quinta-feira, 6 de dezembro de 2018

Opinião do dia: Fernando Henrique Cardoso

• Diante das mudanças de estruturas, que papel deverá ter a oposição no novo governo?

Há espaço para o PT? Primeiro, temos de ver o que sobra nesses escombros. Não creio que o PT vá sumir, porque ele expressa setores da sociedade. É preciso que todos os partidos que quiserem sobreviver entendam que o resultado eleitoral é consequência de atos também deles. Essa repulsa é porque os partidos não funcionaram. Mas, mais que uma oposição, é necessário o fortalecimento do que eu chamo de “centro radical”.

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Fernando Henrique Cardoso, sociólogo, ex-presidente da República. Entrevista: “O centro radical”, revista Veja, 30/11/2018.

Uirá Machado: Bobagens repetidas mil vezes

- Folha de S. Paulo

De bobagem em bobagem o autoritarismo populista enche o papo

Acredite quem quiser. Após o primeiro encontro de Jair Bolsonaro (PSL) com as bancadas partidárias do Congresso, o líder do MDB na Câmara afirmou que sua legenda vive uma nova política. “O MDB não reivindicou cargos, não tem pretensão de indicar ninguém no governo, mas tem a responsabilidade de debater uma agenda programática”, disse Baleia Rossi.

O discurso parte do presidente eleito, há muito tempo arauto dos que estão contra tudo isso aí. Bolsonaro diz querer mudar as coisas, mesmo que não tenha a solução para os problemas: “Eu posso não saber a fórmula do sucesso, mas a do fracasso é essa que foi usada até o momento, distribuir ministérios, bancos, para partidos políticos”.

Isso foi na terça (4). No dia seguinte, reportagem desta Folha mostrou os limites da agenda programática.

O futuro ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni (DEM-RS), contou a vários congressistas que o governo quer propagandear os nomes de deputados e senadores que estejam por trás de obras federais tocadas com recursos de emendas parlamentares.

Bruno Boghossian: Juntando moedinha

- Folha de S. Paulo

Presidente eleito mantém dúvidas sobre aplicação de seu poder no Congresso

Como um poupador cauteloso, Jair Bolsonaro guarda seu capital político debaixo do colchão. A menos de um mês de tomar posse, o presidente eleito evita elencar as prioridades de seu governo no Congresso e emite sinais genéricos em relação à agenda de reformas.

Sem anunciar como e onde vai aplicar a força que recebeu nas urnas, Bolsonaro tenta se desviar de desgastes antecipados. Diante das dúvidas sobre as chances de aprovação de mudanças no regime da Previdência, ele se esquiva. Não responde nem se aproveitará sua popularidade para votar a proposta.

“Você está me vendo como presidente, já? Eu não sou presidente. Eu não tenho a ascendência sobre o Parlamento”, declarou nesta quarta (5).

As incertezas políticas que ainda restam sobre o próximo governo fazem com que Bolsonaro e sua equipe se ocupem de armar e desarmar expectativas continuamente.

Na semana passada, um dos filhos do presidente eleito disse que a reforma das aposentadorias poderia não ser aprovada. Depois, o futuro ministro da Casa Civil afirmou que a votação pode demorar quatro anos. Agora, Bolsonaro fala em seis meses.

Janio de Freitas: A busca de alternativa

- Folha de S. Paulo

Criar um centro de governo é o modo de evitar o risco da deficiência individual

A novidade, citada de passagem pelo vice eleito Hamilton Mourão, divide-se no equilíbrio instável entre prometer uma solução e agravar uma perspectiva tétrica. "Estamos tentando criar um centro de governo", encaixou numa fala o general, sem maior efeito sobre os empresários ouvintes. Um centro de governo é um governo colegiado. Como ideia, muito atraente, para o mundo que testemunha e padece o impasse entre as insatisfatórias formas de governo. O regime brasileiro, no entanto, é presidencialista, com amplo poder administrativo e legislativo. Não sendo a ideia proveniente de uma consolidada concepção de governo, tem significados importantes sobre as circunstâncias atuais.

Melhor seria que o general invertesse os termos da novidade, de centro de governo para governo de centro. Mas vá lá. Esse colegiado, à imagem de um estado-maior, é uma alternativa a Jair Bolsonaro. Ao seu despreparo para o cargo, por ausência de conhecimentos gerais, por imaturidade mental, por suprir suas deficiências com a crença na força e na arma, pela interpretação primária das relações mundiais. Uma carência de qualificação, mínima embora, que disseminou no país preocupações de várias ordens e, no exterior, depreciação lastimosa do Brasil.

A entrega a Paulo Guedes de plenos poderes sobre os planos e escolhas da área econômico-financeira, por confessado desconhecimento do assunto pelo eleito, mesmo no nível comum, antecipou a realidade previsível no futuro governo. Por delegação ou por influência estimulada, a função dos circunstantes de Bolsonaro na Presidência não pode ficar no limite, como nos governos anteriores, da colaboração para as avaliações e decisões presidenciais. Bolsonaro só pode ser um presidente em parte. Parte ainda menor que a exercida pelos generais Médici e Figueiredo, cujos governos foram conduzidos pelo professor Leitão de Abreu, chefe do Gabinete Civil em ambos.

Vinicius Torres Freire: Governo e partido sem escola

- Folha de S. Paulo

IBGE mostra a desigualdade escolar no país de paranoias taradas com a educação

Quase um terço dos jovens brasileiros de 15 a 17 anos não cursa o ensino médio na idade adequada —estão "atrasados", diz a Síntese de Indicadores Sociais do IBGE, divulgada nesta quarta-feira (5).

É muito. É pior se o adolescente não tem dinheiro. No quinto mais pobre da população, a taxa de atraso passa de 45%. No quinto mais rico, é de menos de 10%. No país em que os futuros governantes dizem sandices de gente típica de partidos sem escola, convém ressaltar essas estatísticas.

No Brasil, a educação pré-escolar é obrigatória para crianças de 4 e 5 anos desde 2009. Quase 92% delas estão matriculadas. No caso apenas daquelas de 4 anos, são cerca de 87%, distante da universalização, mas muito longe de ser um desastre quantitativo, pois a média é de 88% na OCDE.

A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico é um grupo de três dúzias de países de renda alta ou média-alta, comprometidos com normas de governança chamadas de "neoliberais" pela esquerda e de "globalistas" pelos aiatolás do bolsonarismo.

Clóvis Rossi: A democracia vai de susto em susto

Coletes amarelos, o desconhecido entra em cena

Dois eventos do fim de semana levaram a democracia para mais perto de um ataque de nervos.

Primeiro, o incêndio de Paris durante manifestação dos chamados “coletes amarelos” contra uma porção de coisas mas principalmente contra o presidente Emmanuel Macron.

Ressalve-se que o quebra-quebra não parece ser responsabilidade dos “coletes amarelos” e, sim, dos “casseurs”, a versão francesa dos hooligans, black blocs, vândalos enfim, cuja única agenda é quebrar tudo.

No domingo (2), veio a entrada no Parlamento da Andaluzia do Vox, grupo de ultradireita, nostálgico da ditadura (franquista) e xenófobo.

A Espanha, até aqui imune à infestação da extrema direita, recebeu a sua dose. Não é suficiente para arrancar os cabelos, primeiro por ter sido uma eleição apenas regional e, segundo, porque o Vox arrebanhou apenas 10% dos votos. Fica longe, portanto, dos 26% que os partidos ditos populistas, de esquerda mas principalmente de direita, colheram, em média, neste 2018 na Europa, conforme levantamento do Guardian.

Além disso, o avanço desse grupo é fácil de explicar: trata-se da exploração demagógica do fenômeno da imigração, o combustível que catapultou tantos outros grupos extremistas recentemente.

O que assusta o establishment europeu são os “coletes amarelos”, assim chamados porque usam essa vestimenta, obrigatória em todo veículo francês.

Gilles Lapouge: Dias perigosos em Paris

- O Estado de S.Paulo

A terceira jornada de protestos na França, no fim de semana, será incerta, talvez perigosa

Ainda os “coletes amarelos” e novamente a França. Gostaríamos de falar sobre outras coisas para lá do Sena e do Arco do Triunfo. Dê uma olhada na Alemanha, onde Merkel vacila, para o Reino Unido, onde May luta como um tigre para salvar tanto Brexit como ela mesma. Hoje, todos os olhos convergem para sábado na França. Essa data será fatídica: ela tanto pode trazer o fim dos distúrbios, ou ao contrário, se as ruas se lançarem novamente, então, a França vai se parecer com um cavaleiro bêbado montado em um cavalo louco.

Lembre-se dos delírios de Maio de 68. O pretexto era trivial: o câmpus de uma das faculdades de Paris decidiu garantir a castidade dos alunos, pois se um rapaz quisesse receber uma garota em seu quarto, ele deveria levar sua cama para o corredor. Podemos imaginar algo mais estúpido, mais insignificante? Um mês e meio depois, a França queima.

O poderoso general de Gaulle quase é mandado de volta para casa. O espetáculo fascina os países vizinhos. Se a França não é a primeira em todos os esportes, é inigualável na fabricação de dramas, tragédias, incêndios, com poucos fósforos.

Assim, hoje, os “coletes amarelos” fascinam o mundo inteiro. Inicialmente, alguns trabalhadores pobres, vestiam esses coletes refletores, e faziam barulho nas ruas. Três meses depois, o presidente francês, Emmanuel Macron, jovem que fascinou o mundo, sem grande esforço, sorrindo, sem experiência política, refugiou-se no pico mais elevado do Estado e ficou em silêncio porque não soube como sair da armadilha.

William Waack: A escolinha de Brasília

- O Estado de S.Paulo

Um choque da política como ela é aguarda os recém-eleitos

Alguns deputados federais recém-eleitos vão para o banco de uma escolinha de política antes de assumirem as cadeiras em Brasília. Conversei informalmente nesta semana numa reunião com quatro desses jovens representantes do povo, que tiveram boa votação por partidos diferentes como PSB, PDT e Novo em Pernambuco, Rio, Minas e São Paulo. Esses quatro novatos na Câmara (João Campos, Tabata Amaral, Paulo Gamine e Tiago Mitraud) pareciam desenvoltos, seguros, articulados e bem falantes – e com claras diferenças políticas entre si.

Em comum, dizem que vão votar pela própria consciência. “Sem caciques?”, veio a pergunta. “Sem caciques”, responderam. “Política como era”, adiantou um deles, “não vai mais ter”. É exatamente o que Jair Bolsonaro disse na terça-feira, no primeiro encontro do presidente eleito com uma bancada partidária, a do MDB. Na saída, o líder do MDB na Câmara, Baleia Rossi (SP), disse que seu partido (a expressão consumada da velha política) não vai pedir cargos no novo governo. Todo mundo fingiu que acreditou.

Está decretado o fim do toma lá, dá cá, do presidencialismo de coalizão? Um presidente popular, cavalgando uma onda fortíssima de transformação política, vai conseguir governar sem ter de distribuir cargos, favores, ministérios “porta fechada” a políticos em troca de votos no Congresso? Acho dificílimo beirando o improvável. Por mais que se reconheça o impacto do voto de outubro, o sistema de governo está montado assim.

Zeina Latif*: Luz amarela

- O Estado de S.Paulo

A fraqueza da indústria, se persistir, vai contaminar cedo ou tarde os demais setores

O potencial de crescimento do Brasil está bastante deprimido. Pode estar abaixo de 2%, devido à produtividade estagnada e a tantos equívocos de política econômica nos últimos anos. O governo Temer promoveu importantes avanços que abriram espaço para um ciclo de recuperação da economia. O fôlego desse movimento dependerá do empenho do próximo governo para dar continuidade e acelerar a agenda de reformas.

Há um misto de confiança e cautela entre empresários com o cenário econômico. O mesmo vale para o mercado financeiro. Basta analisar o desempenho modesto dos preços de ativos desde a eleição, e com alguma volatilidade, contrariando a expectativa de um “rally” nos mercados após a eleição de Jair Bolsonaro.

Por um lado, há a avaliação de que o novo governo contará com a força das urnas, diferentemente do governo de transição de Temer; buscará políticas públicas na direção correta para melhorar a ação estatal; e adotará uma nova forma de fazer política que poderá elevar a qualidade e a eficiência de políticas públicas. Seria um governo que teria potencial de entregar mais reformas estruturais do que o de Temer.

De outro lado, há uma boa dose de cautela por se reconhecer a difícil combinação de fragilidade do quadro econômico, urgência de reformas impopulares e um núcleo de poder com pouca experiência administrativa e política, e com potenciais conflitos entre si.

Maria Cristina Fernandes: A reação parlamentar à República de Chicatiba

- Valor Econômico

Parceria entre Guedes e Moro enfrenta Renan

"Nesses anos todos, a única coisa que aprendi foi que, quando você empossa um presidente eleito - e já empossei 3 presidentes diretamente - ali, naquela hora, quando as instituições estão reunidas, ninguém individualmente, salva ninguém".

A mensagem de Renan Calheiros, que passou a cultivar mais uma afinidade, além do Botafogo e do nome de filho, com o futuro presidente tuiteiro, foi despejada num diversificado lote na noite de segunda-feira - de caneladas no seu provável adversário na disputa pelo comando do Senado, Tasso Jereissati (PSDB-CE), à mensagem cifrada a seu 'irmão' Romero Jucá (MDB-RR) sobre as ameaças do Estado policial.

Mas a mensagem aspeada no alto foi a única em que o senador do MDB de Alagoas se manteve fiel ao estilo. Jair Bolsonaro foi eleito pela maioria mas ninguém será capaz de salvá-lo se as instituições, reunidas, decidirem o contrário. A ameaça de Renan é incompleta porque sua experiência como empossador e cassador de presidentes ainda não contempla um que colocou três generais e um almirante no primeiro escalão, além daquele que encabeça a linha sucessória. Mas não deixa de ser um termômetro do clima que reina no Congresso às vésperas da posse do novo presidente, refletido em sua rendição a uma reforma da Previdência fatiada.

No dia do surto tuiteiro do senador, circulara a informação de que o futuro ministro da Justiça, Sergio Moro, pretendia investigar indícios de que a adesão às rodadas de repatriação de ativos abrigou dinheiro desviado dos cofres públicos. A articulação enfureceu o círculo do senador ainda mais do que a informação de que o general da reserva Guilherme Theophilo iria para o time de Moro. O convite ao ex-candidato tucano ao governo do Ceará é um aceno claro da equipe de transição à postulação de Tasso.

O tuíte irascível de Renan, acusando seu provável adversário de tê-lo mobilizado para votar pela manutenção de subsídios à indústria de refrigerantes, supostamente em benefício dos negócios privados do senador cearense, é parte da campanha de quem se vende como despachante de interesses - alheios.

Foi assim que se mostrou no cordial encontro que teve com o futuro ministro da Economia, Paulo Guedes. Além de estimulá-lo a enviar para o Congresso uma pauta de reforma do Estado, ampla o suficiente para despertar a animosidade de servidores com poder de barganha, Renan se apresentou como um parlamentar preocupado em viabilizar a pauta federativa, principalmente dos Estados do Norte e do Nordeste, que temem sumir do mapa no governo Bolsonaro.

Ribamar Oliveira: É impossível não cumprir o teto de gastos

- Valor Econômico

Difícil é colocar as despesas da União dentro do limite

Disseminou-se o entendimento de que a União vai estourar o teto de gastos já em 2020 ou 2021 e que, por conta disso, as medidas de ajuste previstas na Emenda Constitucional 95, que criou os limites para as despesas, serão acionadas. A percepção, no entanto, está equivocada. Qualquer que seja o cenário fiscal dos próximos anos, a União simplesmente não poderá estourar o teto. A Constituição não aceita essa possibilidade.

A emenda do teto prevê que o órgão que descumprir o limite individualizado de despesa não poderá, até que retorne ao respectivo teto, conceder aumento, reajuste e vantagens aos seus servidores, criar cargo ou função, alterar a estrutura de carreira que implique aumento de despesa, contratar pessoal a qualquer título, realizar concurso público, criar ou majorar auxílios, bônus ou abonos ou criar despesa obrigatória ou adotar medida que implique reajuste de despesa obrigatória acima da variação da inflação. Não há prazo para o retorno ao limite individualizado da despesa.

A mensagem que encaminhar a proposta orçamentária anual ao Congresso terá que demonstrar, de acordo com a regra do teto, que os valores máximos da programação são compatíveis com os limites individualizados calculados para aquele ano. Isto significa, em uma linguagem mais direta, que a proposta orçamentária anual não poderá ser entregue pelo governo ao Congresso com valores acima do teto.

Merval Pereira: Bolsonaro enfrenta resistências

- O Globo

Vantagem de 54 milhões de votos não impede que as barganhas sejam sugeridas, mesmo sem haver clima para falar de cargos

O presidente eleito Jair Bolsonaro começou a ter uma vaga ideia do que vem pela frente nas reuniões com os partidos políticos que começou a fazer. Não que não soubesse, pois quem passou 28 anos como parlamentar, a maioria dos quais como deputado federal em Brasília, sabe bem como a banda toca.

Mas talvez esperasse que os 54 milhões de votos que teve na corrida presidencial lhe dariam uma vantagem na negociação com o Congresso. Provavelmente darão, mas não impedem que as barganhas sejam sugeridas, mesmo sem haver clima para falar de cargos, como explicou o deputado Fábio Faria, do PSD, que esteve com Bolsonaro ontem.

Alguns pelo menos tentaram, o que fez com que um comentário dominasse as conversa com assessores mais próximos: “A facilidade com que pedem um porto é impressionante”, disse um deles, não acostumado a essas negociações.

Bolsonaro está tentando quebrar o presidencialismo de coalizão da maneira como o conhecemos nos últimos 24 anos, iniciado nos governos de Fernando Henrique e exacerbado e desvirtuado nos governos petistas e no de Temer.

Foi nos dois governos tucanos que o presidencialismo de coalizão teve papel importante, destacado pelo cientista político Sérgio Abranches, inaugurando uma prática política que não era explícita, mas subentendida.

Bernardo Mello Franco: Mais pobre e mais desigual

- O Globo

Dados do IBGE mostram que a pobreza continuou a crescer em 2017. O trem da economia voltou a se mover, mas os passageiros dos últimos vagões ficaram para trás

Em apenas um ano, aumentou em dois milhões o número de brasileiros na pobreza. Em 2016, 52,8 milhões viviam com até US$ 5,50 por dia. Em 2017, o grupo cresceu para 54,8 milhões, o equivalente a 26,5% da população. São três Chiles ou cinco Portugais abaixo da linha da pobreza, de acordo com os critérios do Banco Mundial.

Os dados estão na Síntese de Indicadores Sociais, divulgada ontem pelo IBGE. A pesquisa mostra que o fim da recessão e o crescimento de 1% do PIB não foram suficientes para aliviar a vida dos mais pobres. O trem da economia voltou a se mover lentamente, mas os passageiros dos últimos vagões ficaram para trás.

A pobreza extrema também cresceu. O número de pessoas com renda inferior a US$ 1,90 por dia subiu de 13,5 milhões para 15,2 milhões (7,4% da população). Pelo câmbio atual, esses brasileiros sobrevivem com um orçamento diário de pouco mais de R$ 7. Em alguns restaurantes da Zona Sul do Rio, o valor é insuficiente para comprar uma lata de Coca-Cola.

Ascânio Seleme: Trabalho não é caso de polícia

- O Globo

Não é novidade para ninguém que a natureza do trabalho mudou muito, sobretudo nos últimos dez anos. Com as revoluções da automação e da informação, trabalhar da maneira tradicional, dentro de uma linha de produção ou num escritório, tornou-se quase um luxo. A natureza do trabalhador também está mudando, e muito rapidamente. Empresas procuram cada vez mais gente fora do balcão tradicional. Querem profissionais reconhecidos mais pelas suas habilidades humanísticas do que técnicas, com competências subjetivas, mais difíceis de se reconhecer e avaliar.

Na Califórnia, a Zume, uma pizzaria controlada inteiramente por robôs, que fazem a massa, montam e assam a pizza, virou um sucesso de tal ordem que um banco investiu US$ 375 milhões na ideia , e a empresa já vale no mercado US$ 2 bilhões, antes mesmo de se multiplicar. Uma pizzaria dessa não precisa de pizzaiolo, mas de gente que tenha ideias que a ajude a crescer e se transformar. A McKinsey Consultoria fez uma pesquisa em que revela que empresas que diversificam seu quadro de pessoal são mais competitivas e faturam mais.

Um estudo feito pela Desire2Learn, empresa criada para ajudar outras a aprender melhor num mundo tecnológico, mostra que a Inteligência Artificial mudou substancialmente o perfil dos profissionais que grandes empresas procuram. A formação tradicional e mesmo a graduação superior se tornam menos relevantes. As grandes empresas de tecnologia, por exemplo, preferem investir em quadros de perfis diversificados que venham de bootcamps, aqueles cursos imersivos e ultrarrápidos que dão habilidades tecnológicas a pessoas de outras áreas, do que em técnicos graduados que pensam dentro da caixa.

Míriam Leitão: Fazenda manda alertas e conselhos

- O Globo

Documento da Fazenda traz lista de bombas fiscais que podem ser aprovadas pelo Congresso e dificultar a recuperação no próximo governo

O futuro governo deveria olhar com cuidado o relatório do Ministério da Fazenda divulgado ontem. Cada administração tem suas ideias, mas existem pontos que são comuns. Buscar maior equilíbrio fiscal e maior foco nos gastos públicos, por exemplo. O grupo que arruma agora as gavetas acertou muito e deixou projetos engatilhados. O documento também traz a lista de algumas bombas fiscais que precisam ser desarmadas porque do contrário vão reduzir a chance de sucesso da próxima equipe.

O governo Temer preparou bons relatórios para quem chega, mas nem sempre o novo ministro está interessado em ouvir. Na economia, contudo, há uma coerência maior de pensamento. Esta equipe assumiu com a inflação perto de 10% e a entrega na meta. Tirou o país da recessão, ainda que não tenha conseguido fazer o país retomar o crescimento. O déficit fiscal deste ano será bem menor do que o projetado, ainda que o país permaneça no vermelho. Ela trabalhou, como já disse aqui, em condições políticas difíceis.

Um alerta importante é o que vincula equilíbrio fiscal com estabilidade institucional. A trajetória da dívida pública precisa ser contida porque ela levaria ao risco de default e nenhum governo sobrevive a isso, como atesta a história da Presidência de Collor. Em um dos gráficos, o relatório mostra a expectativa das instituições financeiras sobre a dívida bruta. No começo de 2016, a projeção era que este ano estaria em 84,5%, houve uma queda das previsões, que hoje estão em 77%. O déficit primário caiu de 3,1% para 1,3%.

Carlos Alberto Sardenberg: Idade mínima é pouco

- O Globo

Reforma da Previdência, do INSS e a pública, é não apenas necessária, indispensável e urgente. Também precisa ser ampla

Há duas visões extremas sobre a reforma da Previdência. Pela primeira, até bastante popular no mercado financeiro, feita a reforma, tudo o mais se resolve quase automaticamente. A mudança estanca o crescimento do déficit previdenciário, sinaliza a arrumação das contas públicas, restabelece a confiança de empresário e consumidor, e estamos conversados.

Pela segunda, a reforma não é lá essas coisas. Quer dizer, nem é tão necessária, nem resolve os problemas centrais da economia brasileira, que, nessa visão, estão, por exemplo, nos juros altos e na falta de investimento público.

Olhando pelo avesso da primeira visão, sem a reforma, o governo Bolsonaro acaba, e o país amarga mais um retrocesso.

Pela segunda, feita a reforma, o país continua sem crescer e até perde consumidores. O presidente eleito estaria de qual lado? Pelas suas últimas declarações, ele não vê urgência na reforma. Ontem, é verdade, ele disse que vai encaminhar sua proposta no começo do governo e que o Congresso estará votando ainda no primeiro semestre de 2019. Por outro lado, disse que pretende fazê-la fatiada e começando por um pequeno aumento na idade mínima de aposentadoria, talvez de mais uns dois anos.

Comentou também que isso seria o possível de passar no Congresso, indicando que, para ele, os deputados e senadores também não veem urgência na reforma.

Ricardo Noblat: Onyx, um problema para o capitão

- Blog do Noblat | Veja

Bolsonaro e a caneta Bic

Escalado para chefiar a Casa Civil do próximo governo, o deputado Onyx Lorenzoni (DEM-RS) tornou-se a uma velocidade espantosa o principal incômodo para o presidente eleito Jair Bolsonaro. Corre o risco de não ser ministro. Se virar ministro, de ser o primeiro a perder o cargo.

Bolsonaro sabia que Onyx recebera pelo menos um repasse de R$ 100 mil do Grupo J&F. Não sabia que foram dois no mesmo valor, um em 2012 e outro em 2014. . Dinheiro de caixa 2, não declarado à justiça. Crime, portanto, previsto em lei.

Onyx confessara o primeiro, pedira desculpas e devolvera a metade. Sobre o segundo revelado agora, só falou uma vez para se defender. Sua situação agravou-se nas últimas 48 horas quando passou à condição de investigado pela Procuradoria Geral da República.

O vice-presidente eleito, general Hamilton Mourão, afirmou que se forem encontradas irregularidades na investigação, Onyx terá de pedir demissão ou de ser demitido. De fato, Mourão repetiu o que Bolsonaro já havia dito quando provocado por jornalistas.

Irregularidade houve, reconhecida pelo próprio Onyx. Talvez o general tenha se referido à descoberta de novas irregularidades. Mourão está aprendendo a ser político mais depressa do que seus antigos colegas de farda imaginavam ser possível.

Onyx é um aliado sincero do presidente eleito. Apoiou-o desde a primeira hora na contramão do seu próprio partido que preferiu apoiar a candidatura de Geraldo Alckmin (PSDB) a presidente. Mas a caneta Bic de Bolsonaro está cheia de tinta.

Ele não precisou usá-la para livrar-se do senador Magno Malta (PR-ES), seu puxador de rezas em momentos de dor e de júbilo. Malta recusou o convite de Bolsonaro para ser seu vice. Não se reelegeu senador. Quis ser ministro. Foi considerado inadequado para tal.

Todo governo tem lá seus problemas depois que começa, e assim é até o fim. O de Bolsonaro tem um desde já – e ele se chama Onyx Lorenzoni.

Alberto Aggio: Depois das eleições, oposição democrática

- Política Democrática Online, novembro de 2018

Jair Bolsonaro (PSL) venceu o segundo turno das eleições presidenciais com mais de 10 milhões de votos de diferença contra Fernando Haddad (PT). Não foi uma vitória esmagadora, mas foi incontestável e, sobretudo, legítima. Em janeiro de 2019, com a alternância democrática de poder, prevista na Constituição, Bolsonaro assumirá o posto maior da República.

Na democracia, a quem vence cabe a tarefa de governar; a quem perde, fazer oposição. A vitória eleitoral de Bolsonaro não significa a imposição de uma única força política ao país, numa visão simplista de alguns de seus apoiadores, segundo a qual o vencedor “leva tudo”. Os pilares da democracia brasileira, assentados na Constituição de 1988, continuam a dar os parâmetros para a nossa convivência política e social.

Não há dúvida que essa vitória representa uma mudança política significativa na história recente do país. Fala-se do esgotamento ou do final de um período da política brasileira e do advento de uma nova fase. Superando as forças políticas que lideraram a democratização, o presidente eleito traz novamente a direita ao poder depois de décadas em que ela havia sido alijada, com o fim da ditadura militar. O resultado eleitoral em seu conjunto representou a condenação das oligarquias políticas que controlaram o poder nos últimos anos e o rechaço ao conluio entre a “coisa pública” e os interesses dos grandes grupos econômicos.

A direita que se expressa por Bolsonaro não é a mesma dos idos de 1964 e nem poderia ser. Permanece nela, é verdade, um certo ranço e uma retórica anticomunista obtusa e anacrônica face ao fato de que o fim de “comunismo histórico” carrega quase 30 anos nas costas, não havendo nenhuma sinalização do seu reaparecimento ao redor do mundo. Nessa eleição, a direita emergiu travestida de um “populismo iliberal”, seguindo a vaga planetária, além de expressar inclinações reacionárias e autoritárias. O novo presidente é um personagem, a um só tempo, pragmático e midiático – sem ser carismático –, que se utiliza mais de uma retórica instrumental de caráter pentecostal do que propriamente fascista. Tudo isso não é pouco para nos alertar quanto aos riscos que corre a democracia. Contudo, a vitória de Bolsonaro não deve ser vista como um retorno ou uma condenação antecipada do país aos “anos de chumbo”.

Davi Zaia: Novo governo deve se preocupar mais com garantias aos trabalhadores do que com estrutura de ministério

- Portal do PPS

O secretário-geral do PPS e deputado estadual de São Paulo, Davi Zaia, disse que o governo do presidente eleito Jair Bolsonaro deve focar e se preocupar mais na garantia dos direitos trabalhistas, na geração de empregos e qualificação de trabalhadores. A declaração foi feita pelo dirigente ao comentar o anúncio do futuro ministro da Casa civil, Onyx Lorenzoni (DEM-RS), de que o novo governo vai dividir o ministério do Trabalho em outras três pastas (Justiça, Economia e Cidadania).

“O que mais me preocupa neste momento não é a estrutura burocrática, mas a importância dada a preservação de determinadas funções do ministério que são importantes, como a fiscalização das regras trabalhistas”, disse Zaia, que foi líder sindical, ao citar o FGTS (Fundo de Garantia por Tempo de Serviço) e o FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhador).

“Esses são os desafios. Agora é saber se o governo dará conta disso. Do meu ponto de vista, isso pode estar alocado em outros órgãos do governo”, disse.

Histórico de problemas
Davi Zaia destacou que a pasta sofre com diversos problemas há anos, como a corrupção, a falta de contratação de novos auditores e critérios para a concessão de registros sindicais. Para ele, essa situação se intensificou nos 13 anos de governo do PT.

“O Ministério do Trabalho vem há anos passando por problemas. Um deles é a corrupção e outro o aparelhamento [político]. Durante muito tempo a fiscalização ficou debilitada em função da não contratação de novos auditores. Na verdade, aquele Ministério do Trabalho dos 80 anos de história não existe mais porque muita coisa mudou nos últimos anos, sobretudo no governo PT com o compadrio que imperou no governo. Não fez dele protagonista nas discussões mais importantes das questões do trabalho”, criticou.

Expectativa
Davi Zaia ressaltou que, mais importante que debater a estrutura do Ministério do Trabalho, é saber quais serão as políticas que serão adotas pelo governo federal, como a geração de empregos e a capacitação dos trabalhadores.

“Nossa expectativa é ter de um lado a manutenção das atividades importantes do Ministério do Trabalho: o fomento, a inovação e a qualificação dos trabalhadores. Minha visão é de que é preciso observar o que dá mais eficiência. É preciso procurar saber do governo [Bolsonaro] e acompanhar, por meio do Congresso Nacional, a efetiva aplicação de políticas que façam frente a todas essas demandas”, defendeu.

Huck diz que não é hora de oposição a Bolsonaro em evento com FHC e novos eleitos

Apresentador participou de encontro com parlamentares do RenovaBR, entidade que ele apoia

Joelmir Tavares | Folha de S. Paulo

SÃO PAULO - O cardápio de um jantar promovido pelo RenovaBR para apresentar os resultados do primeiro ano de funcionamento do grupo teve salada verde com queijo brie e peito de pato curado, medalhão recheado com fonduta (tipo de fondue) de queijos, espumante francês —e também política.
Durante o encontro, na noite desta terça-feira (4), na Casa Fasano (salão de eventos no Itaim Bibi, zona oeste), o apresentador Luciano Huck —um dos principais apoiadores e divulgadores da entidade— disse aos 17 participantes eleitos em outubro e a aos mais de 400 convidados que a transição para o governo Jair Bolsonaro (PSL) exige paciência.

"O momento do país não é de formação de oposição, mas é, sim, de diálogo. Acho que a agenda do país hoje, independentemente de ideologia, tem muita coisa que é necessária para que o país não quebre", afirmou no microfone o comunicador, que quase foi pré-candidato à Presidência da República.

Na entrada, questionado por jornalistas sobre a composição do novo governo, Huck afirmou: "Eu acho que neste momento não é hora de fazer oposição. A gente tem que dar um crédito e ver o que vai acontecer. As agendas que forem positivas para o país a gente tem que apoiar. E onde a gente não concordar, a gente tem que se manifestar".

Ele elogia, por exemplo, a pauta do presidente eleito na economia: "Tem uma clara agenda econômica eficiente, tem bons nomes técnicos ali". Diz que o país deve fazer reformas, mas não pode descuidar da área social nem prescindir da redução da desigualdade, argumento que repisa em suas aparições públicas.

Antes do segundo turno, o comunicador e empresário se opôs à articulação de uma nota anti-Bolsonaro no Agora!, movimento de renovação política do qual faz parte.

O apresentador conduziu no palco uma pequena entrevista com o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) e o governador eleito de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo).

Bolsonaro testará limites do sistema político brasileiro, afirmam professores

Futuro governo foi tema de debate promovido por Cebrap e Folha

SÃO PAULO - O governo Bolsonaro vai testar os limites do presidencialismo de coalizão no Brasil. Essa é uma das poucas afirmações que podemos fazer, por ora, a respeito da futura administração, disseram pesquisadores em debate promovido pelo Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento) e pela Folha.

Os professores Cláudio Couto, do Departamento de Gestão Pública da Fundação Getulio Vargas de São Paulo, e Andréa Freitas, do Departamento de Ciência Política da Unicamp, analisaram na manhã desta quarta-feira (5) as perspectivas do país após as eleições. A mediação foi do jornalista Fábio Zanini, editor do caderno “Poder”, da Folha.

Cláudio Couto apontou as deficiências da base do partido de Bolsonaro para lidar com a complexidade de uma administração nacional. Dos 52 deputados federais eleitos pelo PSL, 38 nunca exerceram um cargo público anterior.

“Tenho dificuldade em enxergar como o PSL poderá lidar com as operações institucionais”, disse. “É um partido de aluguel, hipertrofiado pela candidatura presidencial.”

O governo em si também se desenha fragmentado, avalia. Couto observa vários grupos, nem sempre harmônicos: o econômico, liderado por Paulo Guedes; o jurídico, com Sergio Moro; o militar; o familiar, representado pelos filhos; o de matizes intelectuais mais conservadoras, com nomes indicados por Olavo de Carvalho (Ernesto Araújo nas Relações Exteriores, Ricardo Vélez Rodríguez na Educação).

Assim como quebrou padrões na eleição presidencial, Bolsonaro promete também romper os modelos de governabilidade construídos no país nas últimas três décadas.

O presidente eleito já manifestou a intenção estabelecer uma relação diferente com os partidos de sua base de apoio, desafiando a estrutura vigente, denominada presidencialismo de coalizão. Num cenário de alta fragmentação no Congresso, o Executivo precisa costurar uma ampla maioria, englobando vários partidos, para poder governar.

Bolsonaro ainda não sabe o que quer mudar na previdência: Editorial | Valor Econômico

Sem ter definido um programa claro e muito menos sem expô-lo em detalhes durante a campanha eleitoral, o presidente eleito Jair Bolsonaro e sua equipe parecem ainda estar à procura de um. Desconversas e desencontros sobre a reforma da previdência, improvisação na reformulação dos ministérios são sinais ruins. Há tempo para consertar dissonâncias e afinar o coro das vozes do governo. Mas Bolsonaro é o comandante e suas declarações ampliam a cacofonia que tem prevalecido.

Não importa a popularidade de Bolsonaro, seu calendário não difere do de outros presidentes, especialmente em períodos de crise. Se não apresentar resultados e convencer o Congresso a aprovar sua pauta no primeiro ano de governo, se tornará refém de outras agendas fortuitas dos congressistas. Pelo tamanho da crise fiscal, o rol de prioridades é mais ou menos óbvio, mas o presidente eleito não se compromete com muita coisa e, pior, não parece ter pressa. Nisso é seguido pelo responsável pela articulação política, o futuro ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni.

A reforma previdenciária é o tema mais discutido do parlamento há dez anos. O presidente Michel Temer, depois de ceder ao longo de um ano de debates, quase conseguiu votar uma proposta desidratada sobre o assunto, mas foi abalroado pelo escândalo da revelação de suas conversas com o empresário Joesley Batista. A economia que seria proporcionada pelo arranjo inicial, era de pouco mais de R$ 800 bilhões em uma década. Com o talho dos congressistas os ganhos foram reduzidos a pouco mais de R$ 400 bilhões.

Fatia mínima: Editorial | Folha de S. Paulo

Mudança inicial a Previdência não será justa sem incluir redução de privilégios de servidor

Um exercício básico de realismo político indica que as deficiências e iniquidades do sistema previdenciário brasileiro, amplas e arraigadas, não se resolverão com uma reforma única e redentora.

Certamente haverá necessidade de negociações legislativas, sempre difíceis, e ajustes sucessivos nas regras das aposentadorias nos próximos anos. Mudanças vêm ocorrendo, aliás, nas últimas duas décadas —é, fato, porém, que a situação orçamentária atual demanda medidas mais urgentes e profundas.

Convém, pois, não precipitar uma polêmica vazia em torno da intenção manifestada pelo presidente eleito, Jair Bolsonaro (PSL), de encaminhar ao Congresso o redesenho da Previdência de forma fatiada, isto é, em etapas.

Interessa saber, primeiro, qual o alcance do texto a ser defendido já nos primeiros meses de 2019, quando o emprego correto do capital político recém-conquistado nas urnas se mostrará decisivo para a construção de um ambiente econômico mais favorável.

Há reformas importantes além da Previdência: Editorial | O Globo

Desvincular e desindexar gastos também são importantes para a recuperação da economia

A reforma da Previdência tem destaque merecido na agenda do próximo governo, em função da capacidade de a desatualização das regras do sistema de seguridade desestabilizar as contas públicas.

Mas a herança de dificuldades nas finanças do Estado brasileiro é extensa e, por isso, a agenda de reformas também é grande. Os escândalos de corrupção puxados pelo PT e aliados (MDB, PP e outros), e que envolveram também a oposição (PSDB e DEM), ajudam a denunciar o esgotamento de um sistema político assentado em mais de 20 partidos com bancadas no Congresso, em que se consagra o fisiologismo do toma lá dá cá no arranjo de alianças.

Já a crise econômica histórica instalada em 2014 pela aplicação da cartilha do nacional-populismo (em torno da qual se aliaram petistas, brizolistas e assemelhados) pressiona o governo Bolsonaro a fazer mudanças estruturais que liberem as forças de mercado. Mas antes é preciso interromper o processo de insolvência do Estado.

É estratégico atualizar a regulação previdenciária, para adequá-la ao processo acelerado de envelhecimento da população, e desconectar os mecanismos de injustiça social que existem no sistema. Mas, se reformas subsequentes não forem realizadas, o risco de se perpetuar este ciclo de baixo crescimento que se inicia pode ameaçar a imprescindível criação de vagas no mercado de trabalho, para absorver o contingente de 12 milhões de desempregados que ainda existe.

Fernando Pessoa: Aos Deuses

Aos deuses peço só que me concedam
O nada lhes pedir. A dita é um jugo
E o ser feliz oprime
Porque é um certo estado.
Não quieto nem inquieto meu ser calmo
Quero erguer alto acima de onde os homens
Têm prazer ou dores.