segunda-feira, 3 de dezembro de 2018

Opinião do dia: Luiz Werneck Vianna*

A metafísica rústica dos ideólogos do trumpismo, como o célebre personagem de Voltaire, ignora a sociologia do risco, tão bem estudada pelo sociólogo Ulrich Beck, na crença ingênua de que tudo no mundo se encaminha no sentido da sua melhor solução. Nosso planeta não conheceria uma crise ambiental, em que pesem os alarmes emitidos pela comunidade dos cientistas, inclusive da Nasa, uma agência americana de indiscutida legitimidade científica, acerca dos dados que se acumulam sobre os perigos do aquecimento global. A crer no que enuncia uma parte dos nossos futuros governantes, o desmatamento da Amazônia em nome de uma política expansiva das fronteiras do nosso capitalismo para o agronegócio e a mineração não importaria em riscos e sua denúncia não passaria de fabulações de intelectuais desavisados.

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*Sociólogo PUC-Rio. ‘Bye bye, Brasil?’, O Estado de S. Paulo, 2/12/2018.

Fernando Gabeira: Cuidado com dezembro

- O Globo

Agora é juntar os cacos, abastecer o motor econômico do Rio com o petróleo que restou, e subir de novo a montanha

O indulto de Temer e Pezão na cadeia são dois temas já batidos nesta manhã de segunda. Vejo um elo entre esses dois fatos, próximo de uma teoria conspiratória, mas não há razão para ocultá-lo. Tanto Temer quanto Pezão já trabalham de alguma forma com a ideia de uma passagem pela cadeia. É como se ja estivessem pensando numa próxima eleição, xerife da cela, quem sabe.

Temer sabe muito bem que incluir corruptos no seu indulto de Natal vai abrir um abismo maior ainda entre ele e a sociedade, que condenou pelo voto as velhas práticas da política brasileira. Mas, por outro lado, vai aumentar seu crédito junto aos presos, não só os que participavam da aliança no governo, mas também os do seu próprio partido: ex-ministros e parceiros.

Pezão declarou que tinha saudades de Sérgio Cabral e gostaria de abraçá-lo na cadeia. Disse também que gostaria de encontrar Lula. Nunca se sabe para onde vão te levar após a prisão.

Não é correta, se essa ideia for verdadeira, a tese de que os políticos brasileiros não veem um palmo diante do nariz. Quando houver tempo, poderemos até investigar os reflexos da passagem de tantos dirigentes pelas cadeias que alguns até ignoravam como funcionam.

Por enquanto, ainda temos que lidar com os seus rastros em liberdade. O indulto é um deles. É possível indultar presos por corrupção? A maioria dos ministros disse sim, afirmando que não há restrições a esse crime. Tratam de um presidente abstrato. Temer é investigado, duas vezes a Câmara lhe forneceu uma blindagem. Ele vai libertar presos da Lava-Jato, a mesma operação que desmantelou toda a quadrilha da qual é um dos principais remanescentes em liberdade.

Nessas circunstâncias, só resta o protesto nas ruas. Mas, ainda assim, o tema nos colhe num mês ingrato para protestos. Há 50 anos, o regime militar lançou o AI-5, endurecendo sua política e realizando a censura nos jornais com a presença de seus agentes no interior das redações.

Demétrio Magnoli: Medo da Ursal

O Globo

O Brasil já temeu a mula sem cabeça, o boitatá, a cuca, o corpo-seco, a iara e o curupira. Hoje, teme a Ursal. Os medos antigos assombravam o universo rural de caipiras e caboclos. O medo atual assombra o novo governo que, para dormir em paz, entregou dois ministérios estratégicos a apóstolos do Bruxo da Virgínia, um astrólogo repaginado como filósofo místico. Daqui em diante, a superstição norteará nossas políticas externa e educacional. Não adianta dizer que a Ursal não existe, pois ela existe na mente dos que nos governarão.

A Ursal, União das Repúblicas Socialistas da América Latina, ganhou popularidade pela voz do Cabo Daciolo. A evocação da sigla exprime a crença de que uma conspiração comunista internacional ameaça a pátria brasileira. O Bruxo da Virgínia e seus evangelistas compartilham o credo de Daciolo, mas o vestem em peças de estilistas. Na linguagem arcana que preferem, a conspiração é conduzida por uma liga constituída por “liberais globalistas” e “marxistas”. Armados com as teses de Antonio Gramsci, os maléficos conspiradores apropriam-se silenciosamente tanto das chaves do poder quanto das mentes dos indivíduos por meio de uma prolongada guerra cultural. É Ursal, em versão de butique.

De acordo com as superstições do Bruxo da Virgínia, a China lidera o tentáculo marxista da conspiração mundial. Ernesto Araújo, futuro ministro das Relações Exteriores, dá indícios de que submeterá as relações com a China ao “Deus de Trump”, engajando o Brasil na guerra comercial deflagrada pelos EUA. O medo da Ursal ameaça degradar uma de nossas principais parcerias econômicas, fonte de quase um terço do superávit brasileiro no comércio exterior e de vultosos investimentos externos diretos.

*Bolívar Lamounier: Que devemos esperar do governo Bolsonaro?

- O Estado de S.Paulo

A grande agenda, a dos problemas que vamos ter de enfrentar, não deu o ar da sua graça

A boa notícia é que a eleição acabou, desanuviando um pouco a poluição raivosa que pairava no ar e impedindo o prosseguimento das nefastas políticas e práticas protagonizadas pelo PT durante quatro mandatos consecutivos. A notícia ruim – ou mais ou menos ruim – é que as prioridades do governo Bolsonaro só agora começaram a ser de fato definidas.

Durante a campanha, como não podia deixar de ser, a única coisa séria levada aos ouvidos dos eleitores foi o imperativo do ajuste fiscal e, consequentemente, da reforma da Previdência. Falou-se também do indispensável combate ao crime, mas quanto a essa questão há um óbvio descasamento entre os quatro anos do mandato presidencial e os 20 anos ou mais de que necessitaremos para chegar a soluções sólidas e abrangentes. É, pois, perfeitamente razoável afirmar que a grande agenda do País – os grandes problemas que teremos de enfrentar no médio prazo – não deu o ar de sua graça.

O relativo otimismo que podemos sustentar está, pois, ancorado nos dramatis personae, quero dizer, na nomeação de Sergio Moro para um Ministério da Justiça expandido para incluir a magna questão da segurança pública e na equipe econômica, comandada por Paulo Guedes. Sobre Moro nada há a acrescentar; não fora sua firme atuação na Lava Jato, ainda teríamos apenas uma pálida ideia da dimensão da corrupção no Brasil. Paulo Guedes, diplomado por Chicago, pertence ao primeiro time dos economistas brasileiros e vem há muitos anos clamando por uma reforma liberal, o que no momento significa prioridade para o ajuste fiscal e alguma indicação clara no tocante à privatização.

Cida Damasco: Otimismo, mas nem tanto

- O Estado de S.Paulo

Economia em marcha lenta exige rumo claro do novo governo. Até lá, cautela

Disposição para ver as coisas pelo lado bom e esperar sempre uma solução favorável, mesmo nas situações mais difíceis. Essa é a definição clássica de otimismo, que consta dos bons dicionários. Na economia, podemos dizer que se aplica a um tipo de abordagem que se faz hoje das perspectivas para os próximos anos, com a chegada ao poder de Jair Bolsonaro, do superministro Paulo Guedes e seu time de liberais. Por essa visão, clareado o cenário político e escalada uma equipe econômica de pensamento homogêneo e imagem respeitável, é só deixar rolar e aguardar a solução dos problemas.

Os indicadores projetados para 2019, por exemplo, dependendo das lentes com que são examinados, poderiam até justificar esse tal otimismo. Crescimento em torno de 2,5% no ano que vem, um ponto acima do previsto para 2018, inflação de novo rondando os 4%, portanto dentro da meta oficial, juro básico subindo de 6,5%, o nível mais baixo da história, para as vizinhanças de 8%, desemprego em queda, mesmo lenta, dos atuais 11,7% da força de trabalho para algo ainda na casa dos dois dígitos. Sem contar os recordes de pontuação nas bolsas de valores e a manutenção do dólar em níveis bastante razoáveis, depois dos sobressaltos pré-eleitorais.

Em resumo, um quadro que caracteriza uma economia pronta para dar uma arrancada. Certo? Em termos. A completa desarrumação das finanças públicas, tanto no nível federal como nos Estados e municípios, pode impedir que a decolagem observada nos últimos dois anos seja abortada e, em consequência, pode provocar uma nova parada na economia brasileira. Principalmente se o novo governo demorar a definir sua estratégia econômica, em especial para o ajuste fiscal e para a reforma da Previdência, se as outras alas da gestão Bolsonaro não cerrarem fileiras em torno dessas propostas -- mais ainda, se não houver habilidade e eficiência na negociação com o Congresso.

Marcus André Melo: Ministério e governabilidade

- Folha de S. Paulo

Distribuição de pastas ministeriais é instrumento clássico de formação de governos

“O passado nunca foi, o passado continua”, afirmou Gilberto Freyre no plenário da Constituinte de 1946. Podemos parafraseá-lo dizendo que o presidencialismo de coalizão nunca foi, ele continua.

No presidencialismo de coalizão, o executivo pode recorrer —na barganha com os partidos de sua congressual— a instrumentos diversos de sua caixa de ferramentas, entre os quais destaca-se o compartilhamento do portfólio ministerial.

Isto é quase universal em contextos multipartidários, embora a literatura registre governos minoritários que contam apenas com o apoio tácito de partidos que não passam a integrar o governo.

No Brasil, a regra tem sido não só a distribuição de ministérios, mas o crescimento exponencial desses, como parte da formação de coalizões superdimensionadas, heterogêneas e hiperfragmentadas.

O número de ministérios passou de 12 para 39, de Collor a Dilma. Apenas a Índia (governo Modi) ostenta coalizão maior que as brasileiras sob Dilma (lá são 35 partidos, dos quais 11 são nacionais e 24 provinciais).

Dado o efeito incremental da reforma eleitoral, a fragmentação só cairá ao longo dos próximos anos; o que muda radicalmente é a redução do número de ministérios e o aumento dos ministros técnicos e militares.

Celso Rocha de Barros: Olavismo como política

- Folha de S. Paulo

Olavo de Carvalho retomou protagonismo quando o liberalismo perdeu tração

O histórico de análises políticas de Olavo de Carvalho não é bom.

Não, Carvalho, o PT não estava engajado em um projeto de maciço aparelhamento do Estado brasileiro com o objetivo de construir o socialismo.

A corrupção petista não foi bolivarianismo: a grana roubada comprava campanhas eleitorais e aliados no Congresso, as mesmas sacanagens de sempre da política brasileira.

Nenhum passo em direção ao socialismo foi dado com esse dinheiro.

Aliás, parte do problema do PT foi justamente o quanto os radicais sobreviveram às investigações de corrupção. Caíram os moderados.

No final das contas, o PT caiu sem muito esforço pela ação do Congresso, da imprensa, dos tribunais, dos empresários, de todo mundo que, em tese, ele teria aparelhado.

E faltou sutileza nessa leitura de Gramsci, Carvalho. Quando Gramsci introduz o elemento de convencimento no repertório do bolchevismo, trata-se de disputar a sociedade civil nos termos da sociedade civil, a cultura nos termos da cultura, porque, sem a coerção, as regras de cada esfera se impõem.

O comunismo não passou no teste, pior para o comunismo, mas o teste ainda é esse.

Veja a história do Partido Comunista Italiano: Gramsci não conduziu nenhuma democracia ao comunismo, mas conduziu muitos comunistas à democracia.

Leandro Colon: Diversionismo petista

- Folha de S. Paulo

Documento de diretório nacional omite falhas eleitorais e enfraquece oposição a Bolsonaro

O diretório nacional do PT se reuniu em Brasília um mês depois da derrota eleitoral de Fernando Haddad para Jair Bolsonaro.

No sábado (1º‘), divulgou um documento final do encontro. O balanço de oito páginas é recheado de clichês e bravatas capazes de fazer inveja a panfletos de centros acadêmicos.

O partido transfere a responsabilidade por seu fracasso na disputa presidencial ao que chama de “classes dominantes”, formadas, segundo o petismo, por políticos, setores da mídia, parte do judiciário, e “algumas forças externas”, todos agindo desde o final do segundo turno de 2014, diz a conclusão do diretório.

Em outro trecho, a sigla afirma que, após o impeachment de Dilma Rousseff, a “coalizão golpista não cessou sua caçada judicial contra o PT e o presidente Lula”. “Com a condenação e a prisão injustas dele, setores que dirigem o judiciário trabalharam para legitimar a narrativa da extrema direita: o PT apresentado como uma ‘organização criminosa’”, destaca o comando petista.

O documento diz ainda que a candidatura de Lula foi cassada “ilegalmente” e que foi correta a estratégia de “lutar até o limite” pela manutenção da candidatura do ex-presidente, condenado e preso em Curitiba. “Lula Inocente! Lula Livre!”, termina a resolução aprovada no sábado.

Fernando Limongi: A semana em revista

- Valor Econômico

Dodge defende a categoria como uma líder sindical o faria

"A Constituição é um documento vivo, em constante processo de significação e ressignificação, cujo conteúdo se concretiza a partir das valorações atribuídas pela cultura política a que ela pretende ser responsiva. Por sua vez, tais valorações são mutáveis, consoante as circunstâncias políticas, sociais e econômicas, o que repercute diretamente no modo como o juiz traduz os conflitos do plano prático para o plano jurídico, e vice-versa."

Por meio deste raciocínio tortuoso, o ministro Luiz Fux justificou a suspensão da liminar concedida quatro anos atrás, que, como todos sabem, garantia o pagamento do auxílio-moradia a juízes e promotores de todo o Brasil. Todos sabem também que a decisão do ministro fez parte da negociação que garantiu o aumento salarial da categoria obtido na semana passada. Ou seja, o ato monocrático do ministro Fux nada mais foi que o jeitinho encontrado para que os membros da corporação pudessem engordar seus contracheques. Com a manobra, obtiveram aumento salarial sem o necessário respaldo da lei. Todos, mesmo os mais jacobinos e moralistas, participaram da jogada e receberam o seu.

O despacho do ministro é de uma desfaçatez assustadora. Em última análise, Fux sustenta que juízes têm o direito de interpretar a Constituição para atender às suas necessidades práticas. Assim pensa (e pauta suas decisões) um dos 11 juristas cujo papel institucional é agir como o guardião da Constituição. Por vezes, não há como fugir do chavão: e quem nos guardará dos guardiões?
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"Sem adentrar propriamente no mérito, na legalidade ou na constitucionalidade do recebimento de auxílio-moradia, fato é que esta ação restringe-se ao pagamento ou não do benefício em causa para os juízes, nos termos da legislação que rege a magistratura judicial brasileira, limitando-se o julgado àquelas carreiras."

Este foi o despacho da procuradora-geral da República visando assegurar que os promotores não percam o direito a receber o penduricalho tão arduamente conquistado. Dodge, portanto, atua na defesa dos direitos da categoria que lidera, como uma líder sindical o faria. Mais do que isto, ao se furtar de discutir a legalidade da medida - o que em si só parece indício de que a medida carece de amparo legal -, Dodge escancara que o formalismo é um recurso meramente protelatório. Quando se trata de encher os bolsos da categoria, vale tudo.
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"A corrupção mata. Mata na fila do SUS. Mata na falta de leite. Mata na falta de medicamentos. Mata nas estradas, que não têm manutenção adequada. A corrupção destrói vidas, que não são educadas adequadamente, na ausência de escolas, deficiências de estruturas e falta de equipamento." Com estas palavras, o ministro Luís Roberto Barroso defendeu a manutenção da suspensão do indulto de natal concedido pelo presidente Temer no ano passado.

É indiscutível que a corrupção desvia dinheiro de destinações mais nobres e eficientes. Isto está fora de questão. Contudo, isto não significa que, controlada a corrupção, desaparecerão as filas do SUS, todas as estradas terão manutenção adequada e que todas as crianças serão educadas em escolas bem aparelhadas.

Gustavo Loyola: Os riscos de uma meia-privatização

- Valor Econômico

O mais correto seria a privatização por inteiro de pelo menos um dos grandes bancos públicos federais

Segundo o noticiário, ao escolher os futuros presidentes da Caixa Econômica Federal (CEF) e do Banco do Brasil (BB), o economista Paulo Guedes lhes teria recomendado "privatizar o que for possível" para enxugar essas instituições e torná-las mais competitivas, tudo em consonância com a ideia-força de reduzir o papel do Estado. Ainda de acordo com a imprensa, fiéis a essa orientação, os novos dirigentes estariam dispostos a se desfazer de áreas como cartões de crédito, gestão de recursos, previdência e seguros. No final desse processo, os bancos ficariam apenas com as áreas relacionadas de alguma forma a políticas públicas. Uma meia-privatização, enfim.

Ocorre que, ao despir o BB e CEF de áreas rentáveis e pouco demandantes de capital, o governo estaria levando tais instituições a regredirem à década dos anos 1960, tempo em que a intermediação financeira era muito menos complexa e diversificada do que no mundo atual. O setor público se manteria acionista majoritário do "osso", ao tempo em que venderia o "filé" para acionistas privados. Os bancos públicos virariam presa fácil para as fintechs e para bancos privados que operam sob forma de conglomerado financeiro. Tornar-se-iam, muito provavelmente, máquinas de fazer prejuízo para o Erário. Ocorreria o contrário do pretendido.

Por óbvio, parece de todo sensato que qualquer empresa, ainda mais quando controlada pelo Estado, se desfaça de atividades que não estão no foco principal de sua atividade e onde não têm vantagens competitivas. Desse modo, por exemplo, merece aplausos a intenção do novo presidente da Petrobras de se desfazer das atividades de distribuição de combustíveis que, como assinalado por ele, se trata, afinal de contas, apenas de uma "rede de lojas". Contudo, é diferente o caso da maioria dos negócios conduzidos pelos bancos ditos universais, sejam eles de controle estatal ou privado.

Ricardo Noblat: O maior desafio de Bolsonaro

- Blog do Noblat | Veja

Guerra à vista

Ou até o final de fevereiro próximo os Estados Unidos e a China chegam a um acordo ou a partir do primeiro dia de março o mundo sofrerá as consequências inimagináveis da guerra comercial a ser travada pelos dois países.

Juntos, eles são responsáveis por dois terços do comércio mundial. É para os dois que o Brasil vende mais ou menos dois terços do que exporta. Se a guerra não for evitada, como se comportará o governo do presidente eleito Jair Bolsonaro?

Esse será seu maior desafio inicial. Reforma da Previdência Social, relações com os partidos, combate corrupção, ofensiva contra o crime organizado, Escola sem Partido, Acordo de Paris sobre o Meio Ambiente – tudo isso pouco importará.

A Argentina, por exemplo, é o maior comprador dos produtos industrializados do Brasil. Cerca de 80% do que ela produz para exportação é comprado pela China. Numa economia globalizada, o choque entre gigantes não deixará nenhum país a salvo.

O governo do presidente Donald Trump ameaçou elevar de 10% para 25% os impostos sobre os produtos chineses comprados pelo seu país. O governo chinês reagiu dizendo que a ser assim ele faria a mesma coisa e na mesma proporção.

É de supor que o governo Bolsonaro tenha um plano para enfrentar o que possa acontecer. Ainda há tempo para providenciar um. Será um duro teste para a retórica de alinhamento radical do Brasil com os Estado Unidos e de um certo distanciamento da China.

Entrevista - Presidencialismo de coalizão ‘não vai acabar’, avisa sociólogo

- Direto da Fonte /Sonia Racy | O Estado de S. Paulo

Mas o que Bolsonaro quer é enfraquecer caciques nos partidos e acabar com a ‘porteira fechada’ para as nomeações, avisa o sociólogo Murillo de Aragão

Jair Bolsonaro toma posse daqui a 29 dias “com uma base completamente diferente e uma agenda nova” mas continuará precisando de apoio para aprovar seus projetos. “Isso significa que o governo de coalizão não vai desaparecer. Mas as conversas decisivas passam a ser com bancadas, e não com lideranças partidárias tradicionais”, enfatiza o cientista político Murillo de Aragão nesta entrevista a Gabriel Manzano.

A agenda do presidente eleito, nesta semana, inclui reuniões com cerca de 100 parlamentares das principais legendas, em Brasília, “e isso mostra que os partidos não serão abandonados”, destaca o analista. “O que está saindo de cena, sim, é o controle de lideranças do Congresso sobre nomeações. O que acaba é o critério de porteira fechada”.

Doutor em Ciência Política e Sociologia e dono da Arco-Advice, que faz pesquisa e análise de políticas públicas em Brasília, Aragão já começa a preparar sua viagem a Nova York – onde todo início de ano, em janeiro e fevereiro, dá aulas de política brasileira na Universidade de Columbia. No seu balanço sobre o que muda e o que fica na cena política do País com o novo presidente, ele destaca: “Teremos um governo que vem com a chancela da Lava Jato”. E que traz “não só uma renovação de pessoas, mas também de costumes”.

• Como explicar uma transição tão tranquila depois de se falar tanto em “ruptura” com o que havia antes?

Temos de fato uma transição muito positiva. Para começar, não há uma incompatibilidade ideológica entre o governo que sai e o que entra. Há uma continuidade na economia e nada do atrito que aconteceu na passagem de Dilma Rousseff para o Temer. Naquela ocasião não houve a menor boa vontade de se passar informações.

• Mas há diferenças claras. Quais destacaria?

Primeiro, Bolsonaro chega com uma base política completamente diferente da que havia e que era a tradicional do meio político brasileiro. Segundo, agora há um viés ideológico – não chega a ser conflito, mas é algo mais à direita do MDB histórico. Terceiro, ele traz muitos quadros que não eram do círculo de poder, gente outsider ou do baixo clero. Por fim, um quarto ponto, essencial: vem com a chancela da Lava Jato. De certa forma, diria que este “é” um governo da Lava Jato. Se essa operação do MP e da PF atrapalhou os governos Dilma e Temer, agora ela vai ajudar o governo Bolsonaro. É uma diferença devastadora. E tem mais: o que veremos agora será um governo dialogando não com partidos, mas com bancadas. Esses pontos não são padrão na nossa história parlamentar.

• Diria que o presidencialismo de coalizão está no fim?

Não, não vejo assim. O presidencialismo de coalizão no Brasil não vai acabar por causa do modo Bolsonaro de governar. Eles vão precisar de coalizões para aprovar projetos e emendas importantes. Como não temos um partido com maioria absoluta em ambas as casas, a criação de uma base torna a negociação inevitável. O que há de novo nessa relação é o esvaziamento do poder dos caciques tradicionais. E, junto a isso, o fim da fórmula “porteira fechada” para nomeações. Resta saber se vai funcionar, né?

Entrevista - 'Crescimento de 3% exige novidade em termos de reformas'

Por Sergio Lamucci | Valor Econômico

SÃO PAULO - A recuperação da economia brasileira deverá ganhar fôlego em 2019, num cenário marcado por mais estímulo monetário, melhora do crédito e menor nível de endividamento das famílias, avalia Armando Castelar, coordenador de economia aplicada do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV). Para ele, a tendência é o crescimento acelerar de 1,5% neste ano para 2,5% no ano que vem - uma expansão de 3% exigiria a aprovação mais rápida de reformas mais ambiciosas.

"Se você aprovar uma reforma da Previdência no primeiro semestre que seja razoavelmente significativa em termos fiscais, pode haver uma aceleração do crescimento", diz Castelar. Sem isso, a expectativa é de alguma aceleração da retomada, mas sem um desempenho exuberante. Ele acredita que 2019 será "bom", destacando a retomada cíclica em curso e a janela de oportunidade para fazer as reformas. O desemprego, porém, deve cair devagar. A seguir, os principais trechos da entrevista.

Valor: Como o sr. avalia o resultado do PIB do terceiro trimestre?

Armando Castelar: Veio bem em linha com o que nós prevíamos no Ibre/FGV. Houve uma influência grande da greve dos caminhoneiros de maio, no sentido de o fim da paralisação ter permitido a recuperação de uma série de atividades que tiveram um desempenho ruim no segundo trimestre. A abertura do resultado foi um pouco distorcida pela mudança no Repetro [que levou operações envolvendo plataformas de petróleo a serem registradas como importação, inflando a alta do investimento no período; veja abaixo]. Isso engana um pouco, mas não altera o resultado total e está dentro do esperado. O PIB mostrou ainda o consumo das famílias recuperando bem, enquanto o setor da construção continua fraco. Foi o 18º trimestre seguido de queda na comparação com o mesmo trimestre do ano anterior.

Valor: O que mais o sr. destaca?

Castelar: O consumo do governo está puxando para baixo, o que é consistente com o esforço fiscal grande que o governo está fazendo. E começa a se ver alguma retomada em serviços. É importante, porque o setor que responde por quase dois terços do PIB.

Valor: Por que 2018 foi bem mais fraco do que se esperava no começo do ano, na casa de 3%?

Castelar: A confiança foi o que mais pesou. Apenas mais recentemente, em outubro, houve uma recuperação mais forte da confiança. Houve muita incerteza. As eleições tiveram um papel importante, mas também houve uma deterioração do cenário externo a partir do fim de março. A piora externa, com a disparada do dólar, o aumento do risco-país, a situação de emergentes bastante ruim, coincidiu com a redução das expectativas de crescimento. Há a situação do setor de construção, que continua com um desempenho fraco. É uma história importante. E a greve dos caminhoneiros também teve impacto. Mas, olhando para frente, a situação dos emergentes melhorou um pouco no último trimestre. Não foi apenas o real que se recuperou. Melhorou o clima, o que ajuda a construir essa percepção de que 2019 pode ser melhor. E, partindo do discurso do Jerome Powell, mais ainda [na quarta-feira, o presidente do Federal Reserve indicou que a instituição pode aumentar menos os juros no ano que vem, o que favorece emergentes].

Entrevista - A livraria como ponto cultural deve existir, diz Luiz Schwarcz

Presidente do grupo Companhia das Letras fala sobre sua carta e crise no setor

Francesca Angiolillo | Folha de S. Paulo

SÃO PAULO - Com dívidas exorbitantes, as maiores redes de livrarias do país, Cultura e Saraiva, entraram com pedidos de recuperação judicialno lapso de um mês, ameaçando o setor editorial como um todo.

Uma carta, divulgada na última terça (27), foi a maneira que Luiz Schwarcz, 62, presidente do grupo Companhia das Letras, encontrou para convocar ao enfrentamento do que chamou de “os dias mais difíceis” do livro no país.

O editor recebeu a Folha na sede da Companhia das Letras para analisar a crise e comentar sua opção pelo apelo direto ao leitor. “Não é assim que a política está funcionando?”

Na opinião de Schwarcz, deve haver uma reversão na tendência de alta de vendas que vinha desde 2017. Para ele, editores contribuíram para a crise ao segurarem o preço dos livros, apesar da inflação.

Nos últimos dias, ele diz ter visto otimismo com a mobilização gerada após sua carta.

“O que vai acontecer agora no Natal, eu não sei dizer.” Mas, conta, “publicitários mandaram slogans para lojas fazerem cards digitais, lojas do interior pedem chamadas para campanhas próprias, novas campanhas entrarão no ar por sites de mobilização. Não sei o tamanho da ajuda, mas alguma haverá.”

• A crise deve afetar editoras de diferentes portes ao mesmo tempo?

Acho que editoras de portes diferentes sentem a crise diferentemente. Muitas editoras pequenas não forneciam para essas redes. As grandes foram as que tiveram maiores danos pelo volume de crédito que tinham, ou pelo volume de livros consignados em poder das livrarias. No entanto têm mais poder de recuperação. O grave talvez seja para as médias; elas podem representar parte significativa do montante que não será pago.

O Brasil esteve na maré contrária um tempo atrás, as livrarias muito mal lá fora e muito bem aqui. Isso se inverteu.

O que acho que aconteceu em parte nos EUA e que é diferente daqui, é que houve uma concentração muito grande na venda online e um crescimento da venda digital, que depois diminuiu. Agora você tem as livrarias independentes se fortalecendo de novo.

Nos EUA a venda online representa 50% do mercado. No Brasil não existe isso. Houve outros fatores na minha opinião, erros de gestão sobre os quais pretendo falar pouco, porque não cabe a mim julgar.

• Quais?

Em linhas gerais, o que eu posso dizer é que essas redes não voltaram com o Brasil. Continuaram com um número grande de pontos, talvez até por motivos nobres, ou não queriam olhar para a recessão que estava pegando também o leitor. Demoraram para se adequar, até agora.

No momento que o Brasil começa a crescer, que uma classe C ou D começa a entrar no mercado, cria-se a ilusão de que os volumes vão crescer, o que de fato começa a acontecer, e para uma classe que estava crescendo na pirâmide educacional, mas não proporcionalmente na de renda. Então os editores, para entrar nas listas de mais vendidos, começam a quantificar o livro; R$ 29,90 era quase padrão para poder ser best-seller, depois R$ 34,90, R$ 39,90. Então você imagina as redes de livrarias na ilusão de crescimento, os editores na ilusão do best-seller e esses livreiros tendo que pagar salários e aluguéis indexados pela inflação.

Jair Bolsonaro deverá ter base aliada instável no Congresso Nacional

Apenas 3 das 15 maiores legendas da Câmara deverão dar apoio formal a novo governo

Bruno Boghossian | Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - O critério de escolha de ministros e o modelo de articulação política adotado pelo presidente eleito, Jair Bolsonaro (PSL), devem fazer com que o próximo governo entre em campo com uma coalizão instável no Congresso Nacional.

Metade dos principais partidos do país diz que pretende colaborar com o presidente eleito, mas só 3 das 15 maiores siglas da Câmara dos Deputados dizem estar dispostas a integrar oficialmente a base governista.

A relação entre esses partidos e o novo governo indica que Bolsonaro terá um núcleo enxuto de sustentação política.

Para aprovar projetos de seu interesse, o presidente eleito dependerá também de siglas que têm simpatia por sua agenda, mas permanecem em órbitas afastadas.

A Folha consultou os presidentes, dirigentes e líderes dos 15 maiores partidos da Câmara. Além do PSL de Bolsonaro, apenas DEM e PTB discutem uma adesão formal à base aliada do próximo governo.

"Estamos dispostos a contribuir com o país. Nosso apoio estará vinculado exclusivamente à concordância com a agenda que o governo terá para o país", afirma ACM Neto, presidente do DEM.

A sigla terá três ministros no governo Bolsonaro —Onyx Lorenzoni (Casa Civil), Tereza Cristina (Agricultura) e Luiz Henrique Mandetta (Saúde)—, embora a cúpula da legenda negue que tenha feito as indicações.

Juntas, as bancadas desses três partidos terão 91 integrantes na Câmara.

Para aprovar um projeto de lei, basta que a maioria dos deputados presentes seja favorável, mas mudanças na Constituição (como a reforma da Previdência) precisam de quorum qualificado de três quintos dos parlamentares, o equivalente a 308 votos.

Durante a campanha, Bolsonaro afirmou que não faria uma articulação com partidos políticos. Aprovaria suas propostas com os votos das frentes parlamentares temáticas, como a ruralista e a evangélica.

Partidos negociam bloco para isolar PSL e PT da presidência da Câmara

Líderes do centrão, MDB, DEM e PSDB e outros articulam para conquistar Mesa Diretora e principais comissões

Camila Mattoso, Ranier Bragon | Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - Líderes de vários partidos na Câmara estão negociando a formação de um bloco para lotear o comando da nova legislatura, excluindo desses postos as duas siglas com melhor desempenho nas eleições para deputado federal, o PT de Luiz Inácio Lula da Silva e o PSL de Jair Bolsonaro.

Os petistas saíram das urnas com 56 das 513 cadeiras. O PSL, do presidente eleito, com 52.

Pela tradição e regras sempre repetidas, mas nem sempre cumpridas, essas duas siglas teriam direito a cargos de comando na Mesa Diretora, além do controle de algumas das principais 25 comissões permanentes.

Para barrar essa pretensão, porém, o centrão —agrupamento de siglas médias composto por PP, PR, PSD, PTB, entre outros—, o MDB, o DEM e o PSDB articulam a criação de um bloco que reuniria, formalmente, 314 deputados, cerca de 60% da Câmara.

Embora haja divergências e subdivisões nesse grupo, o objetivo comum é evitar que o governo assuma com força expressiva na Câmara, o que enfraqueceria o poder de barganha dessas legendas. O PT já vem sendo isolado por outras siglas de esquerda.

Os partidos que negociam a formação do blocão são PP, PR, PSD, MDB, DEM, PSB, PDT, PC do B, PSDB, Solidariedade, PPS, PV, PSC, PHS e PTB.

Entrevista - Ruralista vê riscos em estratégia de Bolsonaro

Por Raphael Di Cunto e Cristiano Zaia | Valor Econômico

BRASÍLIA - Embora tenha indicado a futura ministra da Agricultura, Tereza Cristina (DEM-MS), e esteja sendo ouvida sobre o comando da pasta do Meio Ambiente, além de possivelmente emplacar dirigentes não reeleitos no segundo escalão do futuro governo, a bancada ruralista não garante alinhamento automático ao presidente eleito, Jair Bolsonaro. A bancada está disposta a ouvir, mas não vai se manifestar sobre temas sem relação direta com o agronegócio, diz o deputado Alceu Moreira (MDB-RS), que presidirá a frente ruralista em 2019.

"Temos deputados de todos os partidos. Dificilmente vamos compor com todos", disse ao Valor. Essa é um indicação da dificuldade que Bolsonaro poderá ter no Congresso, caso aposte no relacionamento com bancadas, em vez de partidos. Moreira advertiu que o risco é "enorme" e pode atrapalhar votação de projetos relevantes. Para ele, meio ambiente e agricultura são "complementares".

"Bancada ruralista não será aliada automática"
A Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) indicou a ministra da Agricultura -- a deputada Tereza Cristina (DEM-MS) -, está sendo ouvida sobre a escolha para o Meio Ambiente e emplacará dirigentes não-reeleitos no segundo escalão do futuro governo. Nada disso, contudo, garantirá alinhamento automático ao presidente eleito Jair Bolsonaro (PSL), afirma o deputado Alceu Moreira (MDB-RS), que será presidente da bancada ruralista no primeiro ano do novo governo.

"O fato de termos, na frente, pensamentos coincidentes com o que deseja e com o que será praticado no governo não significa que estaremos alinhados permanentemente. Até porque muitas coisas virão do governo e haverá discordância", disse, em entrevista ao Valor na quinta-feira. A bancada estará disposta a ouvir, mas nem se manifestará nos assuntos que não tiverem relação direta com o agronegócio. "Temos deputados de todos os partidos. Dificilmente vai compor com todo mundo", pondera.

A posição do emedebista, que é o primeiro vice-presidente da FPA e, pela tradição, assumirá o comando em 2019, mostra a dificuldade que Bolsonaro terá no Legislativo ao apostar suas fichas no relacionamento com as bancadas temáticas e não nos partidos. O próprio Moreira, que presidirá a maior delas e promete, ele próprio, ser da base do governo, admite que isso é um enorme risco e que pode atrapalhar a votação de projetos importantes.

A agenda da frente será extensa, mas a proposta de emenda à Constituição (PEC) que revoga a demarcação de terras indígenas e transfere a decisão para o Congresso não está entre elas. Esse projeto era necessário nos governos do PT, afirma, mas a nova gestão está alinhada com o que pensa a bancada e será pressionada, inclusive, a desfazer decisões do governo anterior.

Outros projetos prioritários serão uma política de gestão territorial, a exploração produtiva de terras indígenas, apressar a liberação de agrotóxicos e as renegociações do Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural (Funrural) e da tabela do frete rodoviário.

Ex-presidente da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Fundação Nacional do Índio (Funai) e do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), Alceu Moreira, 64 anos, foi reeleito para o terceiro mandato na Câmara dos Deputados e se lançou, com apoio da frente e de parte do MDB, candidato a presidência da Casa.

Confira os principais trechos da entrevista:

A 'refundação' do Brasil: Editorial | O Estado de S. Paulo

Jair Bolsonaro cometerá um sério equívoco se julgar que sua missão, como presidente da República, é refundar o País. O mesmo erro cometeu o sr. Lula da Silva, ao considerar-se o grande pioneiro do Brasil, menosprezando todos os que vieram antes dele, desde Cabral. O resultado, no caso de Lula, foi um país cindido, em que a discussão democrática sobre os principais problemas do País foi interditada, já que o grupo no poder se arvorou no único e legítimo proprietário da verdade.

O fato de que Bolsonaro foi eleito com base em algumas ideias que calaram fundo no sentimento do eleitorado não significa que o Brasil deixou de ser o Brasil nem que os brasileiros deixaram de ser os brasileiros. O sentimento religioso - abrangente e tolerante - e patriótico da Nação, que atravessa gerações, não se transformou em algo radicalmente diferente por obra e graça do voto na urna.

Uma parte considerável dos eleitores que escolheram Bolsonaro em outubro também ajudou a eleger tanto Lula da Silva como Dilma Rousseff em outros tempos. É bom lembrar que, a certa altura de sua trajetória como presidente, Lula da Silva chegou a ter quase 90% de popularidade, mesmo em meio a crescentes e cabeludos escândalos de corrupção. Logo, a expectativa depositada em Bolsonaro pouco ou nada difere da expectativa que cercou os outros governantes. E tal expectativa sempre girou em torno da esperança de prosperidade, bem-estar e tranquilidade prometida pelo candidato majoritário. E a popularidade dele terá relação direta com sua capacidade de criar as condições necessárias para a satisfação dos anseios do conjunto dos cidadãos.

Agenda de reformas do BC deve seguir no novo governo: Editorial | Valor Econômico

Ao fazer o balanço do segundo ano de implementação da agenda de reformas do Banco Central, o presidente da instituição, Ilan Goldfajn, disse na semana passada ter confiança de que ela terá continuidade no governo Jair Bolsonaro. São medidas indispensáveis para injetar mais eficiência e competição no sistema bancário e para fortalecer o arcabouço institucional que assegura autonomia e transparência nas missões do Banco Central de manter a estabilidade monetária e financeira.

Segundo Ilan, já existia uma agenda de reformas microeconômicas dentro do Banco Central antes de sua posse, em maio de 2016. O que a gestão atual teria feito foi apenas aglutinar as ações em andamento, dentro do que passou a chamar de agenda BC+, e comunicar melhor as iniciativas. Essa seria uma evidência de que, mais do que resultado do trabalho de uma ou outra pessoa, trata-se de uma agenda institucional do BC.

De fato, o Banco Central vem mantendo, ao longo dos anos, um trabalho consistente de aperfeiçoamento regulatório, como mostram os seus relatórios anuais de gestão. Mas os progressos são tímidos, com sério risco de retrocessos, se os presidentes do BC e da República não indicarem a direção correta.

Redução de verbas ameaça prevenção contra enchentes: Editorial | O Globo

Temporais recentes mostram que cidades estão despreparadas para enfrentar chuvas de verão

Faltando menos de um mês para o início do verão, quando chuvas fortes costumam causar tragédias que, em muitos casos, poderiam ser evitadas ou ao menos minimizadas, as cidades não parecem preparadas para enfrentar seus efeitos inexoráveis. Belo Horizonte, Rio de Janeiro, São Paulo, Santo Andrée São Bernardo, por exemplo, experimentaram, neste fim de primavera, uma prévia do que está por vir. Em BH, na noite de 15 de novembro, um temporal causou a morte de três pessoas —duas estavam num carro coberto pelas águas, e a terceira foi arrastada pela força da correnteza. Cenas dramáticas de um ciclista sendo levado pela enxurrada do último dia 23, em São Bernardo, na Grande São Paulo, viralizaram nas redes, chocando a população. No Rio, as chuvas dos dias 25 e 26 alagaram ruas e causaram quase 200 quilômetros de engarrafamentos, cinco vezes mais do que num dia normal.

Parte desse despreparo pode ser explicada pela falta de investimentos na prevenção de desastres. Como mostrou reportagem da GloboNews, com dados obtidos por meio da Lei de Acesso à Informação, os repasses do Ministério das Cidades para obras contra enchentes em municípios de todo o país, entre janeiro e setembro deste ano, caíram 8% em relação ao mesmo período de 2017 (de R$ 125,6 milhões para R$ 115,4 milhões). A verba atual, aliás, é a mais baixa dos últimos sete anos, segundo o levantamento.

Trégua pelo comércio: Editorial | Folha de S. Paulo

A despeito de pressões contra o multilateralismo, encontro do G20 mostra avanços; EUA e China acertam suspensão de tarifas sobre importações

Não faltou quem visse a inédita ausência de uma referência contrária ao protecionismo no comunicado oficial do G20, o grupo que reúne as maiores economias do mundo, como mais um sinal de enfraquecimento do compromisso com o multilateralismo, conceito que está na base da atuação da Organização Mundial do Comércio(OMC).

Difícil argumentar em contrário, reconheça-se, no contexto das restrições crescentes ao intercâmbio mundial nos últimos anos, sobretudo desde que Donald Trump se tornou presidente dos Estados Unidos e impôs tarifas sobre cerca de metade das importações americanas oriundas da China.

Entretanto essa conclusão ainda se mostra, talvez, precipitada. A passagem mais importante do texto do G20 nessa seara, de fato, é o reconhecimento da importância do sistema multilateral de comércio para o desenvolvimento econômico —ainda que pontuado pela afirmação de que o mecanismo está aquém dos desafios atuais.

O documento menciona a necessidade de reformar a OMC para melhorar seu funcionamento, além de renovar o compromisso do grupo com o aperfeiçoamento de uma ordem internacional a partir de regras concertadas.

A concordância quanto ao redesenho do organismo aponta que ao menos parte das críticas americanas (e de vários outros países) tem base na realidade. O fracasso da rodada de Doha, em 2015, evidenciou os limites do padrão atual de funcionamento.

Marcus Pestana: Paulo Guedes, o liberalismo e a social-democracia

- O Tempo (MG)

Todos aqueles que ganham eleições ficam com a adrenalina lá em cima e, às vezes, caem na tentação de negar a experiência histórica acumulada. Cada ciclo governamental é orientado pelas ideias vitoriosas, mas há limites. A era do poder absoluto encontrou seu fim no nascimento da democracia moderna. Não há espaço para delírios como o de Luís XIV, o Rei Sol, que levou ao extremo o narcisismo alienado do poder na famosa frase: “O Estado sou eu”.

Ulysses Guimarães dizia que “O poder é afrodisíaco”, e é bom o apetite inicial dos novos governantes diante de seus desafios, desde que não turvem as vistas e impeçam um olhar claro sobre o processo histórico e seus limites.

Salvo melhor juízo, o futuro ministro da Economia, Paulo Guedes, está indo com muita sede ao pote e ideologizando com radicalismo retórico o debate, quando deveria alimentar pontes e agregar forças para a aprovação das reformas estruturantes. O PSDB terá uma atitude de independência e cooperação.

Ao explicitar seu diagnóstico de que a social-democracia presente nos governos do PT e do PSDB é a grande culpada pela crise brasileira, mais confunde do que esclarece, ao nivelar experiências e momentos distintos, e que ela será superada pelo novo liberalismo redentor. Parece uma versão reciclada à direita do velho mantra lulista “nunca antes na história deste país”.

O liberalismo nasceu como resposta teórica ao movimento de ruptura com o feudalismo a partir do crescimento do comércio no mercantilismo, da Revolução Industrial inglesa e das Revoluções Francesa e Americana. Adam Smith, Ricardo e Stuart Mill consolidaram o pensamento liberal inaugurando a economia política clássica.

Cacá Diegues: Não se pode viver sem Bertolucci

- O Globo

Seus melhores filmes eram sempre afirmações de sua curiosidade, de sua coragem, de sua capacidade de recomeçar

Conheci Bernardo Bertolucci em 1964, quando tínhamos 23 anos de idade, no primeiro Festival de Cannes a que os dois estivemos presentes. Tínhamos ambos filmes na Semana da Crítica, manifestação para obras de estreia, no mesmo festival em que “Vidas secas” e “Deus e o diabo na terra do sol” competiam pela Palma de Ouro e faziam o Cinema Novo brasileiro se tornar conhecido no mundo inteiro.

Quando vi “Prima della revoluzione” (Antes da revolução), o filme de Bernardo na Semana da Crítica, descobri um cinema que não era muito diferente do nosso. O filme e seu diretor se consagraram ali, como uma dessas jovens coqueluches que os grandes festivais costumam festejar, celebrando as novidades cinematográficas que passam a ser “propriedade” de seus descobridores. No caso, a descoberta era dos jornalistas franceses, como os inovadores dos Cahiers du Cinéma, uma das origens da Nouvelle Vague, o novo evangelho do cinema sem as regras exaustas dos estúdios de Hollywood.

Em meio à última e morna sessão dos participantes na Semana da Crítica, me levantei na plateia para saudar “Antes da revolução”, excelente exemplo do que todos nós queríamos do cinema naquele momento. Houve quem reagisse a meu entusiasmo e à adesão de Glauber, Bernardo e Gianni Amico, cineasta italiano que se tornaria o maior cultor do cinema brasileiro na Europa. Até que o crítico francês Louis Marcorelles, um dos responsáveis pelo evento, encerrou o debate sintetizando o que pensávamos e anunciando com exagero o nascimento, naquela sala, de um novo pensamento cinematográfico, ao mesmo tempo europeu e sul-americano.

Fernando Pessoa: O Descalabro

O descalabro a ócio e estrelas...
Nada mais...
Farto...
Arre...
Todo o mistério do mundo entrou para a minha vida econômica.
Basta!...
O que eu queria ser, e nunca serei, estraga-me as ruas.
Mas então isto não acaba?
É destino?
Sim, é o meu destino
Distribuido pelos meus conseguimentos no lixo
E os meus propósitos à beira da estrada —
Os meus conseguimentos rasgados por crianças,
Os meus propósitos mijados por mendigos,
E toda a minha alma uma toalha suja que escorregou para o chão.

O horror do som do relógio à noite na sala de jantar dê uma casa de
província —
Toda a monotonia e a fatalidade do tempo...
O horror súbito do enterro que passa
E tira a máscara a todas as esperanças.
Ali...
Ali vai a conclusão.
Ali, fechado e selado,
Ali, debaixo do chumbo lacrado e com cal na cara
Vai, que pena como nós,
Vai o que sentiu como nós,
Vai o nós!
Ali, sob um pano cru acro é horroroso como uma abóbada de cárcere
Ali, ali, ali... E eu?