segunda-feira, 29 de outubro de 2018

Fernando Gabeira: Uma virada à direita

- O Globo

Ganhar a eleição é difícil; derrotar forças poderosas, mais ainda. Mas dificuldades começam mesmo quando se chega ao governo

A roda rodou. Já vi muitos presidentes, subindo e descendo a rampa. Um deles descendo ao fundo da terra, Tancredo. Collor chegando e saindo de nariz erguido. Lula com tantas promessas.

Itamar, encontrei antes da posse, no Hotel Sheraton. Ele ainda não era o presidente, e eu tentava convencê-lo de que seria. Conheci Itamar desde a Rua Halfeld, a mesma onde Bolsonaro tomou a facada. Era um homem decente, tomava religiosamente uma sopinha ao entardecer. Ousou assinar o Plano Real.

Agora, sobe Jair Bolsonaro. Não foi uma rodada simples, dessas em que PT e PSDB se revezam. Foi mais ampla, como foi a de 64, só que agora sem Guerra Fria, num contexto democrático.

Senti a ascensão de Jair Bolsonaro. Impossível ignorá-la correndo o Brasil, observando as redes sociais. Quando levou a facada em Juiz de Fora, pensei: facada e tiro, quando não matam, elegem.

Se nossa cultura produziu essa certeza, isso quer dizer que a condenação da violência política tende a ser consensual. O presidente eleito deveria encarnar e expressar essa condenação. Não é um conselho, apenas uma leitura do Brasil. Os últimos dias de campanha foram ameaçadores. Prisão, desterro, banir da face da terra. Alta tensão. As universidades podem ser invadidas por ideias, não pela polícia.

Merval Pereira: Bolsonaro não terá cheque em branco

- O Globo

Ele interpretou o sentimento antipetista, mas não deve se enganar: muitos dos eleitores que o escolheram  não são dele 

A vitória expressiva de Jair Bolsonaro indica que as idas e vindas das pesquisas eleitorais captaram a repulsa a seu discurso exaltado a manifestantes na Avenida Paulista no domingo passado, mas não o recuo do presidente eleito, que chegou a perder votos na reta final devido a seu extremismo, mas os recuperou em boa medida ao se mostrar sensível à reação da opinião pública.

Foi uma vitória expressiva, mas não a ponto de dar um cheque em branco ao presidente eleito. Lula teve mais votos que Bolsonaro na eleição de 2006 _ e conquistou os dois mandatos com vantagem sobre o adversário superior a 20 milhões de votos. Considerando-se dono do país, inventou Dilma Rousseff e um esquema político ilegal para perpetuar seu grupo no poder.

O resultado é que falou mais alto, ao final, o sentimento antipetista que tomou conta da população depois que o saldo dos 13 anos de governos do Partido dos Trabalhadores foi uma recessão brutal e o aparelhamento dos órgãos públicos para imposição ideológica de suas verdades, a corrupção para financiar a permanência no poder e alimentar a ganância de seus principais líderes.

Míriam Leitão: Presidente começa com duas faces

- O Globo

Eleição deu força e corpo à direita, mas, pela própria dinâmica da campanha, acabou fortalecendo a democracia

O presidente Jair Bolsonaro teve uma vitória convincente, que permite a ele levar com sucesso a sua agenda ao Congresso e ao país. Mas na festa de ontem houve alguns problemas. Primeiro, o presidente eleito mostrou duas faces nos pronunciamentos iniciais. Primeiro, falou de improviso, usando palavras de divisão com ataques à imprensa e aos “comunistas”. No segundo discurso, escrito, falou seguidamente em liberdade, democracia, Estado de Direito. Só em uma terceira fala é que ele foi mais explícito ao falar de conciliação e se referira todos os brasileiros. 

Esse era um gesto importante aos 47 milhões que não votaram nele e que se assustaram com o tom da sua campanha contra as minorias. Por outro lado, o candidato derrotado, Fernando Haddad, falou apenas para os que votaram nele, um discurso ainda de combate, e não de respeito aos 57 milhões de eleitores que preferiram Jair Bolsonaro.

Bernardo Mello Franco: O baixo clero sobe a rampa

- O Globo

Festa da vitória de Bolsonaro teve discurso anticomunista, oração com pastor e aceno às bancadas conservadoras do Congresso

Na primeira aparição como presidente eleito, Jair Bolsonaro fechou os olhos, baixou a cabeça e fez silêncio para ouvir apalavra de Magno Malta. De camiseta amarela e relógio de ouro no pulso, o dublê de senador e cantor gospel festejou a vitória de “um cristão verdadeiro, um patriota”. “Os tentáculos da esquerda jamais seriam arrancados sema mão de Deus”, celebrou.

O tom de pregação também marcou o discurso de Bolsonaro. Ele começou citando uma passagem bíblica: “Conhecerei a verdade, e a verdade vos libertará”. Depois agradeceu as orações de eleitores e definiu sua chegada à Presidência como “uma missão de Deus”.

Foram sinalizações claras ao eleitorado evangélico, que impulsionou sua vitória. No Ibope de sábado, ele ostentava 27 pontos de vantagem neste segmento religioso. Entre os católicos, Fernando Haddad aparecia dois pontos à frente.

Ascânio Seleme: O brasileiro pode contar com a imprensa

- O Globo

Cada movimento do novo presidente será divulgado, analisado e criticado pelos veículos brasileiros

Jair Bolsonaro foi eleito democraticamente pela vontade da maioria da população brasileira e ganhou o direito de exercer o mandato que lhe foi conferido, sem qualquer questionamento político ou legal. A partir de agora deve ser chamado de presidente eleito, e do dia 1º de janeiro até o fim do seu mandato será o presidente do Brasil. Desde já, todos os seus passos e suas decisões deverão ser acompanhados, debatidos e virados do avesso pelos mesmos cidadãos que o elegeram e pelos que votaram em seu adversário. Para isso, os brasileiros podem contar coma imprensa de seu país. Bolso na rose rá vigiado e fiscalizado.

Esse é o papel dos jornalistas e do jornalismo. Desde a redemocratização, coma eleição de Tancredo/ Sarney, todos os presidentes do Brasil foram objeto de fiscalização permanente da imprensa. Nenhum deles, nem mesmo o primeiro eleito pelo voto direto, foi poupado pelo olhar crítico e independente dos jornalistas. Dois presidentes brasileiros foram afastados de suas funções pelo Congresso Nacional. Ambos foram objeto do escrutínio sem trégua da imprensa. Não será diferente com Bolsonaro. Cada movimento seu será divulgado, analisado e criticado pelos veículos brasileiros.

José Casado: Agora, a vida real vai começar

- O Globo

Futuro presidente e governadores precisam construir uma aliança parlamentar sólida e majoritária a partir de fragmentos políticos

Hoje, a realidade bate à porta de Jair Bolsonaro e dos 14 governadores estaduais eleitos ontem. Eles vão descobrir que o eleitorado entregou o governo, mas sonegou-lhes o poder. São coisas diferentes, interdependentes. Agora, precisam batalhar para conquistá-lo.

Para começar, precisam negociar maiorias no Legislativo, porque sem elas não governam. E o problema é que o eleitorado usou o voto para implodir o sistema partidário. Levou 30 partidos para a Câmara, plantou 21 no Senado e 31 nas assembleias estaduais.

O resultado foi o fracionamento do poder político. Exemplo: é do PT a maior bancada na Câmara, com 56 deputados que detêm apenas 11% dos votos num plenário de 513 parlamentares. No Senado, o MDB ganhou a primazia com 12 vagas, o equivalente a 15% do 81senadores.

Essa lógica se reproduziu nos estados e no Distrito Federal, onde foram eleitos 1.059 deputados. Os resultados dos partidos, individualmente, são modestos.

O MDB ficou com o maior agrupamento parlamentar estadual: 93 deputados, ou 8,7% do total — sua maior bancada está Santa Catarina (22,5% do plenário).

Cacá Diegues: O futuro depois da eleição

- O Globo

Só posso entender clara vitória de Bolsonaro como uma punição que o povo resolveu dar ao país, sobretudo às suas elites governantes

Como se supunha que fosse acontecer, Jair Bolsonaro foi eleito presidente da República. Não há mistério algum em saber quem ele é, não preciso sussurrar num tom de voz conspiratório que ouvi dizer isso ou aquilo dele, do que disse ou andou fazendo. O que ele é, o próprio Bolsonaro nos revela em tantos vídeos que ele mesmo grava ou deixa gravar para exibição pública.

Através desses vídeos, ficamos sabendo que ele considera a ONU uma perigosa reunião de comunistas; que afastaria o Brasil do Acordo de Paris; que pretende resolver a polarização radicalizada da sociedade brasileira eliminando um dos lados, aquele que chama de “vermelho”, dando a seus ativistas a opção de deixar o Brasil ou ir para a cadeia. Os mesmos vídeos nos quais seu filho Eduardo, deputado como ele, afirma que um cabo e um soldado são suficientes para fechar o Supremo Tribunal Federal, confirmando a anedota pessimista do jurista Nelson Hungria: “Acima do Supremo, só os tanques e as baionetas”.

Os vídeos nos mostram que Bolsonaro prefere um regime autoritário e é a favor da tortura, tratando como herói um célebre torturador dos porões de nossa ditadura, Carlos Alberto Brilhante Ustra. O ex-capitão adotou, como slogan de sua campanha à Presidência, a frase patriótica e religiosa: “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos”. Como dificilmente o Senhor vai se dar ao trabalho de descer à Terra para ajudá-lo a governar o país nesses próximos quatro anos, só restará a Bolsonaro se auto-nomear delegado d’Ele, autorizando a si mesmo os gestos que julgar que Deus praticaria.

Ana Maria Machado: Agora é cinza

- O Globo

Com a eleição de Jair Bolsonaro, chega ao fim a campanha eleitoral mais exacerbada de nossa história, numa disputa de rejeições. Uns festejam a vitória e tripudiam, certos de que são os bons. Outros, derrotados, buscam bodes expiatórios e juram revanche. A poeira precisa assentar, pelo futuro de todos.

Talvez um bom começo de reflexão nos faça constatar que, em meio a tanta gente que votou diferente de nós, muitos (talvez a maioria) queriam o bem do país e tempos melhores. A polarização pode não ter deixado que se percebesse, mas muita gente não votou assim ou assado porque era comunista ou fascista, corrupto, vendido, racista ou homofóbico — em suma, não votou em um candidato porque ele era horrível mas votou apesar de ele representar horrores. Ou seja, escolheu apenas para impedir o outro de chegar lá, mesmo tendo de tapar o nariz para as características daquele cujo nome confirmava na urna. Sem qualquer entusiasmo por sua opção, muitos só queriam deter o que lhes parecia assustador. Votaram por pavor.

Eliane Cantanhêde: Bolsonaro promete ‘Nação grande, livre e próspera’. Mas como?

- O Estado de S.Paulo

Mais do que as palavras, destacam-se os símbolos no primeiro pronunciamento do presidente eleito

O grande desafio a partir de agora é decifrar quem é, o que pretende e o que vai conseguir efetivamente fazer o novo presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, que quebra todos os paradigmas e foi eleito num dos maiores movimentos de renovação já vistos no País. Há uma esperança enorme, mas também muitos temores.

Após a vitória, Bolsonaro fez um apelo à pacificação de um País que sai profundamente dividido da eleição e se comprometeu com “a Constituição, a democracia e a liberdade”. Isso é importante não só para a Nação, mas para o próprio Bolsonaro, que chocava ao defender a ditadura e a tortura, mas deixa para trás a persona candidato e assume a de presidente eleito, contemporizador e pragmático como deve ser.

Mais do que as palavras, destacam-se no primeiro pronunciamento os símbolos. Ele desdenhou a TV e optou pelas redes sociais, tão fundamentais para a construção de sua candidatura e a vitória. E mais: a simplicidade dele e de sua mulher, a Bíblia e a Constituição sobre a mesa, o broche de deputado federal na lapela do paletó, sem gravata.

Vera Magalhães: No mano a mano, presidente eleito supera Lula

- O Estado de S.Paulo

Preso desde abril, petista achou que ditaria, da carceragem da Polícia Federal em Curitiba, o resultado da eleição

Luiz Inácio Lula da Silva foi suplantado por Jair Bolsonaro neste domingo. Esta é a grande fotografia que fica do resultado do segundo turno. Fernando Haddad sempre foi um dublê de corpo numa eleição que desde cedo se tornou plebiscitária entre o lulismo e o antilulismo.

Condenado em segunda instância por corrupção e lavagem de dinheiro, preso desde abril, Lula achou que ditaria, da carceragem da Polícia Federal em Curitiba, o resultado da eleição. Seu peso na política brasileira foi suficiente para levar Haddad ao segundo turno, contra o adversário que ele escolheu lá atrás e que achou que era inelegível, dada a alta rejeição que tinha.

Cida Damasco: O fim e o começo

- O Estado de S.Paulo

Empresários e mercados esperam confirmação da agenda liberal na economia

Terminou neste domingo um dos períodos mais conturbados da história recente do País, que uniu a explosão das jornadas de 2013, o trauma do impeachment de Dilma Rousseff, a crise renitente do governo Temer e a cruenta campanha eleitoral de 2018. E, se esse fecho é motivo de alívio, não se pode dizer que seja também garantia de tranquilidade. Começa agora outra etapa, até o momento cercada de dúvidas e temores, mesmo para quem embarcou na novidade Jair Bolsonaro (PSL), eleito Presidente da República com uma plataforma que alia liberalismo e conservadorismo, mas apoiada principalmente na força do antipetismo.

Os próximos dois meses até a posse do presidente, em 1º de janeiro, serão cruciais, portanto, para clarear esse cenário e demonstrar se o novo presidente está disposto a honrar compromissos permanentes, conviver com os diferentes e governar para todos. E se será “novo” de fato, inclusive nas relações com o Congresso. Quanto às oposições, depois da tentativa frustrada de reagrupamento de forças no segundo turno, terão de provar se estão empenhadas em atuar com responsabilidade e contribuir para solucionar os problemas reais do País – não apenas em torpedear as iniciativas do Planalto.

Denis Lerrer Rosenfield: A nova direita

- O Estado de S.Paulo

A ideologia de esquerda está perdendo espaço para a emergência de novas forças políticas

O quadro eleitoral mudou a face do País. Novos parlamentares, novos governantes. Os padrões que vinham orientando a conduta dos políticos sofreu uma brusca transformação, desde a importância da televisão, que perdeu a sua força em detrimento das redes sociais, até a afirmação do antipetismo como ideia transformadora. A ideologia de esquerda perde a sua aderência, abrindo espaço para a emergência de novas forças.

Até estas últimas eleições tínhamos um critério definido, articulado em torno da oposição PT-PSDB. O esquema vigente estruturava-se a partir de uma alternativa entre uma esquerda social-democrata e uma que detestava essa denominação, fazendo o jogo da democracia, apesar de não reconhecer o seu valor universal.

Os valores da esquerda funcionavam como uma espécie de terreno comum, balizando os termos da disputa. Segundo as necessidades eleitorais, os tucanos faziam uma leve inflexão à direita, para capturar os seus votos, embora não se reconhecessem nesse movimento. Os petistas, por sua vez, saíam de sua posição de esquerda ou de extrema esquerda rumo ao centro para não afugentar cidadãos comprometidos com a democracia e os princípios do Estado de Direito e de uma economia de mercado.

Marcus André Melo: Instituições e sociedade

- Folha de S. Paulo

Governabilidade dependerá de como Jair Bolsonaro enxergará sua vitória

Há duas visões rivais sobre um futuro governo Bolsonaro. A primeira está assentada em um argumento institucionalista forte, Linziano, de crise em regimes presidencialistas.

A expressão remete a Juan Linz (1926-2013), para quem este tipo de regime é constitutivamente instável devido a sua inflexibilidade (o presidente tem mandato mesmo quando perde apoio parlamentar) e sua legitimidade dual (presidente e Congresso são eleitos).

O futuro governo representaria nesta visão um “homem forte” que teria fortes incentivos para implementar unilateralmente sua agenda.

Defrontando-se com um Congresso hostil, tentará de forma plebiscitária aprovar sua agenda, deflagrando uma crise constitucional. Sua falta de compromisso com a institucionalidade democrática converteria seu governo numa bomba-relógio.

A segunda visão poderia ser chamada de institucionalista fraca, pós-Linziana, do presidencialismo. Nela a relação Executivo-Legislativo não é um jogo de soma zero: há incentivos sob o presidencialismo para a cooperação porque há ganhos de troca.

Vinicius Mota: compre bom senso e parcimônia

- Folha de S. Paulo

Democracia brasileira, que absorvera entrantes do PT no governo federal em 2002, reabriu as portas agora, para o outro lado do espectro

A democracia do Brasil acaba de dar vazão a um profundo e duradouro sentimento de contrariedade com partidos estabelecidos.

O mal-estar se acumulava desde junho de 2013. Rebentou em manifestações inespecíficas de revolta, rompantes de violência e depredações naquele ano. Prolongou-se pela campanha presidencial de 2014, decidida por um punhado de votos.

Irrompeu nem bem reempossada estava a presidente vitoriosa. Alimentado por uma recessão cruel, produziu as maiores mobilizações de rua da história. Propeliu o impeachment de Dilma Rousseff e o mergulho da popularidade de Michel Temer após o escândalo da JBS.

Inflamou o espírito de pequenos proprietários e da porção majoritária da população, que os apoiou, no levante dos caminhoneiros em maio passado. Foi a primeira rebelião de característica autoritária, difusamente golpista, sob o regime de 1988.

Leandro Colon: O pitoresco venceu

- Folha de S. Paulo

Com Bolsonaro no Planalto, o jornalismo profissional continuará sendo fundamental

O deputado Jair Bolsonaro chega à Presidência da República pela democracia, sistema político pelo qual demonstrou pouco apreço nos 27 anos de carreira na Câmara.

Democracia que elegeu em 89 um falso caçador de marajás e vendedor de ilusões, um sociólogo em 94 e 98, um torneiro mecânico em 2002 e 06, e uma ex-guerrilheira em 2010 e 14.

Não se pode, definitivamente, exigir do eleitor brasileiro um padrão de votação. Quem diria, há quatro anos, que o eleito em 2018 seria um deputado do baixo clero com desempenho parlamentar medíocre. Um capitão reformado considerado pitoresco pelos colegas de plenário por causa dos discursos de intolerância, em defesa da tortura e da ditadura militar. Pois o pitoresco venceu.

Bolsonaro assumirá em janeiro a chefia da República legitimado por 55% dos votos válidos registrados pelas teclas 1 e 7 das urnas eletrônicas que o candidato tanto desacreditou.

Celso Rocha de Barros: No fundo do poço há o porão

- Folha de S. Paulo

Nunca descemos tão baixo, nunca fomos tão repulsivos

Não há como diminuir o tamanho da catástrofe que aconteceu ao Brasil neste domingo (28). Somos o único país do Ocidente cujo presidente tem como livro de cabeceira as memórias falsificadas do maior torturador da ditadura militar. Somos o único país do Ocidente cujo presidente prefere ter um filho morto a ter um filho gay.

O vice-presidente do Brasil é um defensor consistente de golpes de Estado. O filho do presidente fala abertamente em fechar o Supremo Tribunal Federal. Animados pelo exemplo de seu líder, juízes censuram universidades, e fanáticos ofendem gays nas ruas.

Nunca descemos tão baixo, nunca fomos tão repulsivos diante do mundo, que assistiu o desenrolar desse desastre com horror.

Chegamos no fundo do poço, e ali havia um porão. O porão.

Temos o líder mais extremista de todas as nações democráticas, e precisamos torcer para que a situação continue a ser essa: afinal, talvez não estejamos mais entre as nações democráticas em breve.

O tema desse pós-eleição será o risco de golpe militar, ou escalada autoritária. Quando isso é assunto, a democracia já está doente. O papel dos militares na política brasileira deveria ser o que é em todas as nações desenvolvidas: nenhum.

Fernando Limongi: Anos de chumbo

- Valor Econômico

Aos derrotados cabe cobrar dos eleitos respeito às leis

"Ninguém poderia esperar que um candidato marxista venceria uma eleição pelo voto universal, secreto e burguês." Esta, a manchete do conservador "El Mercúrio" após a vitória de Salvador Allende no segundo turno da eleição presidencial chilena de 1970.

Urnas continuam a produzir resultados inesperados, difíceis de tragar para os derrotados. É da natureza da democracia: nenhuma opção pode ser descartada de antemão. O eleitor é soberano e não precisa explicar porque fez esta ou aquela escolha.

O paradoxal é que Bolsonaro foi eleito por um método pelo qual não tem o menor apreço. A sua rejeição à democracia vai além da desconfiança que nutre às urnas eletrônicas, que acredita serem programadas por petistas infiltrados no TSE e teleguiados por uma central sediada no Equador. A rejeição é mais profunda: Bolsonaro prefere um regime militar.

Em um de seus últimos programas de TV, o locutor afirmou que o governo Bolsonaro corrigiria os erros dos últimos 30 anos. Ou seja, os desacertos começaram quando os militares cederam o poder aos civis e a Constituição foi reescrita. A rejeição ao PT é parte da condenação do regime no qual o partido cresceu e chegou ao poder. Quando entrou na política, Bolsonaro queria fuzilar FHC.

Na cabeça do presidente eleito, formatada nos anos 60 do século passado, corrupção e dissolução moral seriam traços indissociáveis de regimes democráticos. O transplante do discurso da Guerra Fria para o mundo atual pediu algumas adaptações, mas o ideário do capitão continua pautado pelo "perigo vermelho". Nas suas categorias, esquerdistas não passam de vagabundos, isto é, merecem o mesmo tratamento que bandidos. Foi isto que prometeu fazer ao discursar para seus seguidores reunidos na Paulista.

Angela Bittencourt: Espera-se que Paulo Guedes "governe" na medida certa

- Valor Econômico

Câmbio é "calcanhar de Aquiles" dos estrangeiros

A lua de mel do mercado com o novo presidente eleito neste domingo vai durar até a cerimônia de posse? Esta pergunta foi feita, na semana passada, repetidamente à Coluna, que devolveu a questão, recebeu várias respostas e considerou esta a mais instigante: "Vai durar até que o ministro da Fazenda descubra que o tempo da economia é um e o tempo da Política é outro. O tempo da economia é o da urgência; o tempo da política é o da negociação. Há um excesso de otimismo com Paulo Guedes exatamente porque o economista ainda não se apropriou adequadamente da figura de ministro que exercerá a partir de segunda-feira", afirma o interlocutor.

Para um profissional do mercado financeiro, Paulo Guedes pode cometer um equívoco - ou meter os pés pelas mãos - se decidir se apressar para fazer anúncios assim que formalizada a vitória de Jair Bolsonaro. "O que se espera é que ele volte a falar. Que não se tranque em copas. Que sinalize que a equipe que já está na Fazenda e no Tesouro e no BC permaneça ou diga que seguem conversando e isso vale também para Bolsonaro. Vale até um 'tamo junto' de Bolsonaro, referindo-se às equipes ou parte delas que já estão no governo", diz a fonte.

Outra clara indicação observada pela Coluna é quanto à formalidade esperada para as reformas. Questionados sobre a independência do Banco Central (BC), os profissionais do mercado financeiro são positivos quanto ao assunto, acreditam que o governo fruto dessa eleição preocupa-se com legitimidade das instituições e perseguirá a independência do BC. E, também por esse motivo, consideram indispensável a aprovação de um projeto de lei que discrimine todas as condições a serem cumpridas pela instituição para que ela tenha o selo de "independente".

Ricardo Noblat: Em cena, o Bolsonaro democrata

- Blog do Noblat | Veja

Todo cuidado com o outro é pouco

O que você prefere – seja para conviver, exaltar ou se opor? O Bolsonaro que no último domingo dia 21 dizia que os “vermelhos” seriam varridos do país para a cadeia ou o exílio?

Ou o Bolsonaro que sete dias depois, uma vez eleito presidente da República, jurou invocando Deus que será um defensor incondicional da Constituição, da democracia e da liberdade?

Essa pergunta não deve ser feita a um bolsonarista da gema. Primeiro porque ele só tem tempo para celebrar a vitória. Segundo porque continua disposto a justificar tudo o que o Mito faça ou diga.

E assim será até que as ações do futuro governante comecem a afetar sua vida para o mal em nome do bem futuro. Finalmente cairá a ficha. E o coração cederá a vez ao bolso.

Bolsonaro fez dois discursos depois de eleito. O primeiro por meio das redes sociais para os acostumados a vê-lo ali. O segundo transmitido por redes de emissoras de rádio e de televisão.

Foi de improviso o primeiro. O segundo foi lido. Importa o segundo. Ele marca a migração do Bolsonaro extremista velho conhecido para o Bolsonaro democrático novinho em folha que agora se apresenta.

Luiz Carlos Azedo: A esperança mudou de lado

- Correio Braziliense

“Pela primeira vez desde a redemocratização, teremos um militar na Presidência da República, eleito pelo voto direto, secreto e universal”

Toda eleição é uma esperança de mudança. Durante muitos anos, as duas palavras estiveram associadas ao PT, como um mantra para chegar ao poder. A vitória veio para o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 2002. A passagem pelo governo federal, porém, associou a esquerda à corrupção e à incompetência administrativa. Isso já havia ocorrido em muitas cidades e alguns estados administrados pela legenda, mas se generalizou em boa parte do país por causa do fracasso econômico do governo Dilma Rousseff e da condenação de Lula pela Operação Lava-Jato. Resultado: a esperança mudou de lado.

Jair Bolsonaro (PSL) foi eleito presidente da República com aproximadamente 55% dos votos válidos, contra 45% de Fernando Haddad (PT). Depois da facada que levou em Juiz de Fora, teve a imagem humanizada e fez campanha praticamente sem sair de casa, pelas redes sociais. Na reta final, venceu o medo disseminado pelos adversários de que implantaria um governo despótico, muito em razão de suas atitudes e declarações de viés autoritário e à imagem de homofóbico e misógino, construída como deputado federal em incidentes na Câmara e com a imprensa. Pela primeira vez desde a redemocratização, teremos um militar na Presidência da República, eleito pelo voto direto, secreto e universal.

O discurso político de Bolsonaro em relação ao seu governo tem matriz positivista, típica da cultura sedimentada nas casernas desde a Escola Militar da Praia Vermelha, o berço do tenentismo, e que está vivíssima no lema da bandeira nacional: Ordem e Progresso. Seu projeto político sempre foi conservador, nacionalista, autoritário, mas sinalizou um choque liberal na economia que está em contradição com essa formação político-ideológica. Para a grande maioria dos brasileiros, porém, mirou a agenda prioritária: o combate à corrupção, ao crime organizado e ao desemprego. As pautas identitárias, que funcionam como uma espécie de gazua do PT para se rearticular nos movimentos sociais e não discutir o próprio fracasso no governo, ficaram em segundo plano para a maioria dos eleitores. Serviram muito mais como um instrumento de chantagem para mobilizar o voto antibolsonaro junto ao chamado “centro democrático”. Essa pauta, porém, alimentou o medo.

Por que Haddad perdeu as eleições? Com Lula na prisão, o PT tem muitas dificuldades para responder. Somente uma autocrítica profunda poderia fazê-lo. Mas não é isso que acontecerá. O partido é prisioneiro de uma narrativa construída para varrer seus erros para debaixo do tapete. Passará à oposição com um discurso antifascista. Outro equívoco: a eleição de Bolsonaro não representa uma mudança de regime; não se pode chamar 57,8 milhões de eleitores de fascistas. Entretanto, não faltarão comparações com a República de Weimar e a chegada de Hitler ao poder.

Precisamos aprender com o Chile, palco da ditadura mais sanguinária da América do Sul. Desde a vitória do “No” no histórico plebiscito convocado pelo general Augusto Pinochet, em 1990, liberais, socialistas e conservadores se revezam no poder, em sucessivas eleições, sem nenhum retrocesso de ordem institucional. A alternância de poder é um pilar da democracia, assim como o direito ao dissenso da minoria oposicionista. Pela primeira vez, desde a eleição de Tancredo Neves, teremos um governo assumidamente de direita. A esquerda, que banalizou o termo, terá de aprender a conviver com isso. Nosso Estado democrático de direito já deu demonstrações de grande resiliência, uma delas foi sobreviver ao maior assalto aos cofres públicos de que se tem conhecimento, o escândalo do petrolão.

Bolsonaro e a esfinge: Editorial | Folha de S. Paulo

Ou o presidente eleito decifra a enormidade dos desafios que terá pela frente, ou será devorado

Partidários do presidente eleito, Jair Messias Bolsonaro, ainda comemoram a vitória nas urnas neste domingo (28). Nada mais justo. Com o endosso de quase 58 milhões de votos, a sua eleição cristaliza o colossal alcance atingido pelo movimento de mudança da política brasileira no pleito deste 2018.

Legítima, a plataforma conservadora consagrada nas urnas merecerá daqui em diante o debate que não houve durante a campanha. Na temática dos costumes e dos direitos difusos, em particular, quase tudo o que Bolsonaro propõe colide com o que esta Folha defende.

A ampliação do porte de armas, o abrandamento dos controles sobre policiais que matam, a censura a professores em sala de aula, o endurecimento das regras para o aborto e o consumo de drogas e a flexibilização das leis ambientais continuarão a ser objeto de crítica nestas páginas.

Este jornal entende, no entanto, que a propositura e o debate dessas ideias, desde que ocorram dentro das regras do jogo democrático, consolidam no Brasil um campo conservador, existente em quase todos os regimes abertos do mundo, importante para conferir mais dinamismo e representatividade à política nacional.

Com a condição de que, repita-se, os meios legais sejam respeitados, ordenamentos alinhados com o pensamento de direita serão válidos e terão de ser obedecidos por todos, inclusive pelos que deles discordem no mérito, aos quais sempre restará o recurso de tentar alterá-los pela via democrática.

Nem Jair Bolsonaro nem os quadros de que se cercou até aqui dominam as técnicas da administração pública e da negociação no Congresso Nacional. É perda de tempo insistir na bravata de que se possa governar um país continental e institucionalmente complexo sem essas habilidades.

Reconhecer a deficiência e identificar no acervo de políticas públicas em andamento o que precisa ser continuado —e, no conjunto dos técnicos experientes e capazes, quem mereça permanecer no cargo— seria um sinal de sabedoria.

Constituição acima de todos: Editorial | Folha de S. Paulo

Jair Bolsonaro precisa mostrar-se à altura do mandato recebido

Jair Bolsonaro ganhou nas urnas o direito de usar a faixa presidencial. A maioria dos eleitores expressou sua vontade de encerrar o ciclo de disputas entre PT e PSDB e iniciar um novo capítulo de alternância de poder.

Pela primeira vez desde a redemocratização, a direita mais nítida e enraizada que se faz possível neste país de profundas contradições chega de forma legítima ao Palácio do Planalto.

Em seus discursos da vitória, o capitão reformado amainou a retórica agressiva que vinha empregando, dirigiu-se genericamente a “todos os brasileiros” e fez o devido elogio à Constituição, à democracia e às liberdades.

Reconheça-se o gesto, mas sem deixar de apontar que, durante 27 anos como deputado e ao longo desta eleição, Bolsonaro deu inúmeros sinais de que ignora rudimentos da convivência democrática, como o respeito às instituições de Estado, a proteção das minorias e a transigência com diferentes pontos de vista.

Também demonstrou desconhecer o papel da imprensa livre nas sociedades modernas. Inconformado com uma reportagem, entrou com ação contra três profissionais deste jornal. Por meio de advogados, sugere que a Folha o transformou em alvo e agiu com o propósito de prejudicar sua candidatura.

Salto no escuro: Editorial | O Estado de S. Paulo

Se há um ano alguém dissesse que Jair Bolsonaro tinha alguma chance de se eleger presidente da República, provavelmente seria ridicularizado. Até pouco tempo atrás, o ex-capitão do Exército era apenas um candidato folclórico, desses que de tempos em tempos aparecem para causar constrangimentos nas campanhas – papel cumprido mais recentemente pelo palhaço Tiririca, aquele que se elegeu dizendo que “pior do que está não fica”. Pois a “tiriricarização” da política atingiu seu ápice, com a escolha de um presidente da República que muitos de seus próprios eleitores consideram completamente despreparado para chefiar o governo e o Estado.

A explicação mais óbvia para tal fenômeno é que os eleitores escolheram Bolsonaro porque este se apresentou como a antítese raivosa do lulopetismo. A ânsia de repudiar tudo o que o PT e Lula da Silva representam superou qualquer outra consideração de caráter político. A julgar pelas manifestações públicas de eleitores de Bolsonaro nas redes sociais e nas ruas, sejam os de primeira hora, sejam aqueles que aderiram na reta final, era preciso dar um enfático basta às patranhas lulopetistas, como já havia acontecido nas eleições municipais de 2016, e impedir que o PT continuasse com seu processo de destruição do País.

Infelizmente para o Brasil, quem se apresentou para essa missão com sucesso não foi a oposição tradicional, organizada e responsável, e sim um obscuro parlamentar do baixo clero, portador de um discurso raivoso e vazio, que apelou aos sentimentos primários de uma parte significativa da sociedade exausta de tanto lulopetismo – e nisso foi muito bem-sucedido.

A hora do rodízio democrático no poder: Editorial | O Globo

A derrota do PT para uma direita assumida realça o mecanismo de oxigenação do regime pelo voto

É preciso que os dois blocos ideológicos ajudem a pacificar o país, essencial para o enfrentamento dos graves problemas nacionais

A vitória de Jair Bolsonaro, na oitava eleição presidencial direta depois da redemocratização, é o desfecho de uma campanha intensa, com vários ingredientes de elevada combustão. Por isso mesmo, foi um pleito que serviu para atestar a solidez do estado democrático de direito. E consolidá-lo ainda mais.

O fato de um líder popular, Lula, estar encarcerado por corrupção e lavagem de dinheiro, e ainda por cima ter estado à frente em pesquisas eleitorais, colocou no centro dos debates políticos o Poder Judiciário. O PT e advogados do ex-presidente exerceram pressão máxima, de várias formas, legais e outras nem tanto, para que o candidato Lula pudesse tentar despachar no Planalto pela terceira vez.

Mas, para isso, seria preciso desobedecer à Lei da Ficha Limpa, segundo a qual réu condenado em duas instâncias fica inelegível por oito anos. Sem a possibilidade de qualquer mudança na legislação pelas vias normais do Congresso, restaria algum inconcebível contorcionismo em tribunais, numa reinterpretação da lei, para restabelecer a elegibilidade de Lula. Este sim, um “golpe”.

Como se esperava, leis foram respeitadas, norma inegociável num país já com três décadas sob a mesma Constituição, a que restabeleceu o regime democrático e respectivos direitos e liberdades.

Foram em vão pressões políticas, chicanas advocatícias, lobbies e manobras no exterior, inclusive na ONU. Valeu, como deve valer sempre, a decisão do Judiciário brasileiro, poder independente como estabelece a Carta.

Desafio de Bolsonaro é a moderação no poder: Editorial | Valor Econômico

Jair Bolsonaro, do PSL, venceu com uma confortável e convincente vantagens de quase 10,7 milhões de votos em relação a seu rival petista, Fernando Haddad. A onda antipetista, impulsionada por Bolsonaro, quebrou a polarização tradicional nas eleições presidenciais das últimas décadas entre PT e PSDB, arrastou a maioria dos votos e o apoio de vários governadores nos Estados mais ricos da nação, no Sul e Sudeste, elegeu a segunda maior bancada na Câmara dos Deputados - que ainda pode crescer - e criou potencial de arregimentação parlamentar que pode lhe garantir no início da gestão, o apoio necessário para aprovar as primeiras medidas que definir.

Impõe-se agora que o presidente eleito defina desde logo quais serão as linhas de orientação de seu governo. Seu programa não foi nada claro a respeito durante uma campanha eleitoral radicalizada, na qual Bolsonaro se esquivou dos principais debates na reta final. Contados os votos, Bolsonaro terá de se elevar à altura do estadista que não foi até agora, após desferir agressões a minorias e adversários políticos, render homenagens aos tempos em que não havia eleições para a Presidência e ser obscuro sobre o que pretende fazer para enfrentar a aguda crise fiscal do país.

Há tempos difíceis à frente na economia e na política, após a disputa eleitoral tensa e radicalizada. Bolsonaro terá de governar para todos os brasileiros, entre os quais se contam os 46,4 milhões de eleitores que votaram em seu rival, os 11 milhões que anularam ou votaram em branco e os 31,2 milhões que não foram às urnas. Em seu primeiro discurso após a vitória, ele procurou apaziguar os temores de que seu governo possa ser marcado pelo cerceamento das garantias democráticas.

Roberto Freire destaca decisão das urnas e diz que PPS fará oposição democrática

- Portal do PPS

O presidente do PPS, Roberto Freire (SP), saudou, ao comentar a eleição do candidato Jair Bolsonaro (PSL-RJ) para a presidência da República, neste domingo ( 28), a vitória da democracia brasileira. O dirigente adiantou que o PPS fará uma oposição democrática comprometida com os interesses da sociedade e do País.

“Desejamos êxito [ao presidente eleito]. Saudamos a vitória da democracia brasileira. A democracia foi vitoriosa. Uma eleição que ocorreu sem maiores problemas. Alguns eventos graves, evidentemente, mas superados. A afirmação democrática hoje se fez. Que tenham certeza que receberá do PPS uma oposição democrática. Terá sempre a certeza do PPS o compromisso de apoiar tudo aquilo que for de interesse público e para o bem da sociedade.” afirmou o dirigente.

Direitos democráticos
Roberto Freire disse que o partido espera que Jair Bolsonaro governe com a Constituição e respeite as liberdades democráticas.

“O PPS esperta que Bolsonaro respeite e governe de acordo com a Constituição. Respeitando sempre as liberdades democráticas. Esperamos que ele cumpra a Constituição”, defendeu.

Eleições
O futuro presidente da República venceu a disputa contra o candidato do PT, Fernando Haddad (SP). Bolsonaro assumirá o poder máximo da República em um País em crise econômica e alto índice de desemprego.

Fernando Pessoa: Grandes

Grandes são os desertos, e tudo é deserto.
Não são algumas toneladas de pedras ou tijolos ao alto
Que disfarçam o solo, o tal solo que é tudo.
Grandes são os desertos e as almas desertas e grandes
Desertas porque não passa por elas senão elas mesmas,
Grandes porque de ali se vê tudo, e tudo morreu.
Grandes são os desertos, minha alma!
Grandes são os desertos.

Não tirei bilhete para a vida,
Errei a porta do sentimento,
Não houve vontade ou ocasião que eu não perdesse.
Hoje não me resta, em vésperas de viagem,
Com a mala aberta esperando a arrumação adiada,
Sentado na cadeira em companhia com as camisas que não cabem,
Hoje não me resta (à parte o incômodo de estar assim sentado)
Senão saber isto:
Grandes são os desertos, e tudo é deserto.
Grande é a vida, e não vale a pena haver vida,

Arrumo melhor a mala com os olhos de pensar em arrumar
Que com arrumação das mãos factícias (e creio que digo bem)
Acendo o cigarro para adiar a viagem,
Para adiar todas as viagens.
Para adiar o universo inteiro.

Volta amanhã, realidade!
Basta por hoje, gentes!
Adia-te, presente absoluto!
Mais vale não ser que ser assim.

Comprem chocolates à criança a quem sucedi por erro,
E tirem a tabuleta porque amanhã é infinito. Mas tenho que arrumar mala,
Tenho por força que arrumar a mala,
A mala. Não posso levar as camisas na hipótese e a mala na razão.
Sim, toda a vida tenho tido que arrumar a mala.
Mas também, toda a vida, tenho ficado sentado sobre o canto das camisas empilhadas,
A ruminar, como um boi que não chegou a Ápis, destino.

Tenho que arrumar a mala de ser.
Tenho que existir a arrumar malas.
A cinza do cigarro cai sobre a camisa de cima do monte.
Olho para o lado, verifico que estou a dormir.
Sei só que tenho que arrumar a mala,
E que os desertos são grandes e tudo é deserto,
E qualquer parábola a respeito disto, mas dessa é que já me esqueci.

Ergo-me de repente todos os Césares.
Vou definitivamente arrumar a mala.
Arre, hei de arrumá-la e fechá-la;
Hei de vê-la levar de aqui,
Hei de existir independentemente dela.

Grandes são os desertos e tudo é deserto,
Salvo erro, naturalmente.
Pobre da alma humana com oásis só no deserto ao lado!

Mais vale arrumar a mala.