segunda-feira, 14 de janeiro de 2019

Angela Bittencourt: Previdência puxa o PIB e potencializa juro baixo

- Valor Econômico

Foco no comando da Câmara e Senado e líderes do governo

Há dois anos a inflação está abaixo da meta no Brasil, e isso significa uma boa e uma má notícia. A boa notícia é que a taxa básica da economia brasileira, Selic, poderá ficar estacionada por muito mais tempo. A má notícia é que, mesmo com a Selic inalterada há dez meses em 6,50%, a reação da atividade é lenta.

Um avanço consistente das reformas estruturantes - a começar pela Previdência - será uma alavanca para os investimentos e taxas mais consistentes de crescimento, já favorecido pela taxa de juro em sua mínima histórica. Em contraponto, reformas frustradas ou aquém do esperado contratam ao menos duas consequências negativas: a manutenção de investimentos em banho-maria e maior pressão no câmbio porque investir no Brasil será mais arriscado. Dólar mais alto gera inflação e convida o Banco Central (BC) a aumentar o juro, o que não acontece desde julho de 2015.

O dólar ronda R$ 3,70 e essa taxa não reflete um desfecho positivo do ajuste fiscal. E tampouco eventual fiasco do discurso reformista do governo Bolsonaro. Confirmada a reforma previdenciária, o dólar tende a recuar a R$ 3,50 ou menos. Um discurso oficial frustrado poderá, sim, puxar o dólar a R$ 3,90 ou a R$ 4,00. E, nesse cenário, o câmbio contamina a inflação e abre caminho para o aumento do juro - um tiro curto, mas fatal contra um crescimento arrastado.

"A economia brasileira mantém um círculo virtuoso desde 2017, e o combustível deste ciclo é o juro baixo, hoje o único estímulo que o Brasil tem para crescer. Se esse estímulo for retirado haverá um grande prejuízo para a recuperação da atividade. Não acreditamos que isso acontecerá. Esperamos a manutenção da Selic em 6,50% em 2019 inteiro e acreditamos que o mercado está migrando para esse cenário. Ajuste do juro? Só em 2020", afirma Leonardo Porto, economista chefe do Citi no Brasil.


Em entrevista à coluna, Porto lembra que, em setembro e outubro do ano passado, período de maior desvalorização cambial, o Comitê de Política Monetária (Copom) sinalizou aumento da taxa Selic, a despeito da elevada ociosidade da economia. A sinalização do Comitê não se confirmou, a Selic ficou inalterada. Contudo, ficou patente a preocupação que o câmbio desperta. O economista lembra que o dólar é uma variável cuja evolução não depende apenas das condições domésticas. "O dólar sofre influência externa e [seu comportamento] não depende de ações isoladas da maioria dos bancos centrais."

Hoje, mais que em qualquer episódio recente, as relações econômicas e políticas dos EUA, sobretudo com a China, têm impacto cristalino na formação global da taxa de câmbio a que todos os países estão expostos. Apesar dessa incontrolável influência externa, diz o economista, no Brasil há hoje um antídoto disponível para limitar o contágio negativo do dólar: a reforma da Previdência.

"A Previdência é o gasto mais elevado das contas públicas brasileiras que estão em uma trajetória insustentável. Está claro que o governo Bolsonaro vai endereçar o problema fiscal ao Congresso. Mas o Congresso rejeita, há pelo menos uma década, propostas de ajuste fiscal. Some-se a isso o orçamento engessado da União e não é difícil compreender por que, sem a reforma previdenciária, uma melhoria nas contas públicas não acontece", diz o economista.

Até pela resistência parlamentar, acrescenta Leonardo Porto, a reforma da Previdência pode ser condição necessária, mas talvez insuficiente para a consolidação fiscal capaz de impulsionar um ciclo de crescimento econômico. O Citi projeta expansão do PIB de 3% a 3,5% nos próximos anos em um contexto de ajuste fiscal a ser pautado pela reforma previdenciária.

Ele avalia que respostas a três questões ajudam a monitorar o andamento dessa reforma: "Há disposição, de fato, de o governo Bolsonaro realizar a reforma? O presidente e o ministro Paulo Guedes terão habilidade política para negociar a reforma com o Congresso? Em que ponto de sua lista de prioridades, o Congresso colocará a reforma da Previdência?"

O economista está convencido de que, se de início havia dúvida no mercado financeiro quanto a possibilidade de Jair Bolsonaro, então candidato à Presidência, rejeitar as ideias de Paulo Guedes, desde a eleição essa dúvida não procede. Quanto à habilidade política do presidente e do ministro negociarem com o Congresso as condições da reforma, Porto acredita que a resposta estará clara em pouco tempo.

Para ele, também em semanas, ficará evidente se os novos presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado são afinados ou não com o governo Bolsonaro. As mesas diretoras das duas casas serão definidas em 2 de fevereiro.

Para o economista do Citi, mais importante que o nome do deputado e do senador que comandarão Câmara e Senado será o apoio que eles terão do presidente da República. "Especialmente, o candidato ao comando da Câmara merece atenção porque é lá que a proposta da reforma previdenciária caminha primeiro", alerta o economista que vê o encaminhamento ao Congresso e a apresentação detalhada do projeto do governo capaz de "fazer preço" de ativos no mercado financeiro.

"Neste momento, a habilidade política do governo estará sendo testada. E os principais pontos a acompanhar são idade mínima proposta para aposentadoria, existência ou não de aumento de alíquota de contribuição previdenciária; inclusão ou não de militares na proposta; e a regra de transição", pondera Leonardo Porto, para quem é preciso também considerar quem será o negociador do governo junto ao Congresso. Será o ministro Onyx Lorenzoni ou não? Quem será o líder do governo na Câmara e quem será o líder do governo no Senado?"

O economista chefe do Citi chama atenção para um balanço de medidas já implementadas e outras sugeridas pelo Tesouro no Panorama Fiscal de encerramento de 2018 por considerá-las de "efeito imediato". E destacou duas: correção do salário mínimo apenas pela inflação e restrição ao abono salarial.

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