segunda-feira, 19 de novembro de 2018

Opinião do dia: Luiz Sérgio Henriques*

Difícil exagerar as dificuldades que teremos à frente. Alternativas políticas ou econômicas propriamente ditas, que, mesmo operacionalmente imprecisas, ambicionam mudar a face do capitalismo brasileiro, têm convivido no espaço público com delicados temas éticos, agitados muitas vezes de forma superficial, quando não leviana, à maneira de memes de internet ou bravatas politicamente incorretas. Tais aspectos eticamente relevantes também deixam marca em políticas públicas que darão um sentido regressivo ou inovador às nossas relações sociais cotidianas, ao modo como nos comportamos uns com os outros. Os democratas devem não só avaliar os resultados práticos da reforma que se pretende, como também impedir que se enxovalhe a ideia da História como criação acidentada, mas permanente, de valores já irrenunciáveis, como, entre outros, o da tolerância.

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*Tradutor e ensaísta, é um dos organizadores das ‘obras’ de Gramsci no Brasil. ‘Política e valores’, O Estado de S. Paulo, 18/11/2018.

Fernando Gabeira: Linha direta com Deus

- O Globo

Uma coisa é aproximar-se dos EUA. Outra coisa é clonar alguns elementos da política externa americana, como se fôssemos eles

Enfim, Bolsonaro anunciou o novo ministro das Relações Exteriores. Havia gente reclamando. As falas do governo eleito provocaram atritos para quase todo lado: países árabes, China, Cuba, Noruega e Holanda. A esperança é que um novo chanceler unifique o discurso e o cubra de um verniz diplomático para atenuar os choques.

Mas as ideias do novo chanceler, Ernesto Araújo, acabaram deslocando a inquietação para outro nível. Não as conhecemos no conjunto, apenas fragmentos de artigos teóricos e posts em sua rede social. Ele acha que Trump pode conduzir a salvação de um Ocidente apático, a partir da tradição cultural, principalmente a ânsia por Deus. Como ele, é cético em relação ao aquecimento global. Certamente, será combatido pela sua fé e sua descrença política em fatos em que a maioria dos cientistas acredita.

Isso não me surpreende tanto. Na verdade, a política, num século em que a religião regrediu, procura de todas as formas substituí-la no imaginário popular. Em muitas ocasiões, mencionei o caráter religioso do marxismo, com sua visão de paraíso e seu script determinista da história. Ela nos garante a vitória final, como os cristãos creem na subida aos céus, apesar da sucessão de derrotas cotidianas.

Além das notas sobre o marxismo, tenho mencionado a crítica de John Gray à nova direita inglesa, baseada também na denúncia dos elementos religiosos do Iluminismo, da expectativa de ocupar o mundo com o livre comércio e a democracia liberal.

Numa idade de fé minguante, tanto marxismo quanto liberalismo investem esperanças transcendentais no seu projeto de mudar o mundo. A julgar pelos fragmentos do texto do chanceler Ernesto Araújo, sua concepção é diretamente religiosa. As esperanças transcendentais não se se escondem nem se disfarçam como nas teorias modernas. Elas não substituem uma visão religiosa: são a própria visão religiosa.

Demétrio Magnoli: O pânico dos intelectuais

- O Globo

Desde o 28 de outubro, dia do triunfo de Bolsonaro, os intelectuais universitários —ou, ao menos, grande parte deles —entraram em transe. Uma aflição incontida os leva a acreditar nos artefatos retóricos que produziram antes do desenlace, de olhos postos no embate eleitoral. Pelo que vi e ouvi, nossos acadêmicos creem que um “neofascista” tomou o poder e consolidou o “golpe do impeachment”. De fato, acreditam que nossa democracia implodiu, e já vivemos sob um embrionário regime de força. Não vale a pena refutar ideias tão extravagantes. Mais útil é investigar como pessoas cultas são capazes de ceder a tais desvarios. Suspeito que isso tenha relação direta com o medo — mas não exatamente o medo do autoritarismo de Bolsonaro.

Intelectuais, no sentido em que uso aqui o termo, geralmente são funcionários públicos. Suas vidas, seus salários e suas aposentadorias dependem do Estado. Medo de perder emprego ou renda — eis uma hipótese tentadora para explicar o fenômeno em curso. Se a chama do autoritarismo pulveriza a democracia, nenhuma lei ou tribunal protegeria os direitos dessa parcela do funcionalismo encarregada de pensar. O medo, porém, estende-se bem além disso.

Bolsonaro foi alvo de mais manifestos de intelectuais e artistas que o comum dos candidatos não petistas. A tradição moderna de manifestos eleitorais merece exame sociológico. Artistas os assinam pois cultivam a reconfortante ilusão de que seus fãs têm interesse em saber o que eles pensam. Intelectuais, por outro lado, têm plena ciência de que suas preferências eleitorais não mudam nem um mísero voto, em Belford Roxo ou no Leblon. Ao contrário do que parece, eles não assinam manifestos para impulsionar um candidato ou partido, mas para beneficiarem a si próprios.

Cacá Diegues: A indústria do simbólico

- O Globo

As resistências ao financiamento público da cultura brasileira têm origem em preconceitos políticos e ideológicos

No Brasil, quando se fala em cultura, se pensa logo na Lei Rouanet. Para elogiá-la ou, o mais comum, demonizá-la como instrumento de corrupção e malfeitos. Nada mais injusto. A Lei Rouanet, criada em 1991 pelo diplomata e filósofo Sergio Paulo Rouanet quando secretário de Cultura, viabiliza a produção cultural da qual participam decisivamente três diferentes sujeitos responsáveis, que a fazem passar pela vontade democrática dos setores concernidos da sociedade: o produtor cultural que propõe seu projeto, o poder público que cria as regras para seu financiamento e os agentes privados que vão deduzir de seus impostos o que lhes é permitido por lei investir. Claro, nenhuma lei é perfeita, e há sempre como aperfeiçoá-la. Mas negar a importância e o valor da Lei Rouanet é recusar o que se faz de mais avançado em quase todo o mundo civilizado, onde circulam regras parecidas, do capitalismo neoliberal dos Estados Unidos ao capitalismo de Estado da China.

Poucos depreciadores apressados da Lei Rouanet se dão conta de que ela não abarca todas as formas possíveis de cultura. A produção de filmes brasileiros, por exemplo, não é atendida por ela. Nosso cinema é financiado exclusivamente através da Lei do Audiovisual, a lei 8.685, aprovada em 1993 durante o governo Itamar Franco.

As resistências ao financiamento público da cultura brasileira têm origem em preconceitos políticos e ideológicos. Pela natureza do que ela significa como manifestação do que vai na alma da população, por seu caráter simbólico de afirmação do que somos, pela ousadia em tentar representar-nos como nação e povo, a cultura é vista como uma atividade perigosamente identitária e, portanto, excludente, capaz de produzir disposições com as quais nem sempre concordamos. E, quando não concordamos, reagimos de forma radical contra o que ela pretende nos dizer, como se a reação fosse indispensável à nossa sobrevivência. Mas a cultura não é, nem pode ser, uma arma letal de luta política e sobretudo ideológica. Ela não pode servir para nos separar, mas para nos revelar e celebrar nossa multiplicidade. A bem-vinda diversidade de nossa formação e de nossas circunstâncias.

Marcus André Melo: Política é atividade para pecador

- Folha de S. Paulo

Não se trata de criminalização da política mas de colonização da política pela moral

“Política é atividade para pecador.” A conclusão é de Hermes Lima (1902-1978), do alto de sua vastíssima experiência política como ministro do Trabalho, deputado, primeiro-ministro, chanceler e ministro do STF.

Lima referia-se aos inúmeros "pecadillos" que marcam o quid pro quo da formação de alianças e negociações políticas e não à corrupção como método de governo.

Esses “pecadillos do bem” confundem-se com a atividade política, sobretudo em regimes presidencialistas e multipartidários, sustentou Robert Dahl (1915-2014), o mais importante cientista político do século 20.

Sob o parlamentarismo, sustenta Dahl, as funções simbólicas —de chefe de Estado e representação da nação— e executiva —de chefe de governo— são separadas; monarcas e presidentes cerimoniais ocupam-se da primeira, e o primeiro-ministro da segunda. No presidencialismo, essas funções sobrepõem-se no mesmo agente.

A opinião pública espera que “o presidente atue como líder partidário e negociador habilidoso que bajula, manipula, ameaça e coage o Congresso de forma a garantir votos para que promessas e políticas sejam implementadas. Mas também que o presidente seja um exemplo moral, um ícone a quem se atribuem qualidades de inteligência, conhecimentos, compaixão, e caráter acima dos mortais”. (Dahl)

Celso Rocha de Barros: Qual Ocidente?

- Folha de S. Paulo

Para novo chanceler, o Ocidente é uma unidade étnico-religiosa, os cristãos descendentes de europeus

Em um artigo publicado na revista Cadernos de Política Exterior, o novo chanceler brasileiro, Ernesto Araújo, propõe uma definição do que é o Ocidente, e propõe que o Brasil se engaje em sua defesa.

O Ocidente, para Araújo, é algo que começa com os gregos e é, essencialmente, cristão. Apesar da grande maioria dos democratas, racionalistas e cristãos atuais não serem descendentes dos atenienses ou dos hebreus, Araújo insiste que o Ocidente não é uma ideia. O Ocidente, para Araújo, é uma unidade étnico-religiosa, os cristãos descendentes de europeus.

No fundo, Araújo acredita no que disse o trumpista Steve King: “Você não reconstrói sua civilização com os bebês dos outros”.

É o contrário. Você começa a construir civilização quando começa a converter os bebês dos outros. Com os próprios filhos você mal constrói uma tribo. Você mal constrói um grupo de WhatsApp com alta frequência da mensagem “Bom Dia, Grupo!”.

O Ocidente, para Araújo, também é adversário do globalismo. Pode parecer estranho: a grande expansão do Ocidente aconteceu ao mesmo tempo que a grande globalização capitalista dos últimos séculos. O próprio Araújo, ao situar o auge do Ocidente na véspera da Primeira Guerra Mundial, parece admiti-lo.

Qual a diferença entre globalização e globalismo?

Vinicius Mota: Bolsonaro raiz

- Folha de S. Paulo

Aventura antiglobalista preconizada por Ernesto Araújo terá enormes obstáculos pela frente

Ernesto Araújo, o futuro ministro das Relações Exteriores, é Bolsonaro raiz. Com sua indicação, o presidente eleito quebrou uma sequência de nomeações de pessoas equilibradas, próximas da linha média da atuação dos governos brasileiros nas últimas décadas.

Como o PT brincou de ser PT no Itamaraty, enquanto distribuía os demais cargos governamentais por critérios mais pragmáticos, o bolsonarismo também vai experimentar sua mixórdia de ideias extravagantes nas relações internacionais.

A aventura, entretanto, há de ser mais difícil para Araújo do que foi para Celso Amorim, o capitão da política externa petista sob Lula.

O terceiro-mundismo, maquiado para o século 21 por Amorim, era cultivado havia décadas no Itamaraty por quadros que se preparavam para assumir o poder na primeira oportunidade. Não há nada parecido ocorrendo com o chamado antiglobalismo decantado por Araújo.

Leandro Colon: O choque de realidade

- Folha de S. Paulo

Governo de transição expõe presidente eleito e o obriga a dar mais satisfações

Divisões no núcleo duro do governo, mal-estar com o Congresso, apelo de governadores por dinheiro, ministros enrolados com o passado, outros questionados pelo currículo duvidoso, e o risco de colapso de relevante programa social.
Após três semanas de transição, o presidente eleito, Jair Bolsonaro, começa a se dar conta de que é muito mais fácil fazer campanha do que governar. No caso dele, uma campanha sem debates, com raras entrevistas e uma comunicação feita via rede social, escapando do contraditório.

A formação do novo governo inevitavelmente expõe Bolsonaro e o obriga a dar mais satisfações do que desejaria. Ele não disfarçou o incômodo em ter de responder sobre a segunda suspeita de caixa dois em torno do seu ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni. “100% (da minha confiança) ninguém tem, ok?”, afirmou aos repórteres em relação ao episódio divulgado pela Folha.

Onyx, aliás, tem sido alvo de críticas de parlamentares pela dificuldade de interlocução com o Congresso.

Chefe da economia, Paulo Guedes percebeu que o menosprezo ao Legislativo tem efeito nocivo para os interesses do Planalto. Não à toa, procurou o presidente do Senado, Eunício Oliveira, para aparar as arestas.

Panelas ficam evidentes na nova gestão. Há o grupo dos generais, a turma da relação política, a ala econômica e o clã familiar do presidente eleito. Cada patota tentando ocupar espaços, dar palpite e influenciar no jogo de xadrez bolsonarista.

Fernando Limongi: O epicentro do terremoto

- Valor Econômico

Sistema partidário foi implodido fora do Norte e Nordeste

O sistema partidário brasileiro ruiu. A estrutura partidária que emergiu da transição foi seriamente abalada pelos resultados da última eleição. A vitória de Bolsonaro, assim como as de Wilson Witzel e Romeu Zema para os governos do Rio de Janeiro e de Minas Gerais, anunciam novos tempos. A despeito das críticas recorrentes, o fato é que o país tinha uma estrutura partidária estável e o resultado das eleições seguiam parâmetros conhecidos. Sabe-se lá qual quadro partidário emergirá com as vitórias do PSL, PSC e do NOVO.

A partir de 2006, os resultados das eleições presidenciais adquiriram contornos regionais claros, sendo possível distinguir dois grandes redutos eleitorais, o do PT, cujas bases se localizavam nas regiões norte e nordeste, e o do PSDB, com maior penetração eleitoral nas demais regiões do país. A cada nova eleição, o contraste entre estes dois redutos foi ganhando contornos mais nítidos, chegando a seu ponto mais alto em 2014.

Se olhada apenas do ponto de vista da distribuição regional dos votos, a eleição de 2018 não foi inteiramente diversa das anteriores, já que o desempenho de Bolsonaro seguiu de perto o de Aécio, enquanto o de Haddad espelhou o de Dilma. De fato, o presidente eleito conquistou o reduto eleitoral do PSDB, ao passo que o PT foi capaz de preservar sua área de influência. As mudanças ocorridas, contudo, vão além.

Angela Bittencourt: Decisões populistas no radar dos investidores

- Valor Econômico

Campos Neto está pronto para próximo ciclo dos mercados

O anúncio mais acelerado de integrantes da área econômica livrou o presidente eleito, Jair Bolsonaro, de avaliações pouco construtivas colocadas em gestação entre grandes investidores ao longo de duas semanas de maior exposição pública, após a vitória no 2º turno das eleições. O convite do futuro ministro da Economia, Paulo Guedes, aceito por Roberto Campos Neto para presidir o Banco Central (BC) foi muito bem-recebido. A iniciativa de Carlos Viana de Carvalho de permanecer por "tempo considerável" no comando da diretoria de Política Econômica da instituição também. Repercussão igualmente positiva renderam a manutenção de Mansueto Almeida na Secretaria do Tesouro Nacional e a escolha de Joaquim Levy para o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).

Essa formatação da equipe econômica aponta para continuidade da política econômica ancorada, estruturalmente, no trabalho do Banco Central de Ilan Goldfajn, que renovou o crédito no regime de metas de inflação, reduziu o juro a recorde de baixa e manteve as reservas internacionais intactas.

Esse ambiente conspira a favor de um fluxo mais consistente de recursos para investimentos no país e compensa a decepção inicial de investidores estrangeiros com as manifestações de Jair Bolsonaro no pós-eleição, caso das críticas à China e seu interesse em ampliar a compra de ativos no país, comentários beirando a indiferença quanto à mudança da Embaixada do Brasil em Israel e defesa de uma reforma "possível" da Previdência.

Ricardo Noblat: Mudar para não mudar

- Blog do Noblat | Veja

A linha frouxa de corte do capitão

À vontade até então entre lutadores de jiu-jítsu que disputavam uma competição no Parque Olímpico da Barra, na zona oeste do Rio de Janeiro, o presidente eleito Jair Bolsonaro (PSL) foi importunado por um repórter que lhe perguntou sobre a situação da futura ministra da Agricultura, a deputada Tereza Cristina (DEM-MS).

Quando foi secretária do agronegócio do Mato Grosso do Sul, a deputada concedeu incentivos fiscais ao Grupo JBS apesar de ser sua parceira em negócios de pecuária. O grupo processa Tereza por ter-se sentido lesado por ela. Quer ser ressarcido em um total de R$ 14 milhões, em valores atualizados.

A resposta de Bolsonaro: “Eu também sou réu no Supremo, e daí?”. De fato, Bolsonaro responde no Supremo Tribunal Federal a ação por incitação ao estupro. E acrescentou: “Afinal de contas sou um ser humano, posso errar, e, se qualquer ministro tiver uma acusação grave e comprovada, a gente toma uma providência. Neste momento, ela goza de toda a confiança nossa”.

Se a condição de réu na mais alta corte de justiça do país não impedirá Bolsonaro de assumir e exercer as funções do seu cargo, é legítimo supor que ele não terá motivos para afastar ministros que porventura sejam denunciados e virem réus. Assim, a regra de corte de Bolsonaro que se ofereceu para “mudar tudo o que está aí” dificilmente mudará grande coisa.

Cida Damasco: Encaixando as peças

- O Estado de S.Paulo

Time da Economia agrada aos mercados, mas articulação política preocupa

O núcleo duro da Economia de Bolsonaro está praticamente pronto. O superministro Paulo Guedes, confirmado lá atrás, quando a vitória de Bolsonaro ainda era só uma possibilidade, anunciou nos últimos dias os nomes de ocupantes de cargos considerados cruciais para carimbar a marca da equipe econômica: Joaquim Levy, ex-ministro da Fazenda de Dilma e diretor financeiro do Banco Mundial, para o comando do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Roberto Campos Neto, diretor de Tesouraria do Santander, para a presidência do Banco Central (BC), e Mansueto de Almeida, que será mantido na Secretaria do Tesouro Nacional.

Levy é visto como o mentor do ajuste fiscal que enfrentou resistências na gestão Dilma e Mansueto, como um competente especialista em finanças públicas. No caso do BC, embora o sonho de consumo dos mercados fosse a continuidade do próprio Ilan Goldfajn, o novo presidente é tido como um técnico experiente, de DNA liberal – agora, a expectativa é em relação à composição da diretoria.

Ainda falta definir os nomes para alguns postos importantes do segundo escalão. Já dá para falar, porém, que o time econômico de Bolsonaro contribui para tranquilizar os mercados quanto ao cumprimento das promessas de uma política econômica liberal – compromisso do futuro presidente, ele mesmo visto com desconfiança no momento em que incorporou Guedes à campanha, por seu passado de ideias nacionalistas e intervencionistas.

*José Goldemberg: O papel da ciência no desenvolvimento do País

- O Estado de S.Paulo

Como transformar a pesquisa universitária em benefícios diretos para a população?

Ciência e tecnologia não tiveram praticamente nenhuma relevância nos debates do período eleitoral de 2018, apesar dos esforços da Academia Brasileira de Ciências, da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência e de algumas vozes isoladas.

Poder-se-ia argumentar que o que estava em jogo nas eleições presidenciais eram problemas mais importantes, como corrupção, criminalidade e carência de serviços públicos em geral. Nesse contexto, preocupações com ciência parecem menos urgentes e são restritas a uma parcela pequena da população, que se encontra quase toda ela nas universidades públicas. Essa parcela da população era considerada politicamente radical e assim tratada pelo regime militar, que não entendia claramente a complexidade do sistema, que, por um lado, era importante para o desenvolvimento do País, mas, por outro, uma área onde se encontravam muitos opositores do regime militar ansiosos pelo restabelecimento da ordem democrática.

O setor de ciência e tecnologia não foi inteiramente negligenciado nesse período e algumas universidades se tornaram centros importantes de ciência, cultura e desenvolvimento tecnológico, exemplo das quais a Universidade de São Paulo (USP) e a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

Apesar de problemas pontuais, a atividade científica e tecnológica do País cresceu muito, sobretudo, em São Paulo, graças a duas medidas adotadas pelo governo estadual: a autonomia financeira das universidades públicas, garantindo-lhes uma porcentagem fixa do ICMS, e a ação da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), que também recebe uma fração fixa dos impostos.

Para Hartung, política precisa de novos atores

Por Vandson Lima | Valor Econômico


VITÓRIA - "O maior déficit do Brasil não é fiscal. É de liderança." O governador do Espírito Santo Paulo Hartung, que está deixando a política institucional, diz que vai dedicar seus próximos anos "a formar gente". Quer trabalhar pelo surgimento de novas lideranças políticas e discutir a reorganização do centro democrático, jogado à margem nas eleições de 2018.

É em torno de Hartung que têm circulado personagens e ideias, tanto liberais quanto progressistas, que miram o futuro da política brasileira. É a ele quem recorrem tanto o apresentador de TV Luciano Huck quanto o ex-ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Joaquim Barbosa, passando pelo partido Novo e pelo PSDB, do qual já fez parte. Hartung desfiliou-se do MDB.

Sobre a formação de um novo partido que agregue as forças de centro, Hartung diz que não se pode ficar "obcecado" por essa ideia. É preciso, antes de tudo, formar pensamento e gente nova. Ele aponta as eleições municipais de 2020 como prazo para essa reorganização e defende fortemente a entrada de novos atores como Huck e Barbosa, seus interlocutores, neste jogo. "Fora da política temos dois bons nomes. Joaquim é um bom nome. Luciano é ótimo nome. Quando foram testados em pesquisas isso ficou claro. O que estiver ao meu alcance, quero ajudar nesse campo."

Nesta entrevista ao Valor, Hartung aponta o oportunismo do impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff como grande fator de desarticulação do centro democrático, que acabou levando à eleição de Jair Bolsonaro este ano. "De um lado, essa pressa, esse oportunismo levou partidos como o PSDB a uma postura irresponsável, anti-democrática. Já o PT, que tinha com Dilma uma agenda derrotada, condenada, que seria forçado a uma autocrítica, ficou vitimizado. Abriu-se o espaço". Hartung recebeu a reportagem em seu gabinete, no Palácio do Anchieta, sede do governo. 

Veja os principais trechos da conversa.

Valor: O senhor vai deixar a política em definitivo?

Paulo Hartung: Um pedaço grande da minha decisão tem a ver com o momento que vivem as instituições políticas no Brasil. Entramos num sombreamento gravíssimo, uma crise na democracia representativa. O formato que tínhamos da democracia representativa não dá mais conta desse mundo, precisamos entender isso e mudar nossa atuação.

Valor: Onde o senhor estará nos próximos quatro anos?

Hartung: Eu estou me propondo a esse ativismo. O centro político tem um papel muito grande para desmontar essa corda que está esticada. Eu não acho ruim que a direita esteja organizada no país. Ela precisa ter representação, botar suas ideias na mesa, vir para o debate. Eu quero ajudar a debater a reorganização do centro e, principalmente, ajudar a formar novas lideranças.

Valor: Por que esse centro não conseguiu dialogar com as pessoas em 2018? Ficou irrelevante?

Hartung: Essa geração, que é a minha, de FHC e de Lula, obteve muitas vitórias da redemocratização para cá. Avanços enormes de política pública: a saúde pública melhorou em 30 anos de SUS. Melhorou a educação com o Fundef em FHC e Fundeb com Lula. Tem problemas, óbvio, mas teve avanços consideráveis com PSDB e PT sim. E cometeu erros graves e é preciso entendê-los.

‘Nem oposição sistemática nem situação automática’, diz Cid Gomes

Entrevista com Cid Gomes, ex-governador do Ceará e senador eleito pelo PDT

Ricardo Galhardo | O Estado de S.Paulo

Cid Gomes afirma que PDT articula bloco sem recorte ideológico para se contrapor a Bolsonaro e elogia Rodrigo Maia

Eleito para o Senado com mais de três milhões de votos, o ex-governador do Ceará Cid Gomes (PDT) articula a criação de um bloco que, de início, teria 17 dos 81 senadores, mas poderá unir siglas como Rede, PSB, PPS, PHS e PRB. Na Câmara, o PDT faz um movimento parecido com PSB e PCdoB. O objetivo, segundo ele, é criar um bloco de oposição “programática” ao governo Jair Bolsonaro (PSL) que supere o recorte ideológico da centro-esquerda e aglutine setores do centro e da centro-direita.

“Não é nem oposição sistemática nem situação automática”, disse o senador eleito em entrevista ao Estado. Segundo ele, se o PT, maior partido da oposição, quiser participar, terá que fazer uma “revisão” de sua postura histórica como oposição sistemática.

Cid elogiou Rodrigo Maia (DEM), que, conforme avalia, “inspira estabilidade” e sai na frente na disputa por mais um mandato na presidência da Câmara. Ele descartou apoio neste momento a Renan Calheiros (MDB) para comandar o Senado e disse que seu conterrâneo Tasso Jereissati (PSDB) é um “excelente nome”, mas não o único.

• Como o senhor e o PDT vão agir na oposição ao governo de Jair Bolsonaro?

A despeito das críticas à equipe que está sendo formada, nossa disposição é a de fazer uma oposição preocupada com a melhoria do País. Então se aquilo que a gente entende como melhor para o País vier como proposta do governo, terá nosso pronto apoio. E naquilo que a gente não concordar vamos procurar discordar construtivamente oferecendo alternativas e não simplesmente a velha tradição da oposição brasileira, quer seja PT ou PSDB, de apostar no quanto pior melhor. Torcemos para o País dar certo e queremos ajudar para que as coisas entrem nos eixos.

• Com quais partidos vocês pretendem se aliar na oposição?

Citar nomes seria restringir. Quem comungar desses mesmos ideais nossos que são, resumidamente, nem oposição sistemática nem situação automática será bem-vindo, será bem-vindo em um esforço de atuação conjunta. Para além disso estamos articulando blocos no Congresso. No Senado este bloco, de partida, teria o PDT, Rede, PSB, PPS, vamos conversar com o PHS e PRB podendo chegar a 17 (senadores) com mais um senador com quem estamos conversando.

Minoria no Congresso pode ter ação limitada

Por Malu Delgado | Valor Econômico

SÃO PAULO - Está em curso nos bastidores da Câmara dos Deputados uma discussão para alterar o regimento interno da Casa e dificultar a atuação dos partidos de oposição ao futuro governo de Jair Bolsonaro, criando obstáculos para a obstrução, um instrumento muito usado pelos parlamentares para adiar uma votação.

A ideia é que um projeto de resolução (PRC) seja votado, modificando regras para que os partidos possam atuar no plenário.

Um dos itens que pode ser alterado, por exemplo, é o artigo 177 do regimento. Pelas regras atuais, a discussão de um projeto que tramita em regime de urgência pode ser adiada se "um décimo dos membros da Câmara, ou líderes que representam esse número" fizer tal solicitação por requerimento.

Uma das propostas que está sendo debatida é a elevação da exigência para dois décimos da Casa para que um pedido de interrupção de uma votação seja feito. Além disso, segundo uma fonte, haveria "um arsenal" de outros instrumentos que podem ser alterados para restringir a movimentação da oposição, como o direito de apresentar requerimento pedindo a retirada de projeto de pauta, pedido de quebra de interstício e pedidos de verificação de quórum, que podem derrubar uma votação.

As minorias e a oposição não possuem poder político para barrar uma votação, mas as manobras para adiar o debate acabam surtindo efeito, inclusive para dar mais publicidade e transparência a assuntos polêmicos debatidos no Congresso. A obstrução é um desses instrumentos, mas tem ação limitada, pois não tira o projeto de pauta.

O deputado federal Carlos Manato (PSL-ES), que é suplente de secretário na Mesa Diretora, confirmou ao Valor que mudanças no regimento interno podem ser analisadas em reunião na próxima semana. O regimento interno possui 282 artigos.

A ordem e a lei: Editorial | O Estado de S. Paulo

As eleições deste ano mostraram que o discurso em prol da ordem encontrou ressonância em parte expressiva do eleitorado. A mensagem foi clara: o cidadão está cansado da falta de autoridade que se vê em tantas áreas da vida nacional. Nos últimos anos, com especial destaque para o período em que o PT esteve no governo federal, houve uma espécie de concessão deliberada à baderna, à desordem e à violência. Essa ode à bagunça, que antes estava restrita a alguns guetos de grandes cidades, acabou espalhando-se pelo País.

O desrespeito à autoridade, em vez de receber a devida correção, ganhou aplausos de muitas pessoas investidas de múnus público. Ficou notório o caso, ocorrido em fevereiro de 2014, de militantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) que, um dia depois de terem entrado em confronto com a Polícia Militar, foram recebidos pela então presidente Dilma Rousseff no Palácio do Planalto. É em relação a esse tipo de postura, que faz vista grossa à lei quando lhe convém, que o cidadão se mostrou indignado nas urnas.

Assegurar a ordem é, em primeiro lugar, fazer com que a lei seja cumprida. É preciso resgatar o valor do cumprimento da lei para uma convivência harmoniosa e pacífica, bem como para o desenvolvimento econômico e social do País. A transigência com a ilegalidade produz insegurança jurídica, propicia ocasiões de impunidade e alimenta situações de violência e abuso. Não há progresso sem lei.

O respeito à lei envolve todo o Estado, nas esferas federal, estadual e municipal. O cidadão não deseja que criminosos fiquem impunes, muito menos que recebam aplausos. Também almeja, por exemplo, voltar a andar com tranquilidade pela calçada de seu bairro ou a circular com segurança pelas ruas e estradas. A população não se sente livre se vive acossada pelo crime – e é esse, infelizmente, o sentimento que viceja em muitos lugares do País.

Novos deputados do PSDB querem independência

Eleitos pela primeira vez ou de volta à Câmara, eles representam quase metade da bancada que o partido terá a partir de 2019. A maioria defende autonomia em relação ao governo de Bolsonaro, além de renovação interna

Silvia Amorim | O Globo

SÃO PAULO - Deputados do PSDB que assumirão uma cadeira na Câmara no próximo ano defendem que o partido adote posição de independência ao governo de Jair Bolsonaro (PSL) e pedem renovação na sigla. Eles são 13 e vão representar quase metade da bancada tucana, que terá ainda 16 reeleitos. Entre os novatos, dez exercerão o cargo pela primeira vez; outros três retornarão à Casa, como o atual senador Aécio Neves.

A eleição deste ano impôs ao PSDB uma redução do seu número de deputados federais: dos 49 atuais para 29 em 2019.

AVALIAÇÃO DE PROJETOS
O GLOBO conversou semana passada com deputados tucanos que se elegeram pela primeira vez. O entendimento deles é que o PSDB não deve dar apoio automático ao governo Bolsonaro, mas definir posicionamento a cada projeto proposto.

—Devemos apoiar o que for importante para o país. Defendo apoio independente a pautas que convergirem com o que defende o PSDB — disse Celso Sabino (PA), o novato mais votado este ano entre os tucanos, com 146 mil votos.

Do outro extremo do país, Daniel Trzeciak (RS) fala em “liberdade” e “autonomia”:
— Não serei favorável nem contrário, mas favorável aos projetos bons para o país. O apoio tem que ser crítico.

Do Ceará, o deputado eleito Roberto Pessoa, que já esteve na Câmara por três mandatos, atentou para outro ponto de convergência entre os novos tucanos: uma eventual participação na gestão de Bolsonaro é condenável por todos eles.

— O governo merece seis meses de tolerância, mas participar dele jamais.

Senado manobra para mudar Lei da Ficha Limpa: Editorial | O Globo

Em rito expresso, pretende-se alterar regras sobre inelegibilidade de agentes públicos condenados

Virou rotina na Câmara e no Senado a tentativa de aprovação de alguma forma de anistia a políticos investigados ou já condenados por crimes de corrupção, lavagem de dinheiro e prática de caixa dois em campanhas eleitorais. Isso ocorre desde o primeiro trimestre de 2015, quando a Procuradoria-Geral da República anunciou a apresentação dos primeiros inquéritos ao Supremo Tribunal Federal e ao Superior Tribunal de Justiça.

Mantendo o hábito da alternância nas manobras, agora um grupo de senadores se mobiliza para consumar alterações discutíveis na Lei da Ficha Limpa. No final da atual legislatura pretende-se, em rito expresso, mudar as regras sobre a inelegibilidade de agentes públicos condenados e impugnados no espírito dessa legislação saneadora.

Até a Ficha Limpa, em 2010, os prazos de inelegibilidade eram variáveis. Condenados ficavam inelegíveis por três anos. A nova legislação aumentou o prazo para oito anos.

Reforço aos cofres: Editorial | Folha de S. Paulo

Leilões de áreas do pré-sal podem proporcionar mais de R$ 100 bi em 2019

A julgar pelas mais recentes declarações do presidente do Senado, Eunício Oliveira (MDB-CE), deve ser votado nos próximos dias o projeto que remove os obstáculos para leilões de exploração de petróleo nas áreas do pré-sal atualmente detidas pela Petrobras.

O texto busca acertar contas entre a União e sua maior estatal, ainda decorrentes da capitalização da empresa em 2010. Feito isso, estará aberto o caminho para a licitação das regiões, que pode arrecadar pelo menos R$ 100 bilhões —um reforço precioso aos cofres públicos num início de mandato.

Trata-se, em tese, de montante suficiente para cobrir boa parte do déficit federal, estimado em R$ 139 bilhões, pelo conceito primário (que não leva em conta a despesa com o pagamento de juros da dívida), no próximo ano.

Constituição já permite demitir servidor estável: Editorial | Valor Econômico

A situação fiscal da maioria dos Estados brasileiros é mais preocupante do que imaginavam os mais pessimistas. O quadro é desolador, pois o gasto com pessoal de 14 deles supera o limite de 60% da receita corrente líquida, definido na Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), de acordo com o Boletim de Finanças dos Entes Subnacionais, divulgado na semana passada pelo Tesouro Nacional.

Em apenas três Estados (Pará, Paraíba e Espírito Santo) não houve crescimento real nos gastos com pessoal em 2017, na comparação com 2016. Isso em um momento em que a economia brasileira ainda estava tentando se recuperar da maior recessão de sua história. Houve aumento também das despesas com os inativos e pensionistas na maioria dos Estados.

Desde 2013, o conjunto das despesas orçamentárias estaduais é superior ao das receitas, ou seja, o resultado orçamentário é negativo. Com isso, há um aumento do volume de atrasos de pagamentos dos Estados, mais um indício da deterioração fiscal desses entes, diz outro estudo do Tesouro, intitulado "Exposição da União à Insolvência dos Entes Subnacionais".

Na primeira reunião com o presidente eleito Jair Bolsonaro, os governadores também eleitos em outubro foram com o pires da mão, como se dizia antigamente, pedir ajuda do governo para enfrentar o descalabro que encontraram. Alguns deles, para enfrentar o descalabro que eles mesmos produziram no mandato anterior.

Fernando Pessoa: Lisboa

Lisboa com suas casas
De várias cores,
Lisboa com suas casas
De várias cores,
Lisboa com suas casas
De várias cores ...
À força de diferente, isto é monótono.
Como à força de sentir, fico só a pensar.
Se, de noite, deitado mas desperto,
Na lucidez inútil de não poder dormir,
Quero imaginar qualquer coisa
E surge sempre outra (porque há sono,
E, porque há sono, um bocado de sonho),
Quero alongar a vista com que imagino
Por grandes palmares fantásticos,
Mas não vejo mais,

Contra uma espécie de lado de dentro de pálpebras,
Que Lisboa com suas casas
De várias cores. Sorrio, porque, aqui, deitado, é outra coisa.
A força de monótono, é diferente.
E, à força de ser eu, durmo e esqueço que existo.

Fica só, sem mim, que esqueci porque durmo,
Lisboa com suas casas
De várias cores.