domingo, 1 de julho de 2018

Opinião do dia: Roberto Freire

O pacto também deverá conter o desejo publicamente manifesto dos pré-candidatos de se oferecerem como o polo da unidade, mas que também estejam dispostos a se incorporar na pré-campanha que vier a se manifestar como a de maior alcance e perspectiva de vitória, já no primeiro turno, segundo os critérios mutuamente acordados.

O pacto também deve visar o dia seguinte às eleições de outubro. Precisamos dar posse, em 1º de janeiro, a um governo que tenha condições de pacificar o país e recolocá-lo nos trilhos, em comunhão com o novo Congresso eleito.

Sobre a mesa, falo claramente, defendo que cheguemos a pontos essenciais, mínimos, basilares, em torno da democracia, da república e do social.

Estamos praticamente a cem dias para o pleito de outubro. Nossa meta de curto prazo é a conquista segura de um lugar no segundo turno para a candidatura mais viável do polo democrático e reformista.

Temos de romper a inércia e jogar unitariamente o campo democrático, republicano, reformista e da justiça social no lugar onde ele será imbatível, nas ruas. O quanto antes.
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Roberto Freire é presidente do PPS. ‘Romper a inércia’, Diário do Poder, 29/6/2018.

Fernando Henrique Cardoso: Sejamos radicais

- O Estado de S.Paulo

Devemo-nos unir para evitar que o povo tenha de escolher entre o ruim e o menos pior

O Brasil exige: sejamos radicais. Mas dentro da lei: que a Justiça puna os corruptos, sem que o linchamento midiático destrua reputações antes das provas serem avaliadas. Não sejamos indiferentes ao grito de “ordem!”. Ele não vem só da “direita” política, nem é coisa da classe média assustada: vem do povo e de todo mundo. Queremos punição dos corruptos e ordem para todos, entretanto, dentro da lei e da democracia.

O País foi longe demais ao não coibir o que está fora da lei, o contrabando, o narcotráfico, a violência urbana e rural, a corrupção público-privada. Devemos refrear isso mantendo a democracia e as liberdades antes que algum demagogo, fardado ou disfarçado de civil, venha a fazê-lo com ímpetos autoritários.

Só com soldados armados se enfrentam os bandidos, eles também com fuzis na mão. Se não há mais espaço para a pregação e a condescendência, tampouco queremos, entretanto, que a arbitrariedade policial prevaleça.

O Brasil tem pressa: chega de governos incompetentes. Não se trata só da falta de dinheiro, mas da má gestão aliada às vantagens corporativas e partidárias. Não há crescimento da economia nem empregabilidade sem investimento público e privado. Precisamos reintegrar nossa economia aos fluxos de criatividade e às cadeias produtivas mundiais. Assim como precisamos melhorar a infraestrutura para escoar a produção.

Não haverá adesão aos valores básicos que mantêm a coesão social sem crescimento contínuo da economia e sem respeito ao meio ambiente. Crescer de modo sustentável a 4% ao ano por 20 anos assegura melhor distribuição de renda e oferece mais emprego do que picos ocasionais de 6% ou 7% de crescimento em um ou dois anos, seguidos de mergulhos de 1 a 3 pontos negativos a cada três anos.

Nada disso se conseguirá sem que a educação seja o centro das atenções governamentais e populares.

Sem reformas, a da Previdência acima de todas, pelos danos que a legislação previdenciária atual causa ao Orçamento público, e sem uma “reforma moral” nas nossas práticas políticas, eleitorais e partidárias, nosso destino nacional estará comprometido por décadas.

Um Congresso com 26 partidos torna o País ingovernável. Um governo que tem quase 30 ministérios, cujos titulares são desconhecidos até pelos cidadãos mais bem informados, é incapaz de se haver com os desafios do futuro. Há que reconhecer que o sistema político que montamos em 1988 se exauriu.

A Constituição preserva, e isso deve ser mantido, tanto a intangibilidade e os limites sociais da propriedade privada como os direitos humanos fundamentais. Mas ela não abriga atos de violência nem de desordem continuada.

Luiz Werneck Vianna: Os intelectuais e a aranha

- O Estado de S.Paulo

O plano das ideias e das concepções do mundo definha e apresenta um cenário desalentador

A natureza balsâmica do processo eleitoral é um fato que se impõe à observação de quem se dedica à análise da cena moderna brasileira, momento em que “os de cima” calculam as condições que levem à preservação de suas posições de domínio e “os de baixo”, as oportunidades para terem acesso a mais direitos sociais e políticos. Dado que na nossa sociedade o voto se tornou universal e a democracia política encontrou âncora segura na Carta de 88, elementar que o sucesso eleitoral, diante das profundas desigualdades sociais e das diferenças regionais que nos caracterizam, dependa de uma feliz combinação entre as partes que compõem o tecido social. Pelo voto nenhuma delas ganhará tudo.

Se assim é, a negociação reveste-se de elemento-chave na disputa eleitoral em curso e sob esse registro tende a dissipar o clima de cólera e de intolerância com o outro até então dominante. Mais uma vez fica evidente que, entre nós, a forma superior de luta se trava no processo eleitoral - já confirmada no regime militar -, e não pelo recurso à luta armada, conforme lenda urbana ainda circulante em pequenos círculos da esquerda, usando uma expressão do repertório de sarcasmos do ministro Gilmar Mendes.

Dessa forma, embora persista a ação de renitentes que nos prometem uma catástrofe iminente, sem nenhum triunfalismo já se pode proclamar em alto e bom som que a crise que ameaçou a nossa democracia se encontra superada, em mais um momento de consagração da nossa Constituição. Com isso não se quer dizer que se tenha pela frente um horizonte aprazível - absolutamente não -, mas que os conflitos e as disputas que nos são próprios vêm encontrando, mesmo que apenas por ensaio e erro, as vias institucionais dos partidos, sindicatos e da vida associativa em geral, num processo com origem na sociedade civil, não no Estado, como resultou, por exemplo, na criação dos sindicatos na era Vargas e do PTB na agonia do regime autoritário de 1937.

Aos trancos e barrancos, a sociedade brasileira avança meio às cegas em direção ao moderno. Pode-se sustentar até que esse movimento que vem deixando para trás o peso da nossa tradição de décadas de modernização conservadora, nos termos da obra clássica de Barrington Moore, vem operando mais no terreno da societas rerum do que no da ação intencional dos homens.

Com efeito, as mutações demográficas, econômicas e sociais vindas dos impulsos modernizantes vindos do vértice político - tanto os de origem em conjunturas democráticas, como nos tempos do governo JK, quanto os conduzidos por regimes autoritários, como no Estado Novo, de 1937, e no recente regime militar - têm importado numa segura conversão do caos social com que nossa sociedade iniciou sua história para se tornar uma sociedade de composição demográfica racional ao capitalismo, categoria importante no arsenal teórico de um grande autor.

Marco Aurélio Nogueira: Fermento mobilizador

A Roda Democrática se empenhou firmemente na organização do Ato por um Polo Democrático e Reformista que se realizou em São Paulo no começo da noite do dia 28 de junho, no Teatro Eva Herz. Em boa medida, foi graças à dedicação de Tibério Canuto, seu coordenador, que o Ato ganhou vida e se traduziu em um extraordinário sucesso.

Fazer a defesa prática de uma articulação entre as correntes democráticas, partidárias e não partidárias, não é algo simples nos dias correntes, marcados por desentendimentos e atritos complicados, que afastam mais do que aproximam os democratas. Mas é, ao mesmo tempo, algo indispensável para que possamos pensar em uma dinâmica que promova o rearranjo político que a sociedade espera. O tamanho dos desafios nacionais é tão grande que não há como atuar com responsabilidade cívica sem valorizar e construir uma articulação desse tipo.

Não se trata somente de chegar a um candidato de consenso – objetivo que por si só exige alta taxa de desprendimento e bastante visão política estratégica. Mas sim de celebrar um compromisso com a sustentabilidade política, ética e programática de um empreendimento democrático que ponha em marcha uma força cultural e pedagógica de maior fôlego, que eduque e organize os cidadãos com um programa de trabalho que inclua, em lugar de destaque, algumas demandas inegociáveis: defesa e aprofundamento da democracia, republicanismo, combate à corrupção, igualdade perante a lei, diminuição da violência, educação inclusiva e de qualidade, combate à desigualdade e a todas as formas de racismo e discriminação.

Um Polo Democrático precisa ser pensado em termos programáticos e de longo prazo. O cálculo eleitoral não é o melhor conselheiro no momento atual. Muito menos as sondagens de intenção de voto. Os democratas reformadores precisam construir seu candidato, não simplesmente aderir aos que se mostrarem mais “competitivos”.

Josias de Souza: Bolsonaro é porta-voz de uma agenda proterozoica que seduz parte do Brasil

- Blog do Josias

A maneira mais cômoda de tratar Jair Bolsonaro é atribuir o seu sucesso à alienação dos brasileiros que o colocam no topo das pesquisas. Isso desobriga as pessoas da necessidade de pensar. Evitando-se o raciocínio, adia-se uma conclusão desoladora: o capitão apenas ecoa na campanha de 2018 uma agenda pertencente ao pedaço do Brasil que mantém os pés no século 21 e a cabeça na era proterozoica, anterior ao aparecimento dos animais na Terra.

Bolsonaro é o efeito. A causa é a perpetuação de um sistema político em que o Estado não tem homens públicos. Os homens públicos é que têm o Estado. Ao perceber que paga mais impostos para receber menos serviços, o pedaço Bolsonaro do eleitorado acha que o futuro era muito melhor antigamente, quando os presidentes vestiam farda. Ao notar que o Supremo começou a soltar larápios condenados, o lado Bolsonaro da sociedade passa a sonhar com um país em que os tribunais não sejam a única maneira de se conseguir justiça.

Porta-voz do desalento, Bolsonaro capta no ar o sentimento que seu eleitorado deseja expressar. Na última quinta-feira, dois dias depois de a Segunda Turma do Supremo ter libertado José Dirceu da penitenciária da Papuda, o capitão declarou em Fortaleza que, eleito, vai propor a ampliação dos quadros da Suprema Corte —21 magistrados, em vez dos 11 atuais. Ele fala em “colocar lá dez [ministros] do nível do Sergio Moro, para poder termos a maioria lá dentro.” A ideia é tola e irrealizável. Mas hipnotiza o naco Bolsonaro da plateia, já de saco cheio com a saliência de Gilmar Mendes e dos seus colegas da Segunda Turma, Éden supremo dos encrencados.

Na entrevista que concedeu na capital cearense, como em todas as outras, Bolsonaro agarrou as perguntas pelo colarinho como se enxergasse nelas a oportunidade de reproduzir as respostas iradas que sua plateia espera ouvir. Questionado sobre seus planos para deter o avanço das facções criminosas no país, o candidato declarou-se adepto do modelo da Indonésia. Bolsonaro disse coisas definitivas sem se dar conta de que não definia bem as coisas.

Na Indonésia, traficantes e consumidores de drogas são enviados para o corredor da morte. Mas Bolsonaro, tomado pelas palavras, referia-se às Filipinas, onde a bandidagem é passada nas armas sem a necessidade de uma sentença de morte formal. “Tinha dia de morrer 400 vagabundos lá. Resolveu a questão da violência”, celebrou o entrevistado.

Hélio Schwartsman: O segredo da democracia

- Folha de S. Paulo

Voto dá aos cidadãos a sensação de que o processo de escolha dos dirigentes é justo

Tenho insistido na tese de que a democracia funciona, apesar do eleitor. Já escrevi um bom número de colunas tentando mostrar que vieses cognitivos e outras facetas não muito abonadoras da psicologia humana afastam definitivamente o voto do ideal de decisão informada e responsável.

De modo geral, o eleitor não só ignora os aspectos relevantes das questões que importam para a sociedade como nem sequer se preocupa em informar-se para fazer a escolha certa. Embora não o admita, ele costuma definir seu voto por impulsos emocionais e segundo critérios de fidelidade ao grupo a que pertence.

Até porque é mais divertido, tenho enfatizado o lado irracional dessa história, mas hoje pretendo destacar os mecanismos positivos, que fazem com que a democracia funcione. Apoio-me principalmente em “Democracy Despite Itself” (democracia apesar dela mesma), de Danny Oppenheimer e Mike Edwards.

O voto é importante porque dá aos cidadãos a sensação de que o processo de escolha dos dirigentes é justo. E as pessoas aderem melhor às regras de um sistema que acreditam ser justo e legítimo do que às de um que consideram viciado. Votações também têm a virtude de promover a moderação, ao fazer com que as posições extremistas se anulem.

Míriam Leitão: Em tempo de eleição

- O Globo

Em ano eleitoral, país tem que debater seus problemas crônicos

O Brasil tem imensos problemas e nenhum momento é melhor do que o ano eleitoral para pensar neles. A população carcerária aumentou 707% em 26 anos e a segurança piorou. Mais da metade do esgoto do país não é tratado. Na educação, 55% das crianças com oito anos são analfabetas. A concentração de renda no Brasil é maior do que se pensava. Esses são apenas quatro dos temas principais.

Escolhi esses assuntos para dedicar os programas de junho na Globonews. Deles saíram dados tão interessantes que quis dividir aqui com os leitores da coluna. O sociólogo Sérgio Adorno, do Núcleo de Estudos da Violência da USP, mostrou que em 1990 a população carcerária era de 90 mil brasileiros, em 2016 havia saltado para 726 mil. E quem são os presos? Jovens de 25 a 29 anos são 25%. Pretos e pardos são 64%.

— Precisamos oferecer proteção para os mais vulneráveis para que isso resulte na proteção da sociedade como um todo. Precisamos ir às áreas onde o conflito é mais intenso — diz Adorno.

No programa com ele estava o jornalista Edu Carvalho, de 20 anos, do site Favela da Rocinha. Diante desses dados e dos que mostram que jovens negros da periferia, como ele, são as principais vítimas de homicídio, Edu fez a seguinte reflexão:

— Diferentemente de uma pessoa que estuda esses dados e tem um certo distanciamento, eu me defronto com eles e tenho medo. A pergunta que me faço é em que curva eu “errei” para conseguir fugir da estatística?

Bruno Boghossian: Marina contra ninguém

- Folha de S. Paulo

Falta à ex-senadora máquina que consiga tirar eleitor de casa no dia da eleição

Pela terceira vez seguida, Marina Silva (Rede) chega à disputa presidencial como potencial refúgio do eleitor desiludido. O desencanto recorde com a política deveria catapultar as chances da ex-senadora, mas a configuração peculiar da corrida deste ano cria alguns obstáculos em seu caminho.

Marina é a favorita de eleitores desatentos ou desanimados, de acordo com as pesquisas da pré-campanha. Quase metade dos brasileiros ainda não consegue apontar, de cabeça, seu candidato nesta disputa. Quando o Datafolha apresenta uma lista de nomes, Marina atrai quase 20% dos votos desse segmento.

A ex-senadora também consegue conquistar, no segundo turno, uma fatia razoável de eleitores que dizem votar em branco ou nulo no primeiro. Em confronto direto com Jair Bolsonaro (PSL), ela absorveria 30% dos votos desse grupo, contra 12% do deputado. Outros 57% continuariam sem escolher ninguém.
Marina se beneficia de oito anos de um discurso de oposição à política tradicional —o que a transformou em uma opção aceitável até para eleitores desesperançosos.

Com essa mensagem, a ex-senadora encontrou uma terceira via entre as fortalezas do PT e do PSDB em 2010 e 2014. Seu desafio será descobrir um novo caminho. A três meses da eleição, não há nenhuma polarização nítida, e o selo da antipolítica parece colar também em outros candidatos, incluindo Bolsonaro.

O maior empecilho de Marina será, mais uma vez, a inexistência de uma estrutura partidária robusta. Embora apareça bem posicionada nas pesquisas, falta à ex-senadora uma máquina de mobilização capaz de tirar de casa os eleitores desencantados no dia da votação.

Marina não tem uma torcida organizada, como Bolsonaro, e não conta com uma rede de partidos e candidatos a deputado que despejarão dinheiro na campanha para conquistar votos, levando-a de carona. Para se tornar competitiva, a ex-senadora precisa ser mais do que a segunda opção do eleitor frustrado.

Eliane Cantanhêde: Lula no mata-mata

- O Estado de S.Paulo

Decisão do STF impacta Lava Jato, eleição, autoestima brasileira e até rumo da história

Com a chegada do recesso do Judiciário, bateu o desespero no ex-presidente Lula e nos seus advogados, que saíram em desabalada carreira para entupir o Supremo de recursos, tentando atropelar o plenário e até o sorteio eletrônico (!) para escolher não só a turma, mas o próprio relator desses recursos. Esse serve, esse não serve... Uma audácia incrível, no vale tudo para Lula trocar a prisão em Curitiba pela campanha à Presidência.

Nessa corrida, com chute, cotovelada e empurrão, os advogados Sepúlveda Pertence e Cristiano Zanin disputam homem a homem quem apresenta seus recursos primeiro e, no fundo, quem cai mais nas graças do cliente famoso. Sepúlveda tem mais credenciais, como ex-presidente e grande referência no Supremo. Zanin, bastante esforçado, foi escolhido por ser genro de um dos maiores benfeitores de Lula, Roberto Teixeira.

Assim, Pertence, mais experiente, mais pé no chão, trabalha com a prisão domiciliar de Lula como lance na negociação com o Supremo. Mas o próprio Lula, a cúpula do PT e Zanin aderiram ao tudo ou nada, têm uma posição menos jurídica e mais política e não admitem um milímetro a menos do que a anulação da condenação do juiz Sérgio Moro e do TRF-4, com a conversão do réu em vítima. Por isso, a defesa acabou apresentando dois recursos conflitantes.

O primeiro foi para anular a condenação e todos os seus efeitos: a prisão e a inelegibilidade. O segundo, num evidente recuo, para anular apenas a prisão e deixar a questão da inelegibilidade para lá. Por que? Porque o PT pretende registrar a candidatura Lula até 15 de agosto e a partir daí guerrear contra a impugnação na Justiça Eleitoral, mas, se o STF confirmar a inelegibilidade antes, nada feito, a guerra já estará perdida. O STF tem sempre a última palavra.

Ricardo Noblat: Vai lamber sabão, PT!

- Blog do Noblat

Quando as palavras são usadas para engabelar os puros de coração

Esdrúxula a gritaria do PT contra os ministros do Supremo Tribunal Federal, acusados por ele de perseguição a Lula e ao partido. Sete dos atuais 11 ministros foram escolhidos por Lula e Dilma. Na semana passada, ao criticar o ministro Edson Fachin, a senadora Gleisi Hoffmann, presidente do PT, lembrou que ele fora cabo eleitoral de Dilma.

Esdrúxula também a gritaria do PT contra Temer. Foi Lula, nas eleições de 2010 e 2014, que indicou Temer para substituir Dilma nas suas ausências e em eventual caso de impedimento. É para isso, segundo a Constituição, que serve um vice. Temer serviu também para garantir o apoio do PMDB ao segundo governo Lula e aos dois de Dilma.

Mais esdrúxula ainda é a gritaria do PT em torno do que chama de “destruição do Estado de Direito no Brasil” desde que Dilma foi apeada do poder há quase dois anos. Ora, na medida em que mesmo assim opera normalmente, lança candidatos e disputa eleições, o PT acaba legitimando o que insiste em denominar de “golpe”.

Para ser coerente, se eleição sem Lula é fraude, o PT não deveria disputá-la – mas disputará, e em breve substituirá Lula por Fernando Haddad, candidato a presidente nas eleições de outubro. Se o que derrubou Dilma foi mesmo um golpe aplicado pelo Congresso e com o apoio da Justiça, o PT avalizou-o por ter participado de todas as suas fases.

Querem maior reconhecimento da parte do PT de que a democracia funciona no Brasil do que ele entrar com 78 recursos na Justiça para anular o processo que condenou Lula a 12 anos de prisão? Por inútil, não se apela a uma Justiça golpista. Nem se cobra a uma mídia golpista mais espaço para divulgar as atividades de um político preso.

Luiz Carlos Azedo: O abismo à frente

- Correio Braziliense

A crise ética, a violência do cotidiano, a desagregação da família e uma economia que demanda mais tecnologia e menos mão de obra explicam muita coisa, inclusive o recrudescimento da misoginia, do preconceito, da intolerância e da radicalização política

A famosa Escola de Frankfurt, que reuniu a nata da inteligência judaico-alemã — Theodor Adorno, Max Horkheimer, Hebert Marcuse, Erich From, Friedrich Pollok, Franz Neumann e Jürgen Haberman, Walter Benjamin, entre outros — exerceu notável influência sobre o pensamento social-democrata e liberal no século passado. Surgiu para explicar o fracasso da revolução socialista (espartaquista) na Alemanha, mas acabou dedicando boa parte de sua “teoria crítica” ao estudo das razões que levaram o povo alemão a apoiar o nazismo.

O livro Grande Hotel Abismo (Companhia das Letras), do jornalista britânico Stuart Jeffries, conta a história desse grupo de jovens intelectuais judeus de famílias abastadas, que foi obrigado a fugir da Alemanha para sobreviver ao nazismo e buscou refúgio nos Estados Unidos. Curiosamente, o Instituto de Pesquisa Social nasceu sob influência soviética e foi financiado por um banqueiro alemão, numa cidade onde os judeus buscavam a plena integração e o sucesso social, tendo eleito o prefeito local em 1924. Em 1933, eram 26 mil asquenazes em Frankfurt; antes que terminasse a Segunda Guerra Mundial, 9 mil haviam sido deportados. Hoje, os mortos do Holocausto são homenageados em 11.134 cubos de metal na Wand der Namen.

Entretanto, a Escola de Frankfurt, como se tornou conhecida, logo renegou a ortodoxia marxista. Seus integrantes não concordavam com a tese de que os intelectuais devem transformar o mundo, eram céticos em relação à luta política e se colocavam acima dos partidos. Haviam abandonado a conexão entre a teoria e a prática, mas não imaginavam que muitos anos depois, após maio de 1968, intelectuais como Adorno e Marcuse seriam os gurus de estudantes radicais e da chamada nova esquerda.

Para a esquerda mais ortodoxa, o fascismo era “a ditadura terrorista aberta dos elementos mais reacionários, mais chauvinistas, mais imperialistas do capital financeiro”, uma fórmula simplificada, que permitiria aos comunistas alemães classificarem a socialdemocracia como uma força “social-fascista”, num ajuste de contas pelo fracasso da Liga Espartaquista, que tentou tomar o poder em 1919. Enquanto a esquerda se digladiava, o fascismo se expandia pela Europa, com ajuda das tropas nazistas (Itália, Alemanha, Hungria, Bulgária, Áustria, Espanha, França, Holanda, Romênia, Suíça, Polônia, Grécia e Iugoslávia), chegava ao Oriente (Japão, China e Líbano) e à América Latina (Brasil, Chile e Costa Rica).

Samuel Pessôa: O consenso possível

- Folha de S. Paulo

Atacar a desigualdade e fazer o ajuste fiscal estão entre os consensos para a eleição

O processo eleitoral ganha corpo. Apesar de certo sentimento de que há muita polarização, é possível enxergar na conversa certos consensos.

Há quatro áreas em que parece haver acordo ao menos nos termos gerais. Primeiro, a necessidade de que a política pública em geral e a política econômica em particular enfrentem o problema da baixa produtividade e do fraco crescimento brasileiro, males que nos atingem desde a primeira metade dos anos 1980.

Segundo, a necessidade de que se ataque a desigualdade.

Terceiro, a importância do ajuste fiscal, ou seja, o reconhecimento de que, se o setor público não consegue pagar suas contas, mais cedo ou mais tarde cairemos no abismo inflacionário, tão conhecido dos mais velhos.

O quarto item do consenso é a necessidade de maior profissionalização do setor público e a melhoria da qualidade dos seus serviços, principalmente nas áreas de educação, saúde e segurança.

No primeiro item parece haver consenso de que temos de reduzir o custo administrativo das empresas brasileiras ao pagar impostos. O custo de observância da legislação tributária —dos impostos indiretos, nomeadamente, PIS-Cofins, IPI, ICMS e ISS— é exorbitante.

Há várias propostas na praça, sendo a melhor delas a do Centro de Cidadania Fiscal, para trocar esses tributos por um imposto sobre o valor adicionado (IVA) que seja compartilhado entre a União, estados e municípios. Fácil de escrever, difícil de fazer, parece que a medida tem amadurecido.

A maior abertura da economia, item importante em qualquer agenda de crescimento, parece ser bem menos consensual.

Vera Magalhães: TV ou internet?

- O Estado de S.Paulo

A primeira vai disputar com o digital importância na construção e destruição de candidaturas

Uma das maiores incógnitas numa eleição que tem tudo para representar uma mudança de paradigma em vários aspectos da política brasileira é o papel que a TV e a internet terão na construção e desconstrução de candidaturas. Por enquanto, o líder (entre os habilitados a concorrer) nas pesquisas construiu esta condição se valendo principalmente das redes sociais.

Jair Bolsonaro não angariou eleitores graças a uma paulatina influência na política nacional a partir de sua atuação na Câmara. Pelo contrário: como deputado apareceu mais pelas polêmicas que suscitou que por ser uma liderança parlamentar. Quando decidiu se aventurar nesta seara pagou mico ao ter só quatro votos na disputa pela presidência da Casa.

A votação na casa dos 20% se deve ao impressionante – e orgânico – engajamento que ele construiu nos meios digitais. Tão forte que fez com que, até aqui, prescindisse de estrutura partidária, capilaridade de apoios dos meios políticos tradicionais, simpatia da mídia e dos agentes econômicos e alianças partidárias. Na base do “eu sozinho” e com um esquema simples na forma, mas sofisticado na maneira como mira direitinho o público com quem ele quer falar, o presidenciável do PSL resiste a ataques dos adversários e a tentativas de desconstrução de sua imagem.

Esta tem sido a história da etapa preliminar da campanha. A partir de agosto entra na equação um elemento que até 2014 foi essencial para garantir a vitória de todos os presidentes da República desde a redemocratização: a propaganda eleitoral na TV.

Vinicius Torres Freire: Crise severina e nordestina no emprego

- Folha de S. Paulo

Nordeste é de longe a região com a maior perda de postos de trabalho e massa de salário

A economia do Nordeste vai tão mal quanto a média do Brasil desde 2014 e até um tico melhor que a do Sudeste, a julgar pelos números do PIB. A situação do povo nordestino é muitíssimo pior, quando se analisam emprego e salário.

No Brasil do primeiro trimestre deste ano, o número de pessoas ocupadas, com algum trabalho, era 1,6% menor do que no início de 2015, quando emprego e rendimentos ainda estavam perto do pico, antes do massacre da recessão. Isto é, há 1,4 milhão de pessoas empregadas a menos. No Nordeste, 1,7 milhão de ocupados a menos, em baixa de ainda 7,6%.

É fácil perceber que, nas demais regiões, o saldo de pessoas empregadas está no azul, com a ligeira exceção da região Sul. A morte do emprego ainda é severina.

No Nordeste, a soma dos rendimentos do trabalho ainda é 4,9% menor do que no início de 2015. Na média brasileira, 1,6% menor.

O grosso dos empregos nordestinos desapareceu na agropecuária. No Brasil, o número de ocupados nesse setor caiu 1,062 milhão de 2015 a este 2018. No Nordeste, 1,024 milhão, quase toda a perda de empregos rurais no país. Mais espantoso, é uma redução de 26,7% da população empregada em agropecuária.

Affonso Celso Pastore: A frustração do crescimento em 2018

- O Estado de S. Paulo

Nunca em nossa história ocorreu um ciclo tão profundo e extenso. Não é nenhum exagero defini-lo como uma depressão econômica.

O governo Temer começou com a esperança de recolocar o Brasil na rota do crescimento, mas terminará com a economia estagnada. Tal afirmação requer fundamentação com base em dados.

Vivemos um ciclo econômico que começou no 1º trimestre de 2014, com uma fase recessiva que durou 11 trimestres, e custou 8 pontos porcentuais do PIB, igualando-se à que, até então, era a mais profunda e mais longa recessão brasileira. Em 2017 o PIB cresceu 1%, iniciando a recuperação, e havia esperança de que ela se aceleraria em 2018. Mas o otimismo foi se esvaindo, sendo muito provável que em 2018 tenhamos novamente crescimento em torno de 1%. Se isso ocorrer, decorridos quase cinco anos desde o início deste ciclo econômico, o PIB ainda estará, ao final e 2018, perto de 6 pontos de porcentagem abaixo do pico prévio. Nunca em nossa história ocorreu um ciclo tão profundo e extenso. Não é nenhum exagero defini-lo como uma depressão econômica.

A expectativa de crescimento foi abalada com o desastre de 17 de maio de 2017, que enterrou a esperança de aprovação da reforma da Previdência – a condição necessária para mudar o crescimento insustentável da dívida pública –, e a pá de cal na recuperação acelerada veio com os efeitos da greve que paralisou a economia em maio último. Buscando corrigir um dos erros do governo anterior – o controle da inflação pela repressão dos preços administrados – o governo liberou a Petrobrás para reajustar os preços domésticos de derivados de petróleo acompanhando os preços internacionais. Em teoria não há nada errado com tal decisão. Mas na prática, qual seria a regra a ser seguida pela Petrobrás?

Marina monta circuito seleto de colaboradores

Longe das alianças políticas tradicionais, presidenciável da Rede conta com apoio de ‘poucos e pequenos’

Maria Lima | O Globo

BRASÍLIA - Os poucos mas fiéis escudeiros que permanecem ao lado da presidenciável Marina Silva (Rede) na pré-campanha rejeitam vê-la como uma Dom Quixote de saias lutando contra os moinhos de vento da velha política — isso poderia ser mal interpretado, dizem. Mas contam-se nos dedos os políticos que resistem ao lado dela na terceira tentativa de chegar ao Planalto.

Se o número é inexpressivo, eles argumentam que estar do lado de uma candidata popular, segunda colocada nas pesquisas de intenções de voto, é uma compensação.

O deputado Miro Teixeira (RJ), decano da Câmara dos Deputados; o ex-ministro e ex-senador Pedro Simon, que construiu sua história na política cobrando punição de corruptos; o senador Randolfe Rodrigues (AP); o deputado judoca João Derly (RS); e a ex-senadora Heloísa Helena compõem o diminuto exército de políticos que continuam na trincheira ao lado de Marina.

“APAIXONADOS” AUXILIARES
Candidata a deputada federal em Alagoas, Heloísa Helena comanda a Fundação Rede Brasil Sustentável e viaja pelo Brasil há um ano montando as estruturas da sigla nos estados e colhendo subsídios para o programa de Marina.

— Somos poucos e pequenos mesmo, mas temos raízes fortes. Eu continuo no campo de batalha ao lado de Marina. Para nós, nada nunca foi fácil. Eu e Marina temos diferenças, mas nos respeitamos e continuamos em frente — afirma Heloísa Helena.

Cotado, Jobim reativa vínculo com o MDB

Insatisfeitos com Meirelles, aliados querem lançá-lo a presidente ou vice

Fernanda Krakovics e Roberto Maltchik | O Globo

Diante do fraco desempenho do presidenciável emedebista Henrique Meirelles nas pesquisas, setores do MDB e do PSDB defendem o nome do ex-ministro e ex-presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) Nelson Jobim para disputar a Presidência ou ser vice do tucano Geraldo Alckmin. Mas Jobim não tem apoio suficiente em seu próprio partido e, publicamente, diz não ter mais aspirações políticas.

O ex-ministro entrou, porém, com uma petição na Justiça Eleitoral, no último dia 4, para regularizar sua filiação ao MDB, o que foi acatado. Apesar de ter voltado a integrar os quadros do partido em 30 de junho de 2006, depois que se aposentou do STF, seu nome não constava da lista de filiados por um problema burocrático. Ao revalidar sua filiação partidária, Jobim atendeu a um pedido de correligionários gaúchos.

Embora esteja sendo pressionado por aliados a apresentar seu nome para a disputa presidencial, Jobim fez um apelo, há cerca de duas semanas, para que esse movimento fosse interrompido. O ex-ministro teme um embaraço com Henrique Meirelles, pré-candidato do MDB, que está estacionado com 1% das intenções de voto nas últimas pesquisas.

Antes de visita a Porto Alegre, em junho, Meirelles conversou por telefone com Jobim. Na ocasião, elogiou a atuação pública do ex-presidente do STF, mas se mostrou surpreso com a possibilidade de ele entrar na briga pela vaga de candidato. A ligação foi compreendida como um pedido para que Jobim ou aliados não prejudiquem a já combalida campanha do partido do presidente Michel Temer.

— Jobim tem um perfil que é raro, ele foi ministro do Lula e do Fernando Henrique, foi presidente do Supremo, é muito benquisto nas Forças Armadas. Ele seria um candidato para unir muitas pontas no Brasil, seria um bom nome — diz o deputado Osmar Terra (MDB-RS).

No fim de maio, Jobim almoçou com o ex-presidente Fernando Henrique, que tem defendido a convergência das candidaturas de centro.

— Tem muita gente simpática a ele (Jobim) dentro e fora do MDB, mas acho difícil que o MDB o escolha. Ele seria uma opção para vice — disse o ex-vice-governador de São Paulo Alberto Goldman (PSDB).

Tesoureiro do PSDB e um dos aliados mais próximos de Alckmin, o deputado Silvio Torres (SP) minimizou o encontro entre Jobim e FH.

— O Fernando Henrique tem conversado com vários líderes tentando ajudar na formação de coligações. Não adiantamos qualquer conversa com quem tem candidato a presidente — disse ele, em referência à pré-candidatura de Meirelles.

Jobim foi ministro da Justiça de FH e da Defesa de Lula. Ele continuou nessa pasta no governo Dilma Rousseff, mas caiu após criticar as então ministras Ideli Salvatti (Relações Institucionais) e Gleisi Hoffmann (Casa Civil). Atualmente, Jobim é responsável pelas políticas de compliance (padrão de integridade administrativa) do banco BTG Pactual e conselheiro da Federação das Indústrias de São Paulo (Fiesp). Ele está em viagem pela Europa e sua volta ao Brasil estava prevista para os próximos dias.

Meirelles encara eleição como última chance e gasta fortuna para sair do 1%

Segundo aliados, ex-ministro investe R$ 250 mil por mês na tentativa de ser o candidato do MDB

Marina Dias | Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - Henrique Meirelles ainda ocupava o gabinete principal do Ministério da Fazenda quando, em meados de março, escutou um conselho que o fez reagir: "Isso já passou, ou vou ser presidente ou não vou entrar nesta disputa".

Um dos quase 20 interlocutores que ouviu antes de decidir concorrer à sucessão de Michel Temer recomendou que ele pleiteasse uma vaga mais simples, no Senado. Recebeu a negativa pronta.

A dúvida não era o cargo, mas se valeria a pena investir toda sua energia —e parte de sua fortuna pessoal— em uma campanha presidencial nebulosa, esgarçada na radicalização entre direita e esquerda no país.

Eva, mulher de Meirelles, foi fundamental para dizer que sim. E, a partir dali —era início de abril—, ele passou a encarar o que diz ser sua última oportunidade política: aos 72 anos, tornou-se pré-candidato do MDB ao Planalto e tem investido alto para tentar tirar sua campanha do imobilismo.

Empacado há meses com 1% das intenções de voto, segundo as pesquisas do Datafolha, o ex-ministro da Fazenda montou uma equipe robusta.

Seu time tem dois marqueteiros, um analista de pesquisas, dois assessores de —imprensa um terceiro que atua somente sob demanda—, um coordenador de agenda, um de programa de governo e até uma fonoaudióloga, para melhorar sua criticada dicção.

Segundo aliados, os gastos com a pré-campanha chegam a cerca de R$ 250 mil por mês, pagos com recursos próprios.

Quando viaja pelo país —Meirelles tem ido a diretório estaduais do MDB para tentar vencer resistências internas a seu nome—, vai de jatinho fretado e leva pelo menos dois assessores por trecho, com diárias e alimentação no orçamento.

PT vive disputa interna para escolher substituto de Lula

Nos bastidores, quatro nomes são cogitados caso petista não participe da eleição

Catia Seabra | Folha de S. Paulo

SÃO PAULO - A 98 dias do primeiro turno, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva tenta, em vão, deter uma disputa entre petistas pelo direito de substituí-lo na corrida presidencial, diante do provável impedimento de sua candidatura. Por intermédio de bilhetes e mensagens, Lula busca manter o controle do partido.

Mas, à espera de uma definição do ex-presidente, potenciais candidatos e apoiadores já deflagraram suas batalhas pelo papel de reserva de Lula.

Hoje existem quatro nomes cogitados para incorporar o plano B: o ex-governador Jaques Wagner, o ex-prefeito Fernando Haddad, a presidente do PT, Gleisi Hoffmann, e o ex-ministro Celso Amorim.

E uma amostra dessa rivalidade aconteceu no dia 8 de junho, data do lançamento oficial da pré-candidatura de Lula, em Contagem (MG). Apontado como preferido de Lula e dos governadores petistas, Wagner era o encarregado de ler uma mensagem enviada pelo ex-presidente.

Sob comando de Gleisi, os organizadores do ato decidiram, porém, montar um jogral para a leitura da carta. Descartada a ideia, a tarefa foi repassada à ex-presidente Dilma Rousseff.

No momento da leitura, Wagner já havia deixado o auditório onde se realizava o lançamento. A saída dele foi interpretada como mais um sinal de sua inapetência para a candidatura presidencial, especialmente após a realização de uma operação da Lava Jato em sua casa. Defensores de Wagner afirmam, no entanto, que ele aceitará concorrer se convocado por Lula, mas prefere ser discreto até lá.

Enquanto isso, Haddad tenta amenizar resistência interna. Para isso, se associou à maior corrente petista, a CNB (Construindo o Novo Brasil),tem viajado pelo Brasil e se reunido com petistas a pretexto da elaboração do programa de governo de Lula.

PSDB de Minas vai questionar candidatura de Dilma

Coluna do Estadão | O Estado de S. Paulo

Dilma Rousseff (PT) anunciou sua candidatura ao Senado, mas, no que depender dos tucanos mineiros, ela pode nem sair do papel. O presidente do PSDB no Estado, Domingos Sávio, afirma que a legislação sobre o impeachment é clara: além da perda do mandato, determina a perda dos direitos políticos. O acordo feito no Senado no dia da cassação, que vetou essa parte da punição, não seria suficiente para garantir sua candidatura. O tucano está confiante que o próprio MPE proporá a impugnação. Caso não o faça, o PSDB já se prepara para fazê-lo.

Quem decide. Pelo menos um ministro do TSE e um do Supremo concordam com a avaliação de Domingos Sávio de que a “decisão do Senado não redime a petista da condenação”.

Com a palavra. O deputado Reginaldo Lopes (PT-MG) rebate. Para ele, a impugnação é a tentativa de dar outro golpe, impedindo que Dilma seja candidata.

Ganhou ponto. O presidenciável Ciro Gomes (PDT) impressionou o comandante do Exército, general Villas Bôas, na recente conversa que tiveram. O general está ouvindo todos os pré-candidatos.

Compara. A interlocutores, Villas Bôas disse que Ciro se mostrou muito preparado, fugindo do óbvio discurso de reforçar as fronteiras. O ex-capitão Jair Bolsonaro (PSL) não entusiasma o alto-comando do Exército. Ele tem mais respaldo entre praças e suboficiais.

Sinais. Chamou a atenção de petistas o ex-presidente Lula ter escolhido Fernando Haddad para representá-lo na conversa com o general Villas Bôas. Preteriu Jaques Wagner, que já foi ministro da Defesa de Dilma, sinalizando quem será seu “plano B”.

Larga d’eu. Michel Temer é, em parte, responsável pelo fraco desempenho de Geraldo Alckmin nas pesquisas. Levantamentos mostram que, para o eleitorado, os dois políticos estão associados. Ninguém sabe que Temer é do MDB e Alckmin, do PSDB.

O escolhido é… O presidente Michel Temer deve confirmar nos próximos dias o nome de André Pepitone da Nóbrega na presidência da Aneel.

Muda isso. O PSOL vai acionar a Câmara para substituir o texto do perfil de Eduardo Cunha publicado no site da Casa na galeria de ex-presidentes. A Coluna revelou que Cunha é apresentado como um político que “conquistou merecida credibilidade e respeito de seus pares”.

Currículo. No ofício, o líder do PSOL na Câmara, Chico Alencar (RJ), sugere um novo texto e acrescenta que Cunha foi “o principal mentor do impeachment de Dilma” e “atualmente se encontra preso”.

Não fala comigo. Avessa a entrevistas, a ministra Rosa Weber cogita ter uma espécie de “porta-voz” para ajudar no relacionamento com a imprensa. Entre os nomes ventilados, estão o do ex-ministro do TSE Henrique Neves e de Luís Roberto Barroso, que será vice-presidente do TSE.

Vem aí. Rosa assume a presidência do TSE em meados de agosto, no crucial momento em que a Corte eleitoral vai analisar os registros de candidaturas. Ela vai substituir o atual presidente, ministro Luiz Fux.

Fuzuê: Editorial | O Estado de S. Paulo

Previsto para ser o guardião da Constituição Federal e o cume hierárquico do Poder Judiciário, o Supremo Tribunal Federal (STF) deixou de ser uma casa onde se pratica o Direito, para se transformar numa casa de jogos, onde o que importa é ganhar e não interpretar e aplicar corretamente as leis. Sem o mínimo pudor, juízes da Suprema Corte operam os mais variados estratagemas para conseguir que as causas sob sua competência tenham o resultado que almejam.

Que fique bem claro o que se tem visto no STF: não são as partes, compreensivelmente interessadas num determinado desfecho do caso, que estão jogando. São os próprios ministros, cujo cargo exige isenção e imparcialidade, os jogadores desse intrincado tabuleiro.

A cada semana há um novo lance e já não se sabe com segurança o que pode e o que não pode ser feito no Supremo. Os processos caminham num clima de forte insegurança jurídica. Três ministros convertem uma reclamação em habeas corpus de ofício e concedem liberdade ao sr. José Dirceu, em clara oposição à jurisprudência do plenário. Passo seguinte, o ministro Edson Fachin, relator da Lava Jato, despacha um recurso da defesa do sr. Lula da Silva para o plenário da Corte, mas a defesa desejava que o caso fosse resolvido na Segunda Turma.

Canetada estatal: Editorial | Folha de S. Paulo

Liminar de Lewandowski define que privatização depende do Legislativo, contradizendo lei de 1997

Pouco antes de gozar outro período das longas férias da magistratura, o ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal (STF), tomou decisões que dificultam os processos de privatização.

Suspendeu a venda de uma distribuidora estadual de energia elétrica e, em medida de extensa repercussão, definiu que a alienação de qualquer empresa estatal —federal, estadual ou municipal— deve ser autorizada pelo Legislativo.

Acreditava-se, até então, que o tema estivesse havia muito resolvido no âmbito federal pela lei de 1997 que reorganizou o Programa Nacional de Desestatização.

Na ocasião, o Congresso estipulou as normas para os processos e excluiu dos planos o Banco do Brasil, a Caixa Econômica Federal e as instituições regionais e de desenvolvimento. Enfatizou, ademais, as restrições constitucionais a privatizações nos setores de petróleo e materiais nucleares.

Entretanto novamente o STF cria insegurança jurídica por meio de uma decisão monocrática, de fundamentação duvidosa. A esse respeito, note-se como os integrantes da corte mais alta do país se entregam, há meses, a artimanhas destinadas a fazer valer suas teses a respeito de prisões em segunda instância, entre outras polêmicas.

Governo e políticos não avançam em ajuste: Editorial | O Globo

Há um clima de animação no Rio. Não na população, porque o desemprego continua elevado, os serviços públicos rateiam, os estaduais e os municipais.

Afinal, mesmo com a recuperação dos royalties, deflagrada pela alta do petróleo no mundo e o aumento da produção da Petrobras, somados à desvalorização cambial, as finanças do estado continuam estruturalmente precárias. E, na prefeitura, há um regime de cintos apertados.

Esta realidade não parece abalar o governo de Luiz Fernando Pezão. Em artigo no GLOBO, Pezão comemorou o fato de o estado já ter motivos para “respirar um pouco mais aliviado”, a partir da adesão ao Regime de Recuperação Fiscal, lançado pelo governo para o resgate de unidades da Federação quebradas. O Rio de Janeiro, o caso mais grave, terminal mesmo. Mediante contrapartidas, o governo fluminense assinou acordo com o Tesouro e recebeu o grande alívio de não precisar arcar com o serviço da dívida (juros e amortizações) até 2020. Pôde levantar empréstimo bancário, e o dinheiro voltou a fluir para o caixa. Depois de 21 meses de atrasos em salários e benefícios previdenciários — estes da grande massa dos servidores, porque os de castas do Judiciário e Ministério Público, por exemplo, foram garantidos por meio de arrestos judiciais —, estas folhas voltaram a estar em dia.

Filósofo explica retorno de políticas fascistas nos Estados Unidos

Jason Stanley, professor na Universidade de Yale e autor de 'How Fascism Works', mostra como identificar o fascismo atual

Lúcia Guimarães | O Estado de S.Paulo/ Aliás

Uma nova pesquisa revelou que 8 em 10 americanos temem pela democracia no país e dois terços acreditam que o sistema democrático está enfraquecido. A pesquisa foi encomendada por um grupo bipartidário, o Democracy Project, que envolve o ex-presidente George W. Bush e o ex-vice presidente Joe Biden. A mais longa campanha presidencial da história dos Estados Unidos, que começou em 2015, reintroduziu no discurso político americano palavras que muitos acreditavam pertencer ao passado. Especialmente duas palavras carregadas de temor histórico, fascismo e nazismo. Mas o triste retorno não se deveu apenas à vitimização desonesta de tragédias históricas, como usar as palavras para xingar qualquer pessoa não identificada com a esquerda.

Simpatizantes do fascismo e do nazismo não foram erradicados nos EUA. A diferença, na eleição de 2016, é que eles deram apoio aberto a um candidato e passaram a ter mais visibilidade em comícios e na mídia digital de direita, inclusive no site do então futuro alto assessor presidencial Steve Bannon. E o candidato republicano não se indignava com o apoio. Republicanos moderados e democratas liberais tentaram ver neste súbito protagonismo de extremistas antes marginalizados uma anomalia passageira. Afinal, como disse o ex-diretor do FBI James Comey, a sem precedentes interferência russa na eleição a favor do ex-apresentador de O Aprendiz podia ser investigada sem alarde porque nem ele, nem boa parte dos observadores políticos imaginavam que Hillary Clinton não seria eleita.

Mas, mesmo antes de começar a campanha presidencial, a semente do renovado namoro com o fascismo foi plantada pelo birtherismo, teoria conspiratória segundo a qual o primeiro presidente negro do país não teria nascido no Havaí e sim no Quênia. Em março de 2011, Donald Trump disse à rede ABC que estava pensando em se candidatar e, sim, era preciso duvidar que Obama era cidadão americano, uma acusação que manteve acesa até, sem a menor sinceridade, renunciar a ela dois meses antes de ser eleito.

O birtherismo chamou atenção do filósofo e professor da Universidade de Yale Jason Stanley, um filho de refugiados da 2.ª Guerra e neto de Ilse Stanley, a atriz judia alemã que salvou centenas de judeus posando como oficial nazista em campos de concentração e narrou suas memórias em The Unforgotten, publicado em 1957. Jason Stanley lançou, no final de 2016, o elogiado How Propaganda Works (Como Funciona a Propaganda), um livro sobre a fragilidade das democracias sob a difusão de propaganda.

Em setembro, sai nos Estados Unidos How Fascism Works: The Politics of Us and Them(Como Funciona o Fascismo: A Política de Nós e Eles), a nova obra do filósofo. O livro oferece contexto e referências históricas, mas não é uma história do fascismo, é um guia de identificação de políticas fascistas no mundo contemporâneo. Numa entrevista exclusiva ao Aliás, Jason Stanley refletiu sobre o peso da palavra fascismo. Ela teria perdido o impacto? “Não”, responde resoluto. “Era a palavra apropriada em 2016. É possível ser fascista, como já aconteceu na Inglaterra, na década de 1930, e não se engajar em crimes.” O autor lembra que a origem italiana da palavra (fascio, feixe, ajuntamento) faz com que seja evitada por nacionalistas brancos, os neofascistas americanos.

Apesar do mea culpa coletivo pela complacência com o autoritarismo anunciado na campanha, o professor Stanley cobra mais sobriedade dos jornalistas. “Veja a semana que passou, quanto tempo foi dedicado à jaqueta da primeira dama, que dizia ‘Eu não me importo e você?’ Alguém notou o plano de cortar o programa de nutrição que atende a 12% da população? Os jornalistas aderiram a esta política simbólica preferida dos dependentes químicos da indignação,” denuncia.

Walter Benjamin e Hannah Arendt viram temas de ópera na Alemanha

Dois dos mais importantes filósofos do século 20 são celebrados nos palcos por Peter Ruzicka e Ella Milch-Sheriff

A. J. Goldmann | The New York Times

HAMBURGO, ALEMANHA - Ópera e filosofia são estranhos companheiros. A teatralidade e o sentimentalismo de Puccini e Verdi, extraordinários, não se prestam exatamente a esclarecer ideias complexas e precisas. No entanto, por coincidência, não apenas um, mas dois novos dramas musicais sobre os principais pensadores do século 20 – dois intelectuais judeus-alemães que fugiram dos nazistas – estrearam na Alemanha nesta temporada. Poucos teriam previsto que Walter Benjamin e Hannah Arendt iriam se unir às fileiras de Don Giovanni e Carmen.

“Não há documento de civilização que não seja ao mesmo tempo um documento de barbárie”, escreveu Benjamin em 1940, ano em que cometeu suicídio na cidade fronteiriça espanhola de Portbou. A poderosa terceira ópera de Peter Ruzicka, Benjamin, escrita para a Ópera Estatal de Hamburgo, onde foi apresentada até 16 de junho, leva-nos através das várias estações no exílio do filósofo em 90 minutos. Do começo ao fim, parece a música do cataclismo: angustiada, indignada, infernalmente surrealista.

O libreto não linear e associativo de Yona Kim – que também dirigiu a emocionante encenação, ambientado no que parece ser um salão decadente do século 19 – muda de Berlim para Moscou e de Paris para Riga. Suas sete ambientações formam uma série alucinante de episódios da vida de Benjamin.

Ele joga xadrez e fala sobre marxismo com Bertolt Brecht (o imperioso tenor Andreas Conrad), discute sobre sionismo com o estudioso da Cabala Gershom Scholem (o determinado baixo Tigran Martirossian) e sonha com um teatro infantil proletário com sua amante letã, Asja Lacis a intensa soprano coloratura Lini Gong). O próprio Benjamin é uma figura acossada e assombrada, cantada em pânico pelo barítono Dietrich Henschel. (Ruzicka bifurca a personalidade de Benjamin acrescentando um duplo falante, interpretado pelo ator Günter Schaupp.)

Escrito para uma grande orquestra, músicos de bastidores, um coro completo e um coro infantil, Benjamin é um importante empreendimento. Com o compositor no poço, a partitura rosnou e crepitou com energia furiosa. A linguagem musical de Ruzicka é heterogênea e fluida – por vezes lírica, dissonante, estridente e esparsa. Às vezes as linhas vocais irregulares parecem laceradas por cordas furiosamente tocadas; em outras, ventos suaves e cordas suportam notas sustentadas pelos solistas ou coro.

Graziela Melo: As duas caras do sol

Sertão velho. Vida dura. Roça seca. Sol malvado! Cruel, destruidor! Menino com fome. Mãe do menino com fome. Pai do menino com fome. Nenhuma nuvem no céu. Só ele! O sol soberano e absoluto num imenso e fantástico espaço azul, infinito. Sede. Água longe, distante e aquele caminho comprido pra Maria pegar lá.

Bom, mas noutro canto, as vezes ele se esconde atrás daquela nuvem cinzenta que vai se desmanchando, desmanchando e as gotinhas não param de cair. De dia, de noite. Ah! Chuvinha chata, impertinente, derrubadora, enchendo d’água tudo que é buraco. Céu fechado. Não tem sol! Anda lá pelo sertão do cafundó do judas, castigando tudo. Não tem pão, nem feijão nem alegria. Só fome, tristeza, João e Maria!

Paulo Mendes Campos: Sentimento do Tempo

Os sapatos envelheceram depois de usados
Mas fui por mim mesmo aos mesmos descampados
E as borboletas pousavam nos dedos de meus pés.
As coisas estavam mortas, muito mortas,
Mas a vida tem outras portas, muitas portas.
Na terra, três ossos repousavam
Mas há imagens que não podia explicar: me ultrapassavam.
As lágrimas correndo podiam incomodar
Mas ninguém sabe dizer por que deve passar
Como um afogado entre as correntes do mar.
Ninguém sabe dizer por que o eco embrulha a voz
Quando somos crianças e ele corre atrás de nós.
Fizeram muitas vezes minha fotografia
Mas meus pais não souberam impedir
Que o sorriso se mudasse em zombaria
Sempre foi assim: vejo um quarto escuro
Onde só existe a cal de um muro.
Costumo ver nos guindastes do porto
O esqueleto funesto de outro mundo morto
Mas não sei ver coisas mais simples como a água.
Fugi e encontrei a cruz do assassinado
Mas quando voltei, como se não houvesse voltado,
Comecei a ler um livro e nunca mais tive descanso.
Meus pássaros caíam sem sentidos.
No olhar do gato passavam muitas horas
Mas não entendia o tempo àquele tempo como agora.
Não sabia que o tempo cava na face
Um caminho escuro, onde a formiga passe
Lutando com a folha.
O tempo é meu disfarce