segunda-feira, 17 de dezembro de 2018

Opinião do dia: Luiz Sérgio Henriques*

Obviamente, a esquerda cuja necessidade postulamos, e sem a qual o País perde uma escora fundamental, opera em outro registro: instrumento da presença dos subalternos na cena pública, não perde de vista o centro político nem com ele se relaciona em termos de cooptação e domínio. Dividir o País em metades antagônicas, para ela, é e sempre será uma irresponsável alternativa anunciadora de tensões e retrocessos, como era previsível que acontecesse e, de fato, veio a acontecer.

São tempos difíceis para as democracias, muitas das quais mais amadurecidas e testadas do que a nossa. Partidos e representação estão sob ataque de adversários daquilo que, de modo não raro equívoco, se passou a chamar de “sistema”. A verdade é que, sem um centro e uma esquerda de novo tipo, o caminho para a transformação das relações entre cidadãos e poder, gente comum e elite política, estará fechado. E o risco será o da crescente ingovernabilidade de fatos e processos que, ainda que os chamássemos de inéditos, estaríamos recorrendo a um eufemismo.

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✽Tradutor e ensaísta. É um dos organizadores das ‘obras’ de Gramsci no Brasil, ‘A esquerda é necessária’, O Estado de S. Paulo, 16/12/2018.

Raimundo Santos: A polarização das eleições de 2018

Os protestos de junho de 2013 mostraram a imensa dissociação que se formara entre o mundo político e a sociedade democratizada. Não se realçou o grande significado daquelas manifestações de rua nem os jovens encontraram diálogo positivo e eficiente no campo partidário, no governo e na maioria das esquerdas os protestos foram combatidos. Eles revelaram aquela dissociação como o problema maior do sistema político; dissociação que inclusive aumentara na era Lula no contexto do “nós” e “eles”, quando a instrumentalização e a cooptação se generalizaram no sentido oposto ao da democratização e da participação, trazidas pela Constituição de 1988. 

O que se seguiu em 2014, principalmente no processo eleitoral, terreno capaz de distender confrontos e propiciar pacificações, não diminuiu aquele fosso. Ao contrário, se impôs a polarização Dilma-Aécio que já não espelhava a variedade das dimensões de uma sociedade que não parava de se complexificar, mesmo sob os governos petistas.

Como no Estado Novo de Getúlio que sedimentara na cultura política brasileira o modelo nacional-popular de dirigir o país em todas suas áreas a partir do Estado, Lula e o PT também avocavam a si a ideia da encarnação da nação. Os governos petistas atualizaram o modelo varguista como uma revolução social-populista, comandada por Lula dentro e até mesmo de fora da Presidência da República. Por essa razão a Era petista galvanizou quase todas as esquerdas identificadas com aquela raiz de revolução nacional popular.

Como é próprio do populismo, o experimento petista se baseava na distribuição, sem o desenvolvimentismo reformista urgente, mas gradual, como já dizia Furtado em 1962, no tempo de Jango, propondo esse caminho como o único capaz de, em regime de liberdades democráticas, superar o subdesenvolvimento e avançar em direção a uma sociedade cada vez mais aberta. Ele referia sua alternativa democrática à história mais antiga das revoluções socialistas, a partir das quais se criara a “opção forçada” do crescimento rápido sem liberdade, pois construído estatalmente de cima para baixo, como destino dos países subdesenvolvidos. Inclusive no caso do Brasil, não por acaso dominantemente tido no campo petista e em boa parte da intelectualidade como país terceiro-mundializado.

A tentativa revolucionária lulista pelo voto, a rigor de ocupação de crescentes espaços do Executivo, não empreendeu mudanças produtivas reestruturantes – diversamente do que fizera FHC entre meados dos anos 1990 e 2002 ao se deparar com a globalização. Seguir com o modelo distributivista chamado de “nova matriz” econômica exigiria o uso da força. Lula e o PT não conseguiriam converter em força a hegemonia que acreditavam ter na sociedade brasileira, passando por cima de tudo, das instituições, inclusive dos partidos e da classe política mesmo enfraquecidos. Assim, eles não conseguiram organizar aqui no Brasil a “democracia de alta intensidade”, como pregava a teoria dos “movimentos sociais como política” difundida no continente latino-americano por uma sofisticada bibliografia internacional.

O experimento petista se radicaliza à medida que a presidente Dilma ia se isolando crescentemente, sobremaneira quando milhões saiam às ruas protestando contra o estado geral das coisas, inclusive apoiando o seu afastamento, e contra a corrupção. E mesmo que ela tenha sido substituída pelo seu vice-presidente Temer, que se propôs no governo realizar uma transição pacífica até as eleições de 2018, o fracasso da Era Lula não abriu caminho para diminuir as tensões acirradas.

Demétrio Magnoli: Moro, a lei e a desordem

- O Globo

‘Irremediável perda da imparcialidade” —a acusação do PT contra Sergio Moro, base do pedido de anulação da sentença condenatória no caso do tríplex, obedece às lógicas da defesa legal do ex-presidente e da campanha política de “Lula livre”. Mas desvia o foco do debate relevante. O salto da cadeira de juiz em Curitiba à de ministro em Brasília nada tem de escandaloso. O problema está em outro lugar: aparentemente, Moro não reconhece a fronteira entre uma função e a outra.

A sentença de prisão de Lula não é de autoria de Moro, mas dos juízes do TRF-4, encarregados da revisão judicial das decisões de primeira instância. O fundamento da impugnação da candidatura de Lula pelo TSE encontra-se na aplicação da Lei da Ficha Limpa, que também deriva da sentença do TRF-4. A acusação petista opera no campo da verossimilhança, não noda verdade. Moro pode assumir o ministério de cabeça erguida—desde que reconheça a natureza política da nova função.

Na entrevista concedida logo após sua indicação ao ministério, o ainda juiz disse que não se convertia em político pois não assumia cargo eletivo. Falácia óbvia: ministros são políticos por definição, porque cumprem as diretrizes do presidente. Daí decorre que, na democracia, o ministro da Justiça não tem o direito de desempenhar funções próprias ao sistema judicial. Tudo indica, porém, que a pretensão de Moro é, precisamente, esta.

Fernando Gabeira: Gurus, charlatões e curandeiros

- O Globo

Relação entre guru e discípulos é uma espécie de deslocamento das estruturas sociais autoritárias para as relações pessoais, diz livro

Volto de Goiás, onde revisitei o centro de João de Deus, em Abadiânia, e o sítio de Sri Prem Baba, em Alto Paraíso. Duas cidadelas espirituais, atingidas em níveis diferentes por um dos tradicionais adversários do espírito: a carne.

Na década dos 80, visitei o ashram de Rajneesh em Poona, na Índia. Faz anos, portanto, que me interesso pelo tema. Não tenho uma opinião formada, como os autores Joel Kramer e Diana Alstad, que escreveram o livro “The Guru Papers”, cujo subtítulo é: “máscaras de um poder autoritário”.

Eles afirmam que a relação entre guru e discípulos é uma espécie de deslocamento das estruturas sociais autoritárias para o âmbito das relações pessoais. Há algo, no entanto, que minha experiência individual leva a uma concordância com eles: religiões milenares não conseguiram alterar a fragilidade da natureza humana.

Mas isso não é uma grande novidade. O avanço da ciência e da tecnologia também não significou necessariamente um avanço ético.

Kramer e Alstad tratam mais de gurus de origem oriental. No capítulo em que descrevem seu poder sexual sobre os discípulos, destacam duas condições que o favorecem: o celibato e a promiscuidade, no fundo uma ausência de vínculos que deixa o discípulo mais vulnerável.

Alguns gurus de origem oriental vêm de sociedades mais rígidas. No Ocidente, tentam aplicar algumas de suas técnicas e rituais sob o argumento da liberação de impulsos reprimidos.

Cacá Diegues: O novo Poder Moderador

- O Globo

Essa galáxia da internet está mudando o mundo sem que tomemos consciência de que podemos orientar essa mudança

Acho que sou um cara mais pro modesto. Se faço, aqui e ali, um autoelogio, se sou capaz de citar a mim mesmo de vez em quando, não é por mera jactância. Não descobri a importância política das redes sociais, a força pública e decisiva da internet, apenas porque o novo presidente Bolsonaro usou-as na campanha vitoriosa. Penso nisso há tempos. Talvez não antes do Carlos, filho do eleito, especialista responsável por colocar o pai candidato nesse mundo virtual em que ele se deu tão bem. Mas, antes da atual consagração do novo sistema de relacionamento entre as pessoas, eleitoras ou não, já andava pensando nisso.

Em 9 de julho de 2017, aqui nesse espaço de jornal, escrevi que “[...] é preciso atualizá-la [a Constituição de 1988], um produto híbrido da redemocratização híbrida, [é preciso] introduzir nela as novidades políticas, sociais e culturais do Brasil e do mundo. Hoje, por exemplo, a internet tem um poder de representação muito maior que o Congresso. É preciso se dar conta dessa representação, introduzi-la em nossa vida pública, do jeito mais justo e eficiente possível”. Talvez houvesse aí um exagero daquele momento, um momento em que ainda não tínhamos a definição de todas as candidaturas à Presidência e nem sombra de um salvador da lavoura.

“Em 1824”, escrevi, “a primeira Constituição do Brasil inventou o Poder Moderador, criação nossa, uma jabuticaba que nunca existiu em qualquer lei no mundo ocidental. No caso, o Poder Moderador era o imperador, a quem cabia dirimir dúvidas e resolver conflitos, estabelecendo o que era mais justo e melhor para a nação”. Durante todo o século XX, do Império à República e seus vários períodos tão diversos, nos acostumamos a recorrer a um Poder Moderador, legítimo ou fruto de um golpe de força, sempre que em dificuldade. Talvez minha observação sobre o mundo virtual tenha sido consequência da falta evidente de um novo Poder Moderador, capaz de garantir nossa original “normalidade”.

Marcus André Melo: Campanha vs. Governo

- Folha de S. Paulo

Campanha de 2018 caracterizou-se por mobilização de clivagens sociais e hiper-personalização

A ascensão de Bolsonaro representa a quebra do padrão de campanha presidencial no país desde 1994 e aponta para uma questão instigante: o que é bom para ganhar eleições pode ser mau para governar.

A campanha de 2018 caracterizou-se por mobilização de clivagens sociais, hiper-personalização da campanha (que ocorreu sem mediações institucionais relevantes, salvo de igrejas, e uso intenso das mídias sociais), e a ausência de qualquer apelo a questões programáticas.

Essa quebra é intuitiva, mas poucos pesquisadores analisaram campanhas presidenciais de forma comparada. A tarefa é empreendida por Taylor Boas, professor da Universidade de Boston, em "Presidential campaigns in Latin America: electoral strategies and success contagion" (campanhas presidenciais na América Latina: estratégias eleitorais e propagação de sucesso, Cambridge University Press, 2016). O autor analisa os casos do Brasil, Chile e Peru, examinando o conteúdo da campanha eleitoral na TV nas eleições presidenciais.

No livro, as campanhas presidenciais são analisadas a partir de três dimensões: a existência de mobilização de clivagens sociais (étnicas, povo contra elite, etc); a conexão buscada com o eleitor ("linkages": se pessoal/direta ou mediada por organizações como partidos, etc); e o grau de foco programático da campanha. Métricas complexas são usadas para quantificar o conteúdo da propaganda eleitoral.

Celso Rocha de Barros: Qual tese econômica elegeu Bolsonaro?

- Folha de S. Paulo

Quando os eleitores votaram nele, o que pensavam sobre economia?

Quando os eleitores votaram em Bolsonaro, o que pensavam sobre economia?

Dependendo de sua opinião sobre isso, suas previsões sobre o governo Bolsonaro devem ser diferentes.

Parece claro que o desempenho fraco da economia nos últimos anos —especialmente nos últimos meses antes da eleição— prejudicou os candidatos ligados, de uma forma ou de outra, ao governo Temer. O PSDB teve ridículos 4,7% dos votos, o PMDB teve 1,2%.

Pelo mesmo mecanismo, a economia ajudou o PT, o principal partido da oposição, a recuperar o espaço perdido desde o impeachment e as eleições municipais de 2016.

Ou seja, pensando em termos de desempenho econômico e seu efeito sobre os partidos de situação e oposição, é fácil entender porque o PSDB não foi ao segundo turno e o PT foi.

Mas e Bolsonaro? Quem votou nele levou em conta o próprio bolso? Se levou, foi em quais termos?

Os eleitores podem ter votado em Bolsonaro porque compraram o programa liberal de Paulo Guedes como solução para a crise econômica. Nesse caso, as perspectivas de um governo reformista são muito boas.

Nesse cenário, o público está convencido da necessidade de se aposentar mais tarde, contar com menos serviços públicos e viver sob leis trabalhistas muito mais flexíveis. Se for o caso, os parlamentares seguirão o público e aprovarão as reformas.

Vinicius Mota: A linha vermelha

- Folha de S. Paulo

Deferência de ministros diante de fortalecimento da Presidência testará seu limite para assegurar direitos fundamentais

O ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal, revogou na semana passada duas decisões que ele mesmo havia proferido.

Na quarta (12), desistiu de proibir multas por inobservância ao tabelamento do frete, concessão da gestão Temer aos caminhoneiros amotinados em maio. Na quinta (13), abriu mão de bloquear a extradição do terrorista Cesare Battisti, condenado na Itália por quatro homicídios cometidos na década de 1970.

Na segunda (10), a ministra Rosa Weber fez uma defesa extensa dos direitos fundamentais e do papel do Judiciário como antídoto à tirania da maioria diante do futuro presidente, Jair Bolsonaro, que dela recebia a certificação formal de sua eleição.

No início do mês, o ministro Gilmar Mendes suspendeu, com um pedido de vista, o julgamento de uma ação para tirar o ex-presidente Lula da prisão. A defesa argumenta que Sergio Moro, titular da Justiça de Bolsonaro, agiu por motivação política no processo contra o líder petista.

Durante a campanha eleitoral, Dias Toffoli, presidente do STF, nomeou um general da reserva como assessor especial e chamou de “movimento de 1964” o golpe daquele ano. Como o general original foi convidado para ser ministro da Defesa, Toffoli escalou outro no lugar.

Leandro Colon: Compadrio e vexame no TCU

- Folha de S. Paulo

Dois ministros mudam de ideia e recuam de impedimento para salvar a pele de aliados

O TCU (Tribunal de Contas da União) protagonizou na semana passada uma constrangedora sessão para figurar entre os maiores vexames da história da corte.

O episódio foi contado na Folha pelo repórter Fábio Fabrini. O enredo é simples: dois ministros haviam se declarado impedidos lá atrás de opinar em um processo envolvendo dois aliados bem próximos deles.

Até aí, tudo certo, afinal demonstraram bom senso. Na hora do julgamento, a surpresa: quando o placar final, sem os votos da dupla, caminhava para condenação dos velhos amigos, os ministros anunciaram, para o espanto dos colegas, que mudaram de ideia e não se sentiam mais impedidos. Rasgaram a fantasia e votaram a favor dos investigados.

Os ministros são Raimundo Carreiro, que deixa a presidência do TCU no fim deste mês, e Aroldo Cedraz.

Os dois personagens julgados são Agaciel Maia e Efraim Morais. O primeiro, hoje deputado distrital no DF, foi o todo-poderoso da diretoria-geral do Senado até 2009, quando caiu durante o escândalo administrativo que atingiu a Casa naquele ano. Era apontado, na época, como operador dos atos secretos que quase derrubaram José Sarney da presidência.

Marcus Pestana: Ainda faz sentido ser social-democrata?

- O Tempo (MG)

O mundo vive uma crise profunda dos paradigmas ideológicos. A ideia de esquerda, direita e centro, herdada da Revolução Francesa, como referência para a dinâmica do sistema político, ficou em xeque. No século XX, a luta pela hegemonia política se deu entre liberalismo, social-democracia e comunismo. Estávamos diante de uma sociedade claramente estratificada entre capital e trabalho, onde projetos antagônicos se chocavam na arena das decisões sociais. Ainda assim, nenhum bloco era totalmente homogêneo.

O liberalismo nasceu nos países ocidentais a partir das revoluções Industrial, Francesa e Americana, calcado na teoria dos clássicos Adam Smith, Ricardo, Stuart Mill, Locke, Tocqueville, entre outros. Já de imediato enfrentou a oposição do conservadorismo de Edmund Burke, como crítica interna dentro do campo capitalista. Mais tarde, Hayek e Friedman lançaram as bases do neoliberalismo. Advogavam o Estado mínimo, a primazia do mercado, eleições democráticas, liberdades individual e coletiva e o império da propriedade privada. O indivíduo seria o centro do processo social.

Diante das iniquidades sociais e das péssimas condições de vida do operariado no “capitalismo selvagem”, veio à tona o movimento socialista, em defesa de uma sociedade mais justa e igualitária. Já na segunda metade do século XIX, esse campo político nasce marcado por dissensões internas: a vertente liderada por Marx e Engels, o anarquismo de Bakunin e o socialismo reformista de Lassale. A cisão desse bloco se consolidou a partir dos embates entre Lênin, Trotsky e Rosa Luxemburgo, de um lado, e Kautsky e Bernstein, de outro.

Fernando Limongi: Abaixo da linha da miséria

- Valor Econômico

Eleição de Bolsonaro é consequência da luta das elites

Em fevereiro de 2017, ao dar início à colaboração regular neste espaço, escrevi: "Foi um espetáculo triste. Uma sucessão de equívocos. Ninguém se salvou. A elite brasileira se esmerou em tomar as piores decisões possíveis. Foi um verdadeiro festival." Assim avaliava o ano anterior, ano no qual as elites do país haviam flertado com o desastre.

As perspectivas para o ano que se abria eram sombrias. Não havia razões para otimismo. Ainda assim, era impossível imaginar o que estava por vir, como as conversas entre Michel Temer e Joesley Batista na garagem do Jaburu e o julgamento da chapa Dilma-Temer. O festival tomou proporções dantescas, uma verdadeira descida ao inferno.

Mas não há nada que não possa piorar. O fundo do poço é inalcançável. Sempre há como cavar mais um pouquinho. Hoje, no fim de 2018, o cenário político é mais desalentador do que era no início de 2017. A eleição de Jair Bolsonaro é o ponto culminante desta sucessão de erros e equívocos. A elite brasileira, e não só a politica, caprichou. Todos, sem exceção, contribuíram e o resultado está aí. Nunca a equipe inicial montada por um presidente reuniu tantos nomes inexpressivos e sem experiência. O despreparo de Bolsonaro e sua trupe para dar conta das tarefas básicas da administração são evidentes. Para governar, é preciso mais do que convicções ideológicas e disposição para criar polêmicas.

Bolsonaro não foi eleito por seus méritos ou em razão do programa que defende. Venceu porque ocupou o espaço deixado pela luta fratricida no interior da elite política que governou o país desde a redemocratização. O impeachment de Dilma Rousseff antecipou a alternância no poder 'programada' para 2018. A coalizão MDB-PSDB assumiu carregando as promessas de regeneração da política e retomada do crescimento. Não entregou nem uma coisa nem outra. O governo Temer foi um fracasso rotundo, contribuindo para aprofundar a crise. A população foi em busca de alternativas e Bolsonaro foi a que restou.

Luiz Carlos Mendonça de Barros: Bolsonaro: tudo para um bom início

- Valor Econômico

Apenas alguma barbeiragem política grave na base de apoio do governo pode levar a um cenário diferente

O governo do presidente eleito Bolsonaro tem todas as condições iniciais para dar certo. Este é o meu sentimento quando escrevo a última coluna do ano. Em primeiro lugar, porque inicia seu governo em um ponto do ciclo econômico de curto prazo extremamente favorável. A terrível recessão provocada pela incompetência do governo de Dilma Rousseff provocou uma correção brutal dos principais mercados no Brasil, criando as condições necessárias para uma recuperação cíclica bastante sólida.

O presidente Michel Temer, com uma política econômica correta, mostrou o potencial desta nova fase de crescimento, mas perdeu a oportunidade de consolidá-lo por questões fora do ambiente econômico. Com isto, o nível de atividade, nos últimos dois anos, permitiu a manutenção das condições favoráveis de oferta e demanda em setores importantes do tecido econômico. Por exemplo, o hiato do produto permitiu que o Banco Central administrasse um dos mais exitosos processos de desinflação da história econômica recente.

O relatório da reunião do Copom de dezembro mostra a extensão deste processo de desinflação dos últimos anos ao projetar para 2019 e 2020 uma taxa de aumento dos preços abaixo do centro da meta do BC e, acenar inclusive, com uma possível redução adicional dos juros Selic em 2019. Com isto, teremos mantido, por três anos seguidos, o controle da inflação, sem a utilização de mecanismos espúrios de controle de preços e outros artificialismos. O novo presidente vai assumir seu cargo sem nenhuma distorção maior no sistema de preços de mercado ou dos controlados administrativamente.

Por outro lado, a nova previsão da safra agrícola de 2018/2019, divulgada pelo IBGE na última semana, reforça este cenário benigno da inflação pela manutenção, por um prazo seguido de três anos, de uma oferta abundante de alimentos nos mercados internos. Não vai ser por problemas de oferta que poderemos ter alguma surpresa desagradável neste segmento importante de preços e que representa cerca de 40% do IPCA.

*José Goldemberg: Energia no novo governo

- O Estado de S.Paulo

Voltar à regionalização da produção para atender a interesses locais é um retrocesso

Entre os muitos desafios e tarefas urgentes do novo governo federal está o equacionamento do setor de energia, principalmente o da energia elétrica, um dos que foram mais atingidos pela incompetência do governo de Dilma Rousseff. Além disso, temos agora um ativismo tardio do ministro de Minas e Energia, Moreira Franco, que pode atrapalhar.

Esse setor foi objeto de poucos debates e propostas no período eleitoral, exceto pelo então candidato Jair Bolsonaro, que articulou algumas ideias e propostas. Eleito presidente da República, elas merecem melhor análise.

Os problemas mais urgentes da área de energia estão no setor elétrico, porque o preço da eletricidade é determinado pelo que fazemos aqui, no País. Esse não é o caso do petróleo, cujo preço é determinado pelos grandes produtores internacionais – principalmente a Opep – e há pouco que possamos fazer a esse respeito. No caso da eletricidade, porém, erros ou acertos do governo federal são fundamentais para a fixação do custo da eletricidade, que afeta diretamente todos os consumidores e é umas das principais causas da inflação.

O setor de petróleo vai relativamente bem no País depois da retomada dos leilões, no governo Michel Temer, para a exploração do pré-sal com a participação de empresas estrangeiras, que trazem capital e tecnologia e dividem os riscos com a Petrobrás. O País já é autossuficiente na produção de petróleo bruto e o gargalo está no refino, que é insuficiente e obriga a Petrobrás a importar gasolina e óleo diesel, com uma engenharia financeira complicada.

Cida Damasco: Competição pra valer

- O Estado de S.Paulo

O consumidor ainda desconfia dos efeitos da abertura de mercado

Quem nunca sonhou com o dia em que conseguiria viajar com passagens aéreas baratíssimas simplesmente garimpando ofertas das várias companhias? Quem não alimentou a ilusão de que a troca de operadoras de celulares daria acesso a vantagens ilimitadas?

Quem não tentou conferir se transferir a conta para outro banco traria tarifas bem mais baixas e remuneração mais atraente para suas aplicações? À exceção de acomodados incorrigíveis, a maioria dos consumidores já considerou essas alternativas – e muitos até decidiram partir para a experiência. Não raras vezes, porém, frustraram-se. Os argumentos invocados para justificar a decepção vão desde “dá muito trabalho e o resultado nem sempre compensa” a “no fundo, todas as empresas são iguais”.

A abertura das companhias aéreas a 100% de capital estrangeiro, decidida no limite do governo Temer, pode ter esse mesmo fim.

Embora a avaliação geral é de que a MP foi precipitada para permitir um reforço de dinheiro externo à Avianca, há poucos dias em recuperação judicial, ela é vista também como um instrumento capaz de aumentar a concorrência no setor, com o estímulo à entrada no País das companhias tipo “baixo custo”. Afinal de contas, quatro empresas brasileiras dividem o mercado doméstico e duas delas, Gol e Latam, são donas de quase 70% – nos mercados internacionais, a Latam, entre as companhias locais, é a que detém a maior fatia.

Que mercados fechados e concentrados são um mal para a economia e para os consumidores, não há a menor dúvida. Basta acompanhar, por exemplo, a resistência dos juros na ponta do crédito, apesar da forte queda da taxa básica, distorção que dez entre dez analistas atribuem ao ambiente de concentração bancária: segundo o Banco Central (BC), mais de 80% dos ativos estão em poder de cinco instituições, o índice mais elevado entre todos os países emergentes. Mais ainda, basta ver o quanto se gastou de energia e recursos públicos, ao longo dos anos 1990 e 2000 para tentar manter em pé a mais do que combalida Varig, “a empresa nacional” de aviação.

Ricardo Noblat: O filho mais poderoso

- Blog do Noblat | Veja

No páreo pelo título, Eduardo, Carlos e Flávio

Desta vez foi Eduardo Bolsonaro que obrigou o presidente eleito a socorrê-lo. Em entrevista ao jornal O Globo, Eduardo defendeu a possibilidade de aplicação de pena de morte para traficantes de drogas e autores de crimes hediondos. É assim nas Filipinas do ditador Rodrigo Duterte, visitada por Eduardo no ano passado. Ele voltou de lá deveras impressionado.

A Constituição brasileira não admite pena de morte, a não ser em caso de guerra externa. É cláusula pétrea. Que quer dizer: um artigo que não pode ser mudado. Eduardo disse ao jornal que sabia disso, sim, mas que se poderia abrir uma exceção. Horas depois, pelo twitter, é claro, Bolsonaro ensinou ao filho: cláusula pétrea é imexível. E “não se discute mais isso”.

Eduardo está deslumbrado com o poder recém-adquirido. Reeleito deputado federal com o maior número de votos da história de São Paulo, comporta-se como se fosse o porta-voz do pai para assuntos internacionais. Quer mais e mais que o Brasil se alinhe aos interesses comerciais dos Estados Unidos. Quer também que copie o modelo econômico do Chile.

Com a pretensão de exercer de fato a função de chanceler, Eduardo já é uma dor de cabeça para o futuro ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo. Na prática, o deputado disputa com os irmãos Carlos, vereador, e Flávio, senador, a condição de o mais poderoso filho do presidente. Carlos emplacou um afilhado na chefia da Secretaria de Comunicação do governo. Quanto a Flávio…

Onde está Queiroz, o ex-assessor de Flávio desaparecido há mais de uma semana? O Ministério Público suspeita que Queiroz foi o administrador do caixinha do gabinete de Flávio na Assembleia Legislativa do Rio, alimentado com uma parte dos salários devolvida pelos demais funcionários. Enquanto Queiroz não se explicar e convencer que tudo está O.K., Flávio seguirá de cabeça baixa.

A família Bolsonaro promete fortes emoções.

FHC e educadora lançam livro para jovens lideranças

Ex-presidente discorre sobre a importância de o jovem tomar partido e assumir uma posição se deseja ser ouvido

- O Estado de S.Paulo

Ainda durante o calor das manifestações de junho de 2013, a educadora Daniela de Rogatis convidou o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso para participar de um projeto voltado à preparação de jovens lideranças empresariais e ao aprofundamento do debate sobre a transição geracional em diversos setores da sociedade brasileira. Foi a partir desse fórum, e dos diálogos proporcionados por ele, que nasceu o livro Legado Para a Juventude Brasileira – Reflexões sobre um Brasil do qual se orgulhar (Ed. Record, 252 páginas. R$ 44,90).

Na obra, que será lançada hoje em um evento para convidados em São Paulo, o ex-presidente e a educadora discutem os desafios do País, o papel do Estado e da sociedade civil. Os autores também se aprofundam em um diagnóstico do cenário atual. Ao se dirigir a uma audiência jovem, FHC diz que a nova geração vai ter que tomar partido se quiser mudar a realidade. “Não estou dizendo que ela deve ingressar em um partido, e sim tomar partido, assumir uma posição, dizer o que de fato pensa...”

Daniela segue a mesma linha: “Cada geração herda da anterior um País com certas características e, se não se omitir do papel a que é chamada, transforma-o numa nova direção.”

No capítulo intitulado Juventude: perspectivas para um novo tempo, Fernando Henrique fala sobre a ausência de lideranças: “Na atual situação do Brasil, nota-se a ausência de vozes capazes de articular uma saída razoável (...) Na sociedade em que vivemos, há uma grande probabilidade da demagogia prevalecer (...) Às vezes, surgem pessoas dotadas de enorme talento retórico, que convencem mesmo ao defender posições equivocadas ou ao mentir deliberadamente.”

FHC diz que as redes sociais e a mídia tradicional não têm consciência “de seu papel selecionador” e, segundo ele, acabam promovendo as lideranças “mais extravagantes”. “A demagogia tem forte apelo para a mídia, pois o demagogo acaba se destacando por suas bizarrices. E como seres humanos não são racionais, mas também emotivos, e até irracionais, eles vão ‘na onda’. Por isso, temos de tomar cuidado com essas ondas todas, sobretudo no momento atual do País, que virou um campo fértil para demagogos.”

'Pautas-bombas' existem porque não se cumpre a lei: Editorial | Valor Econômico

Todo fim de ano, principalmente naqueles que marcam o término de uma legislatura, a sociedade presencia a corrida de parlamentares para aprovar, a toque de caixa, projetos que criam novas despesas, ampliam as existentes ou concedem benefícios tributários a grupos empresariais diversos, com grande impacto sobre as finanças públicas. Essas iniciativas ficaram conhecidas na imprensa como "pautas-bomba".

Nessas ocasiões, o governo apela aos líderes, promove negociações e libera emendas parlamentares na tentativa de evitar a aprovação das medidas. Mas nem sempre consegue evitar que todas sejam aprovadas. Resta ao presidente da República passar pelo desgaste de vetá-las. E o que vem acontecendo nos últimos anos é a derrubada de vetos em quantidade impressionante.

Tudo isso poderia ser evitado, no entanto, se os senadores e deputados cumprissem as leis que eles mesmos aprovaram. A emenda constitucional 95/2016, que criou o chamado teto de gastos, por exemplo, determina (artigo 113 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias) que toda proposição legislativa que crie ou altere despesa obrigatória ou renúncia de receita deverá ser acompanhada da estimativa do seu impacto orçamentário e financeiro.

A mais recente "pauta-bomba" aprovada pela Câmara dos Deputados foi o projeto de lei, proveniente do Senado, que prorroga e estende benefícios tributários para as áreas de atuação da Sudene, Sudam e Sudeco. Até agora, apenas os projetos protocolados e aprovados por essas Superintendências até o dia 31 de dezembro deste ano teriam direito aos benefícios tributários, entre eles redução de 75% do Imposto de Renda das Pessoas Jurídicas (IRPJ). O prazo foi prorrogado para 31 de dezembro de 2023.

Ideia de para-choque: Editorial | Folha de S. Paulo

Subsídio ao diesel e tabela do frete são insustentáveis e desafiam novo governo

Na lista de temas espinhosos que o novo governo precisará enfrentar, um dos mais complexos e imediatos é o acordo fechado entre a administração prestes a se encerrar e os caminhoneiros.

A trégua com a categoria, que pôs fim a uma paralisação de efeitos devastadores para a economia, ampara-se em um subsídio ao óleodiesel programado até o final deste ano —cuja renovação, estima-se, custaria mais de R$ 18 bilhões em 2019— e uma tabela de preços mínimos para o frete rodoviário.

Já existe uma incerteza quanto ao primeiro dispositivo. Sabe-se que o futuro ministro da Economia, Paulo Guedes, e sua equipe são hostis a subvenções e outras modalidades de intervenção estatal na atividade produtiva.

De sua parte, o presidente eleito, Jair Bolsonaro (PSL), apoiou o movimento paredista e, ao longo de sua trajetória política, mostrou pendor por pautas corporativas. Não surpreenderá que pressione por novos aportes públicos.

O agro e o risco diplomático: Editorial | O Estado de S. Paulo

Com superávit de US$ 73,32 bilhões até outubro, o agronegócio continua garantindo um bom resultado para o comércio exterior e uma preciosa segurança nas contas externas. Graças a isso o Brasil conseguiu em dez meses um saldo positivo de US$ 47,72 bilhões nas exportações e importações de bens e poderá fechar o ano com excedente superior a US$ 55 bilhões. O bom desempenho do agro compensou com grande folga o resultado negativo de outros setores. Com a perspectiva de mais um período de grande produção, o campo e as indústrias processadoras poderão dar uma excelente contribuição ao novo governo – especialmente importante num começo de mandato.

Mas isso dependerá em boa parte do novo presidente e de sua política externa. Se a diplomacia enveredar por encrencas com grandes clientes, como a China e países muçulmanos, essa exibição de incompetência – mais que de imprudência – poderá custar ao Brasil muitos bilhões de dólares de receita cambial e um bom pedaço de seu crescimento econômico.

O contraste entre o futuro governo e a área mais dinâmica e moderna do agro é ostensivo. De um lado, pessoas próximas do presidente eleito continuam mandando mensagens assustadoras ao mundo exterior – promessas de abandono dos compromissos de defesa do clima, de mudança da embaixada em Israel de Tel-Aviv para Jerusalém, de rejeição do multilateralismo e de alinhamento à política truculenta do presidente Donald Trump. Autoridades da China e de países muçulmanos já mostraram preocupação diante da nova orientação diplomática indicada pelo presidente eleito e sua equipe. Da Europa também já vieram sinais de desagrado em relação às alterações na política ambiental brasileira, um tema delicado quando se trata de comércio e de acordos econômicos internacionais.

Do lado do agro, o esforço para produzir de forma competitiva continua. Um novo recorde, de 238,41 milhões de toneladas, foi projetado para a safra de grãos de 2018-2019 pela Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), ligada ao Ministério da Agricultura.

Odebrecht une latinos contra a corrupção: Editorial | O Globo

Acordo de colaboração judicial assinado por empresa, desta vez no Peru, tem potencial devastador

Prevê-se uma longa e forte tormenta sobre o governo e o Congresso do Peru , como consequência do acordo de colaboração judicial assinado pela Odebrecht na semana passada. Na essência, é similar ao que o grupo empresarial fez há dois anos no Brasil, nos Estados Unidos e na Suíça. Prevê testemunhos e entrega de provas, sem restrições, de crimes de corrupção e lavagem de dinheiro.

Suspeitas de má administração e recebimento de propinas de empresas brasileiras, Odebrecht à frente, já induziram o cerco judicial a quatro ex-chefes de Estado peruanos.

Neste ano, houve a renúncia de um presidente, Pedro Pablo Kuczynski (2016-2018). Outros dois ex-presidentes tiveram prisão decretada, Alejandro Toledo (20012006) e Ollanta Humala (20112016). E um quarto, Alan García (1985-1990 e 2006-2011), hoje peregrina por embaixadas em Lima à procura de “asilo” alegando “perseguição política” — argumento risível porque no Peru, como no Brasil, vive-se sob império da lei e da democracia. Além deles, investiga-se a líder da oposição, Keiko Fujimori, presa preventivamente. Nesse contexto, o acordo tem potencial ainda mais devastador. E sinaliza algo parecido ao México, Colômbia, Equador e países centro-americanos.

O “efeito Odebrecht” se espraia por Américas, África e Europa. Sua força deriva da ansiedade por mudanças, cristalizadas no Brasil a partir das manifestações de 2013.

O plano de Guedes para superar as armadilhas do baixo crescimento

Futuro ministro quer usar reformas e privatizações contra herança de governos que classifica de social-democratas

Marcello Corrêa e Martha Beck | O Globo

BRASÍLIA - O Brasil é prisioneiro de uma armadilha social-democrata de baixo crescimento. Esse diagnóstico tem sido repetido como um mantra pelo futuro ministro da Economia, Paulo Guedes. Para ele, o país cobra muito imposto e gasta demais enquanto a atividade econômica patina. Coma mesma rapidez, Guedes dá o seu receituário para tirar o país dessa condição. Promete reformas que vão dos ajustes na Previdência a um amplo programa de privatizações. No entanto, a agenda tende a enfrentar resistências, sobretudo no Congresso.

Guedes estabelece como centro desse modelo que provoca baixo crescimento o excesso de gastos obrigatórios. Hoje, mais de 90% do Orçamento federal são fixos, destinados principalmente ao pagamento de benefícios previdenciários e folha de pagamentos. Assim, sobra pouco espaço para investimentos públicos.

‘CHOQUE LIBERAL’
Por isso, Guedes costuma associar o discurso sobre a armadilha a debaixo crescimento a outro bordão, este emprestado do ex-presidente Tancredo Neves: “é proibido gastar”.

O futuro ministro também costuma destacar o gasto com a dívida pública. São R$ 400 bilhões por ano. Para isso, recorre a outra figura de linguagem: diz que o Brasil reconstrói uma Europa por ano pagando juros. Segundo ele, aproximadamente o mesmo valor empenhado no Plano Marshall para recuperar o continente após a Segunda Guerra Mundial. O dinheiro das privatizações de estatais é apontado como solução para essa parte do problema.

Outro braço dessa armadilha é a consequência da bola de neve dos gastos: a carga tributária. Segundo a Receita Federal, os impostos representam quase 33% do Produto Interno Bruto (PIB). Na visão de Guedes, o peso dos tributos é resultado de um Estado grande e ineficiente.

Ao classificar esse cenário como “armadilha social-democrata”, Paulo Guedes faz uma crítica aos governos que o precederam. Social-democracia costuma ser associada a governos que preveem uma rede maior de proteção social, como seguro-desemprego, entre outros. É o PSDB que tem social-democracia no nome, mas o recado de Guedes se estende aos governos do MDB e do PT pós-redemocratização. Na visão dele, apesar das trocas de governo nas últimas décadas, ninguém propôs reformas sustentáveis. Daí a expressão armadilha.

Segundo aliados, o que se espera de Guedes e sua equipe é um “choque liberal”. Em entrevista ao GLOBO em agosto, ainda durante a campanha, o futuro ministro explicou como propõe uma abordagem diferente em relação às estatais: — Um social-democrata diz: ‘Eu gosto de estatais. Uma ou outra eu posso vender’. O liberal-democrata diz: ‘Não gosto de estatais, mas deixo algumas’.

Obrador define políticas inversas às de Bolsonaro

Mexicano não pretende ser um contraponto ao brasileiro, mas divergências em temas como multilateralismo e meio ambiente já ficaram claras; analistas, no entanto, não apostam em protagonismo externo de AMLO

Henrique Gomes Batista | O Globo

WASHINGTON - As diferenças ideológicas entre Jair Bolsonaro e Andrés Manuel López Obrador deverão chegar à política externa, e a América Latina viverá uma fase de dois polos: um liderado pelo México, onde o esquerdista Obrador assumiu a Presidência neste mês para um mandato de seis anos, e outro pelo Brasil, que empossa o novo presidente em 16 dias. Especialistas afirmam que isso já é sentido, com os dois políticos definindo estratégias de política externa inversas em temas como multilateralismo, meio ambiente e direitos sociais.

— Não queremos ser contraponto a ninguém, nem aos Estados Unidos de Donald Trump ou ao Brasil de Bolsonaro. Vamos seguir nossas linhas, de defender os direitos humanos, o multilateralismo e a autodeterminação dos povos. Se isso for contrário ao que outros países defendem, é uma consequência, não é a nossa intenção — afirmou ao GLOBO Jesús Ramírez Cuevas, porta-voz de AMLO, como o presidente mexicano é conhecido por suas iniciais.

As diferenças ficaram visíveis na posse de Obrador, que teve a presença do venezuelano Nicolás Maduro e do cubano Miguel Díaz-Canel, dois dirigentes de regimes ditatoriais que Bolsonaro indicou que pretende combater, a ponto de fazer críticas que levaram Havana a suspender sua participação no Mais Médicos, no qual trabalhavam 8.300 cubanos.

ACORDO SOBRE MIGRAÇÃO
O futuro chanceler, Ernesto Araújo, anunciou que o Brasil sairá do recém-aprovado pacto global sobre migração e põe em dúvida a permanência do Brasil no Acordo de Paris sobre o clima. Enquanto isso, Obrador não só assinou o pacto como se dispõe a conceder mais vistos de residência a imigrantes que fogem da pobreza e da violência no chamado Triângulo Norte da América Central (El Salvador, Honduras e Guatemala), enquanto propõe mais investimentos dos Estados Unidos na economia desses países, em um movimento visto como propositivo.

— Vemos uma inversão das estratégias tradicionais: o México agora buscando ser um ator multilateral, entrando nos grandes debates globais, como a imigração, e o Brasil se isolando, abandonando palcos internacionais e buscando uma aproximação estreita com os EUA—afirma Oliver Stuenkel, professor de Relações Internacionais da Fundação Getulio Vargas (FGV). — Até então, o Brasil era um grande defensor do multilateralismo e o México tinha sua política externa voltada para o vizinho do Norte.

Ex-embaixador americano no Brasil, o professor Melvyn Levitsky, da Universidade de Michigan, pondera que tanto Obrador quanto Bolsonaro se elegeram prometendo ruptura, e que nos dois casos o sucesso da política externa depende de vitórias internas. Os desafios, nesse caso, são semelhantes: violência, baixo crescimento econômico, corrupção. Obrador conta com um Congresso em que seu partido, o Morena (Movimento de Regeneração Nacional), tem maioria, enquanto Bolsonaro deverá enfrentar maior resistência parlamentar a sua política econômica liberal.

— De qualquer maneira, o discurso externo de López Obrador é mais condizente com a ordem internacional, por ser a favor do multilateralismo, dos direitos humanos e das soluções negociadas. Bolsonaro, com sua tentativa de copiar os passos de Trump, pode colocar o Brasil em uma sombra diplomática —disse Levitsky.

Fareed Zakaria: Nova divisão política ocidental opõe urbano e rural

- O Estado de S. Paulo

Desde 2008, centros urbanos têm monopolizado concentração de renda em detrimento de áreas rurais nos EUA e Europa

Para Steve Bannon, a maneira de criar uma maioria populista duradoura é combinar forças da esquerda e da direita. É por isso que ele esteve na Itália no início deste ano, onde partidos representando esses dois lados se uniram em uma aliança de governo. É por isso que Bannon espera afastar para longe alguns dos apoiadores de Bernie Sanders do Partido Democrata. Mas o próximo lugar onde podemos estar vendo a ascensão de um novo populismo de esquerda-direita é a França.

Até agora, aos protestos dos “coletes amarelos” na França faltaram partidos, estrutura e lideranças. Mas as listas de demandas estão circulando. Em seu âmago há uma fantasia inviável, como um teto constitucional sobre impostos de 25%, juntamente com um aumento maciço nos gastos sociais. O que chama a atenção nesses manifestos é que eles combinam listas de desejos tradicionais da esquerda e da direita. A revolta dos “coletes amarelos” também se espalhou para a Bélgica, onde a frágil coligação governamental entrou em colapso em virtude da questão da imigração. Mas, novamente, os protestos têm uma sensação de descontentamento generalizado vindo da esquerda e da direita. Assim como na França, Estados Unidos e Reino Unido, parece haver uma reação rural contra as elites urbanas.

Partidos populistas europeus atacam o liberalismo econômico

Por Eric Sylvers | Dow Jones Newswires | Valor Econômico

MILÃO - Partidos "antiestablishment" ganharam apoio em toda a Europa nos últimos anos atacando as regras de imigração e fiscal da União Europeia (UE). Já um aspecto que chamou menos atenção foi a crescente oposição desses partidos à ortodoxia econômica da UE, que apoia o livre mercado e a concorrência em detrimento da intervenção estatal.

Na Itália, o novo governo antiestablishment articulou a oferta, apresentada pela companhia ferroviária estatal, de compra de participação controladora na companhia aérea Alitalia, permanentemente às voltas com problemas. A Ferrovie dello Stato fez sua oferta, cujas cláusulas não vieram a público, sob a condição de encontrar uma companhia aérea como coinvestidora. Se um acordo for firmado, o governo italiano provavelmente acabará detendo uma participação direta de cerca de 15% na Alitalia e controlará a empresa por meio dessa participação, juntamente com a cota da Ferrovie.

O governo italiano, formado pela Liga, partido de extrema direita, e pelo Movimento 5 Estrelas (M5S), ideologicamente eclético, quer ainda estatizar empresas de abastecimento de água, criar um banco controlado pelo governo para financiar a economia e aventou a ideia de estatizar as rodovias.

Surgiram ambições semelhantes, refratárias ao mercado, em outros países europeus. Apelos por estatizações vieram da esquerda populista na Espanha e da direita nacionalista na Hungria e na França. O alvo comum desses grupos é o consenso tecnocrático dos partidos tradicionais europeus, de modo geral de centro, de que o continente precisa privatizar, desregulamentar, limitar as proteções sociais, impulsionar a concorrência e permitir o ingresso de capital estrangeiro a fim de crescer.

Essa liberalismo pró-mercado orientou boa parte da política pública da UE nos últimos 25 anos. Mas seu apelo eleitoral, sempre inconstante, sofreu ainda mais devido às cicatrizes da longa crise financeira vivida pela continente.

Fernando Pessoa: Pecado original

Ah, quem escreverá a história do que poderia ter sido?
Será essa, se alguém a escrever,
A verdadeira história da humanidade.

O que há é só o mundo verdadeiro, não é nós, só o mundo;
O que não há somos nós, e a verdade está aí.

Sou quem falhei ser.
Somos todos quem nos supusemos.
A nossa realidade é o que não conseguimos nunca.

Que é daquela nossa verdade — o sonho à janela da infância?
Que é daquela nossa certeza — o propósito a mesa de depois?

Medito, a cabeça curvada contra as mãos sobrepostas
Sobre o parapeito alto da janela de sacada,
Sentado de lado numa cadeira, depois de jantar.

Que é da minha realidade, que só tenho a vida?
Que é de mim, que sou só quem existo?

Quantos Césares fui!

Na alma, e com alguma verdade;
Na imaginação, e com alguma justiça;
Na inteligência, e com alguma razão —
Meu Deus! meu Deus! meu Deus!
Quantos Césares fui!
Quantos Césares fui!
Quantos Césares fui!