSDB era crítico da ideia de um impeachment sem base. Essa falta de embasamento jurídico persistiu. O impeachment de Dilma claramente não se sustenta do ponto de vista legal. É por isso que eu afirmo que, sim, houve um golpe parlamentar.

BS Não foi golpe. O termo “golpe parlamentar” é uma figura de retórica que foi utilizada por quem perdeu. Collor também falava em “golpe parlamentar”. Temos de reconhecer o valor das regras democráticas. Os perdedores da disputa democrática não devem desqualificar as regras. Não se pode dizer que o impeachment não tem base jurídica ou que dois terços da Câmara e do Senado são golpistas porque concluíram que as pedaladas fiscais constituem crime de responsabilidade. Os perdedores podem discordar da tese, mas isso não transforma os outros em golpistas. Infelizmente, esse discurso do “golpe” se manteve, o que prejudica a democracia, pois desqualifica as regras segundo as quais vivemos. Mas, principalmente, esse discurso do “golpe” é um equívoco político tremendo porque tira do principal partido de esquerda do país a capacidade de negociar ao desqualificar seus adversários e transformá-los em inimigos.

• Por que Dilma caiu se, diferentemente do que aconteceu no impeachment de Collor, não havia um amplo consenso das forças políticas em favor de sua destituição?

AS Também por isso podemos falar em golpe. Para derrubar Dilma, formou-se uma maioria relativa para atender ao número de votos que a Constituição exige. No entanto, não se formou nenhum consenso capaz de um impedimento, ao contrário do que ocorreu na época do ex-presidente Collor. Naquela época, havia um consenso no Congresso e na sociedade de que o mandato tinha de ser interrompido porque havia crime de responsabilidade. Nada disso aconteceu agora. Repito: formou-se uma maioria relativa, mas não um consenso que garantisse, além de razões legais, bases sociais e políticas para sustentar o impedimento.

BS No impeachment de Collor, houve um consenso entre as forças políticas que tinham promovido a redemocratização e a Constituição de 1988. Essas forças políticas democratizantes se articularam numa frente para evitar que Collor atuasse antidemocraticamente. Ele agia de forma extremamente voluntarista, não seguia as regras do presidencialismo de coalizão. Collor tinha uma coalizão precária e suspeitas de corrupção pessoal. No caso de Dilma, houve uma sucessão de equívocos da presidente, que tinha uma extraordinária dificuldade de manejar o sistema político — além de uma crise econômica terrível. Nos dois casos, eram presidentes voluntaristas e incapazes de manejar as demandas do Congresso. O que torna extraordinário o impeachment de Dilma é que não havia acusação de corrupção contra ela. Ela caiu por inabilidade política.

• Qual o peso da economia na queda de Dilma?

AS Enorme. É difícil quantificar, porque também houve a Lava Jato e a formação de uma frente antirrepublicana, comandada por Eduardo Cunha e Michel Temer. Mas, claro, a economia pesou muito. A ex-presidente tomou decisões econômicas consistentes. O problema não foi de competência. Não quero dizer que não tenha havido erros técnicos, mas, sim, que houve um plano econômico defensável e consistente, que respondia às demandas dos principais setores industriais, como desvalorização do real, queda dos juros e medidas de proteção à indústria. A nova matriz econômica era consistente, mas perdeu o apoio dos industriais. Dilma fez tudo isso para alavancar o investimento industrial, mas os empresários começaram a reclamar que o governo era muito intervencionista. Mas o governo intervinha em favor da indústria. Há um paradoxo político aí. De fato, em meados do primeiro mandato, Dilma perdeu uma base de apoio fundamental e não conseguiu se recuperar dessa perda.

BS Tremendo. Houve a junção de duas coisas: crise econômica e suspeita de corrupção. O ritmo da economia caiu violentamente a partir de 2014. A crise, combinada à percepção de corrupção no governo petista, criou um mal-estar que justificou a paulatina oposição dos empresários, que, inicialmente, apoiavam Dilma.

• Houve sete impeachments na América Latina entre 1992 e 2015. Esse número elevado contribui para a instabilidade das democracias da região?

AS O impeachment é um recurso constitucional para ser usado muito raramente. Na América Latina, o impeachment está se tornando uma espécie de semiparlamentarismo. Governos muito fracos são interrompidos, o que é um recurso típico de regimes parlamentaristas. Nestes, os governos caem quando não têm mais maioria parlamentar. Mas, na América Latina, não há parlamentarismo, e sim presidencialismo. Esse uso do impeachment é uma completa distorção de sua finalidade.

BS As democracias latino-americanos têm demonstrado extraordinária resistência. Os governos civis se mantiveram. Nos últimos 30 anos, os principais países do continente têm apresentado crescimento econômico medíocre se comparado ao desenvolvimento econômico pujante que ocorreu entre os anos 1930 e 1980. Depois dos anos 1980, houve uma queda assustadora do ritmo de crescimento. Nesse contexto de pobreza relativa, a preservação das regras democráticas é positiva. As quedas de presidentes simplesmente atestam que um presidente não pode governar de forma voluntariosa. Quando um presidente ultrapassa certos limites, ele não se sustenta mais. Ou se sustenta apenas na base da opressão.

Míriam Leitão: Balanço da greve

- O Globo

Toda greve tem pelo menos três atores: capital, trabalho e setor público. Na paralisação do transporte de carga, o capital não apareceu. Estava presente, mas escondido atrás do trabalho. O governo exibiu em suas hesitações a enormidade da sua fraqueza. Outros poderes ou bateram cabeça, como o Congresso, ou ficaram em silêncio prolongado. O que se viu foi um assustador vazio de poder.

Houve momentos em que a situação parecia fora de controle. O governo cometeu uma sucessão de erros primários no processo negociador, como o de ceder sem pedir contrapartida, fechar acordos com interlocutores que não representavam exatamente o movimento. Ameaçar prender quem descumpria a lei, para nada fazer no momento seguinte. Com essas ameaças sem consequência esvaía-se o pouco de sua credibilidade.

A estrutura do setor é complexa. Há os autônomos, mas muitos deles prestam serviço continuado a um mesmo cliente, portanto têm vínculos com empresas. Há os que pegam o serviço que aparece. Há milhares de empresas pequenas de dois ou três caminhões que são contratadas das grandes transportadoras, que têm também suas próprias frotas. Se, desde o começo do movimento, as empresas tivessem colocado suas frotas e seus contratados nas estradas, certamente o movimento dos caminhoneiros não teria chegado ao ponto em que chegou. Agora, os empresários dizem que não saíram com seus carros porque não havia segurança, mas o clima de insegurança foi criado com a aquiescência deles. É mais sutil do que o locaute clássico, mas fez o mesmo efeito de fortalecer um protesto que foi estrangulando o país e que causou enormes prejuízos ao setor produtivo. Na pauta de reivindicações havia assuntos do interesse das empresas, como a não oneração da folha salarial do setor. Quem paga salário é empresário e não autônomo. Por isso, esse pedido, atendido, foi a perfeita impressão digital da presença patronal no protesto.

Os manifestantes têm seus direitos, claro, e num país cheio de razões para o mau humor eles mostraram o deles, mas da pior forma. Poderiam ter parado seus caminhões e já provariam sua importância na economia brasileira sobre rodas e movida a diesel, mas eles sequestraram as vias públicas e nestes casos foram muito além do tolerável na democracia.

Rogério Furquim Werneck: Retrocesso populista

- O Estado de S. Paulo

Governo está impotente diante da chantagem imposta à sociedade, pronto a sacrificar avanços na política econômica

Levará algum tempo até que se possa ter compreensão clara do vertiginoso retrocesso por que passou a condução da política econômica no país, em menos de dez dias, a partir da segunda-feira, 21 de maio. Mas na história completa desse desastre não poderá faltar a constatação de que atores políticos importantes já vinham desfraldando bandeiras populistas desde a semana anterior.

Já no início da tarde da sexta-feira, 18, a Agência Estado reportava que o ministro de Minas e Energia, Wellington Moreira Franco, se permitira declarar que era preciso repensar a política de preços de combustíveis. Não foi uma manifestação isolada. Na manhã da segunda-feira, 21, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, cumprindo o que adiantara na véspera pelo Twitter, anunciou, em conjunto com o presidente do Senado, Eunício Oliveira, a criação de uma comissão geral do Congresso para debater “as sucessivas elevações de preços de combustíveis” (Agência Estado). No mesmo dia em que os protestos de caminhoneiros começaram a ganhar corpo país afora.

Tais fatos deixam mais do que claro que, tendo em vista a estreita ligação de Moreira Franco com o Planalto e a patente insegurança do presidente com o Congresso, a equipe econômica e a Petrobras estavam fadadas a entrar totalmente “vendidas” no jogo pesado que teve lugar na semana passada. Sem chance de contar com o respaldo do Planalto.

Armando Castelar Pinheiro: Mudança de cenário

- Valor Econômico

A confiança na melhora dos fundamentos após as eleições é hoje menor, outro motivo para a piora de expectativas

Ao final do ano passado, o cenário para a economia brasileira era bastante positivo. O ambiente externo era favorável: o crescimento do PIB mundial estava acelerando, mas a inflação de preços ao consumidor mantinha-se baixa e o mundo continuava mergulhado em ampla liquidez. Junto com uma queda do risco geopolítico, isso deveria manter elevado o apetite por ativos de países emergentes, sinalizando um cenário favorável para o real, a bolsa e os juros, como já ocorrera em 2017. Havia gente prevendo que a taxa de câmbio logo cairia abaixo de R$ 3 por dólar.

Aqui dentro, a inflação também se mantinha baixa, inclusive abaixo do piso da banda de tolerância do Banco Central (BC), e a expectativa era ter uma política monetária muito expansionista, que ajudaria a consolidar a recuperação do PIB. Esta, por sua vez, elevaria as receitas tributárias, ajudando a controlar o déficit público, o que levaria a relação dívida pública/PIB a uma trajetória menos assustadora. Também se esperava uma queda do desemprego, o que ajudaria no ajuste das contas públicas e seria fundamental para aumentar as chances de candidatos comprometidos com reformas nas eleições presidenciais de outubro próximo.

A evolução dos indicadores econômicos no início do ano parecia confirmar esse cenário. No início de março, a mediana das expectativas coletadas pelo BC junto ao mercado financeiro apontava altas do PIB de 2,9% e 3% neste e no próximo ano, com inflações de 3,72% e 4,25%, e Selic média de 6,75% e 7,8%, respectivamente.

Três meses depois, esse cenário parece muito otimista. O que aconteceu e quão piores as coisas tendem a ficar?

A piora do cenário se deve basicamente à confirmação de riscos que já eram apontados na virada do ano. Em relação ao ambiente externo, sobressaem a alta dos rendimentos dos títulos públicos, em especial nos EUA, e o aumento do risco geopolítico, que se combinaram para gerar uma alta simultânea do dólar e do petróleo, o que não ocorria há mais de década e meia. Com isso o real se desvalorizou, o risco país subiu e o espaço para novos cortes na Selic se fechou, levando à inesperada decisão do Comitê de Política Monetária na sua última reunião e à escalada no preço dos combustíveis, que desaguou na crise dos caminhões.

A dívida e o ralo: Editorial | O Estado de S. Paulo

Campeão da dívida pública entre os emergentes, o Brasil fechou o mês de abril com o governo geral pendurado em R$ 5,04 trilhões, soma equivalente a 75,9% do Produto Interno Bruto (PIB). No fim do ano a proporção era de 74%. O peso do endividamento cresce mês a mês porque o setor público tem sido incapaz de gerar, nas contas primárias, sobras suficientes para liquidar pelo menos parte dos juros. Sobras aparecem, de vez em quando, nos melhores momentos, mas logo somem no ralo dos gastos obrigatórios. O maior gasto desse tipo, sempre crescente, é o previdenciário. As contas primárias (sem a despesa financeira) têm ficado em vermelho, ano a ano, desde 2014, fim do primeiro mandato da presidente Dilma Rousseff.

A recuperação econômica, embora vagarosa, tem permitido aumento da arrecadação desde o ano passado. Em abril deste ano a receita do governo federal, descontadas as transferências a Estados e municípios, foi 7,4% maior que a de um ano antes, deduzida a inflação. O dado é do Tesouro Nacional. De janeiro a abril a arrecadação líquida chegou a R$ 423,51 bilhões e superou a dos primeiros quatro meses de 2017 por 7,5% reais, isto é, eliminada a variação de preços. A despesa, no entanto, atingiu R$ 428,96 bilhões e o resultado primário foi um déficit de R$ 5,45 bilhões. Foi 27,8% menor que o do ano anterior, mas, de toda forma, ainda faltou dinheiro para atender pelo menos a uma fração da dívida.

Sem sustentação: Editorial | O Globo

Por qualquer ângulo que se analise a situação, é inviável ela continuar sob controle total do Estado

A virtual impossibilidade de o controle da Eletrobras vir a ser vendido em Bolsa no governo Temer, como previsto, será uma vitória comemorada pelas forças políticas contrárias à privatização. É grande a resistência do fisiologismo pluripartidário no Congresso à perda do controle do sistema Eletrobras, uma fonte inesgotável de negociatas envolvendo políticos e de emprego para apaniguados. Tucanos e petistas, neste aspecto, ficam lado a lado na defesa da estatal.

Mas isso não resolve o problema de uma empresa em decadência, incapaz de arcar com os pesados investimentos exigidos pelo setor elétrico. Se não for feita a privatização, mais uma vez, a população pagará um preço na forma de apagões e desemprego, a ser causado pela insegurança energética.

Um golpe certeiro na empresa foi desferido, por ironia, pela estatizante Dilma Rousseff, que, inspirada no dirigismo intervencionista, baixou a medida provisória 579, em 2012, para, de forma populista, cortar em 20% a tarifa de energia e, com isso, turbinar a campanha à reeleição de 2014.

Sem acelerar: Editorial | Folha de S. Paulo

Como esperado, PIB do 1º trimestre revela fraqueza; expectativa de melhora ficou nebulosa

Em meio aos abalos trazidos pela paralisação dos caminhoneiros, o anúncio de que a economia brasileira cresceu apenas 0,4% no primeiro trimestre do ano —na comparação com o final de 2017— foi recebido quase como notícia velha.

Os dados, tomados de forma isolada, até mostraram alguma melhora. Consumo e investimento se mantiveram em alta, de 0,5% e 0,6%, respectivamente, e a maioria dos setores produtivos já vinha operando em terreno positivo.

Mesmo assim, as já cambaleantes projeções para o avanço do Produto Interno Bruto em 2018, situadas entre 2% e 2,5% até recentemente, tendem a cair mais.

Elas se baseavam na expectativa de aceleração gradual ao longo do ano, trajetória posta em dúvida pelo movimento paredista —mas não somente por ele.

Normalizar a produção e o abastecimento ainda deve tomar várias semanas, comprometendo os resultados do 2º trimestre. Por outro lado, também é plausível que o impacto da paralisação venha a se mostrar menor do que parece hoje, no calor dos acontecimentos.

PIB avança devagar, mas expectativas se deterioram: Editorial | Valor Econômico

O crescimento de 0,4% do Produto Interno Bruto no primeiro trimestre do ano não foi um mau resultado, diante de um progressivo rebaixamento geral das expectativas. Ele confirma uma expansão muito gradual, sujeita a tropeços - como o provocado pela greve de caminhoneiros que por pouco não paralisou o país e desorganizou o abastecimento. Os números do primeiro trimestre, no entanto, não são encorajadores e foram abalroados pelo pessimismo derivado da paralisação e da disparada cambial, indicando que o PIB vai se arrastar lentamente em direção a 2% ou até menos, e não aos 3% das previsões iniciais dos investidores, feitas no início do ano.

"A economia não acelerou", resumiu a gerente de Contas Nacionais do IBGE, Claudia Dionisio. Um dos registros mais claros disso é o comportamento da indústria de transformação, que recuou 0,4% no primeiro trimestre em relação ao anterior e teve o pior desempenho nesta base de comparação nos últimos 5 trimestres. O resultado foi influenciado pelo desempenho da construção civil, que voltou ao negativo (-0,6%), depois de relativa estabilidade nos dois trimestres anteriores.

A produção de riquezas agora se equiparou ao nível de outubro de 2011, isto é, há mais de 6 anos. Para que ela deslanche, teria de suplantar obstáculos importantes, algo cada vez mais remoto em um ambiente muito contaminado por incertezas. O consumo das famílias cresceu 0,5%, depois de ínfimo 0,1% ao fim de 2017 e seu crescimento, acumulado nos últimos quatro trimestres, está em 2,1%. Esse consumo tem um peso de quase 70% na formação do PIB pelo lado da demanda.

Sob Alckmin, ricos perdem e Nordeste ganha, afirma coordenador de programa

Para Luiz Felipe D'Avila, Bolsonaro é voo de galinha e tucano deve enfrentar candidato ungido por Lula

Fábio Zanini, Thais Bilenky | Folha de S. Paulo

SÃO PAULO - Coordenador do programa de governo da campanha de Geraldo Alckmin (PSDB) na eleição presidencial, o cientista político Luiz Felipe D’Avila diz esperar um segundo turno contra um candidato ungido por Lula. “O grande adversário do PSDB continua sendo o PT”, afirma.

Os dois partidos estão desgastados com a Lava Jato, mas D’Avila vê diferença. “Um criou o maior sistema de roubo para a perpetuação no poder. Caixa dois é outra história. Sempre teve e a gente como sociedade tem que reconhecer a nossa hipocrisia.”

Alckmin é acusado de ter recebido caixa dois da Odebrecht e a CCR —ambas citam seu cunhado Adhemar Ribeiro como o operador. Eles negam.

D’Avila questiona o “açodamento e pressa” da Lava Jato e a credibilidade de delatores: “Então a planilha de um escroque é mais importante que a história de uma pessoa?”.

• O que preparam para programas sociais? 

A conta que a gente procura fazer é qual é o retorno social de cada real gasto. Bolsa Família é o melhor retorno sobre investimento. Estudamos suspender o benefício enquanto a pessoa estiver empregada, mas volta a receber imediatamente se perder o posto. É um jeito de ajudar a formalização do trabalho.

• Qual programa dá pouco retorno?

As isenções fiscais, os benefícios. Isso é para ajudar a aumentar lucro de empresa.

• A privatização da Caixa tem custo político alto. Já está fora do plano de governo?
Não acho que vai ser tão alto porque, para quem é cliente da Caixa, não muda nada, passaria para o Banco do Brasil. O que o Persio [Arida, coordenador de economia da campanha] diz é que não vamos permitir que os bancos que estão no Brasil a comprem, tem que ser de fora, para aumentar a concorrência.

• Quem é o Alckmin de 2018 comparado ao de 2006? Ainda vestiria a jaqueta com marcas de estatais?

Ele vem com uma agenda muito reformista e falando a verdade. Inclusive porque mudou o contexto, estamos na mais grave crise política e econômica. Precisamos aproveitar a janela para fazer as reformas.

• Esse plano de governo seria aplaudido na Faria Lima, mas terá aderência no Norte e Nordeste?

Se a gente está pensando em Estado eficiente, quem vai mais perder é a Faria Lima, porque se beneficiam com isenções. Com abertura, quem vai se dar melhor é o Norte e o Nordeste, porque não têm tanta indústria, vão comprar insumo mais barato.

• Alckmin perde votos antipetistas para Jair Bolsonaro e Alvaro Dias. Por que está tão difícil?

Essa eleição é atípica. Em geral, quem disputa a reeleição tem vantagem tremenda. Desta vez, o candidato do governo tem 1%. Isso fez com que muitos se lançassem. O centro precisa se unir.

• O MDB não se aliará? 

Vai lançar candidato próprio, [o presidente Michel] Temer quer alguém para defender o seu legado, e ninguém quer fazer aliança para carregar legado. Defender reforma é uma coisa, mas legado é outra. A campanha do Meirelles é para valer. A grande questão que não está dada, o nosso maior adversário ainda não apareceu, o PT. Lula vai ungir alguém.

• Depois de tudo, o maior adversário do PSDB é o PT?

Qualquer pessoa que o Lula ungir vai ter 15 ou 16 pontos. Ainda acho que o segundo turno vai ser o clássico PT e PSDB.

• Bolsonaro é um voo de galinha? 

Eu acho que Bolsonaro é um voo de galinha. Hoje ninguém está preocupado com eleição a não ser político e jornalista. Quando chega agosto, cai a ficha. Aventureiros não ficarão em pé.

Manuel Bandeira: Estrada

Esta estrada onde moro, entre duas voltas do caminho,
Interessa mais que uma avenida urbana.
Nas cidades todas as pessoas se parecem.
Todo o mundo é igual. todo o mundo é toda a gente.
Aqui, não: sente-se bem que cada um traz a sua alma.
Cada criatura é única.
Até os cães.
Estes cães da roça parecem homens de negócios:
Andam sempre preocupados.
E quanta gente vem e vai!
E tudo tem aquele caráter impressivo que faz meditar:
Enterro a pé ou a carrocinha de leite puxada por um bodezinho
manhoso.
Nem falta o murmúrio da água, para sugerir, pela voz dos símbolos,
Que a vida passa! que a vida passa!
E que a mocidade vai acabar.