terça-feira, 8 de janeiro de 2019

Entrevista: Cristovam Buarque

Participação do Estado na economia é um modelo esgotado

- Agência Senado

O senador Cristovam Buarque (PPS-DF) considera que a participação do Estado na economia, por meio de gastos públicos em infraestrutura e na indução da demanda, apesar de ter levado ao desenvolvimento de diversos países, é um modelo esgotado. Isso porque, disse o senador que também é professor de economia da UnB (Universidade de Brasília), a capacidade fiscal do governo chegou ao seu limite, num contexto em que a inflação não é mais tolerável.

Cristovam concedeu a entrevista à Agência Senado como parte da série de reportagens “A Cepal e o Brasil”, que aborda os 70 anos da Comissão Econômica para a América Latina, órgão criado pela ONU para auxiliar no desenvolvimento sócio-econômico da região. Em junho, o senador propôs a realização de uma sessão especial em homenagem à data, mas que acabou não se concretizando devido a choques de agenda com alguns dos convidados.

Na entrevista abaixo, o senador do PPS do Distrito Federal fala ainda sobre a sua amizade de décadas com Celso Furtado e a função da educação na superação do atraso.

• Agencia Senado – A Cepal é tradicionalmente ligada ao papel do Estado na indução do desenvolvimento econômico. Como você avalia a importância deste legado e a relevância deste enfoque hoje?

Cristovam Buarque – Este enfoque inicia-se na Alemanha com Friedrich List por volta de 1850. Ele foi o grande idealizador da intervenção do Estado para dinamizar a economia no sistema capitalista. Foi a partir daí que se consolidou esta linha de pensamento. E (John Maynard) Keynes, nos anos 1930 e 1940, levou este enfoque além, muito além. Considerando que o Estado era o indutor da infra-estrutura e, a partir da grande contribuição de Keynes, também o indutor na demanda.

O que ele chamava então de demanda agregada, seria construída graças a gastos públicos. E isto de fato deu grandes resultados do ponto de vista da recuperação dos países ricos depois da crise de 1929. E no desenvolvimento dos países que se chamavam de Terceiro Mundo, ou subdesenvolvidos. Funcionou bem, ninguém pode negar que estes países cresceram na economia. Mas penso que este modelo hoje está esgotado.

Eu creio que se esgotou primeiro porque o Estado esgotou a capacidade de financiamento. Antes o Estado, gastando recursos, gerava uma inflação entre 3% a 5%. O que ocorreu a partir dos anos 70 e 80, foi a inflação descontrolada, a hiperinflação. Houve um esgotamento fiscal. E além disso ocorreu o esgotamento gerencial. O Estado não tem mais capacidade de gerir dezenas de empresas estatais, como no caso do Brasil. Elas começam a ficar ineficientes e corruptas.

Por outro lado, também ficou claro que o keynesianismo gerava uma dinâmica econômica, mas não em benefício dos pobres. Terminava concentrando a renda, graças inclusive ao uso da inflação. Ela permite aos ricos protegerem-se da desvalorização da moeda, não possibilitando aos pobres mecanismos semelhantes.

• Vamos falar agora de um cepalino histórico, com quem o senhor teve uma amizade pessoal durante décadas: Celso Furtado. O senhor chegou a lançar em 2007 um livro póstumo em homenagem a Furtado [que faleceu em 2004] registando entrevistas suas com ele (Foto de uma conversa, ed. Paz e Terra). Qual a importância da obra de Furtado na sua trajetória como economista e homem público?

CB – Celso Furtado, Darcy Ribeiro, Josué de Castro e Ignacy Sachs são os economistas e cientistas sociais que mais exerceram influência na minha formação. Furtado é extremamente relevante, porque quando você lê Formação Econômica do Brasil [livro clássico de autoria de Furtado, lançado em 1959], você começa a explicar, e não apenas a decorar a história do nosso país. Nos meados da década de 80, tornei-me reitor da UnB, e ele era ministro da Cultura. Foi quando desenvolvemos uma amizade pessoal, e eu passei a admirá-lo ainda mais.

Inclusive estive no apartamento dele no Rio de Janeiro dez dias antes da sua morte [por parada cardíaca, no dia 20 de novembro de 2004]. Me lembro bem que nesse dia discordei da visão dele sobre a inflação. Ele defendia a tese de que uma inflação, por exemplo, acima de 5% era uma condição necessária para o financiamento do desenvolvimento. Mas eu discordei dele, porque em nações como o Brasil, marcadas ainda por uma forte cultura inflacionária, este tipo de condução econômica pode sair do controle.

Tecnicamente, ele tinha razão, porque o governo emite, gera dinheiro para investir em estradas, escolas e criação de demanda através da geração de empregos. Mas, no Brasil e na América Latina, eu entendo que o controle inflacionário mais rígido tem que ser sempre uma prioridade. Aqui, a autoridade monetária pode até achar que vai conseguir controlar se adotar uma política mais leniente, mas no final acaba quebrando a cara.

• Hoje a Cepal tem conduzido muito sua atuação junto às nações latinas, na busca da eficiência econômica por meio da superação das desigualdades. O senhor concorda que uma grande desigualdade social pode tornar uma economia estruturalmente ineficiente?

CB – A Cepal, sem dúvida, prioriza este enfoque, mas avalio que ela ainda não colocou a educação realmente no primeiro posto. A desigualdade social é consequência da falta de um sistema educacional satisfatório. Não haverá salários altos para quem não tiver um elevado grau de educação.

Aliás, se a Cepal, desde a década de 50, tivesse colocado a educação no primeiro posto, tenho a convicção de que, por exemplo, o Nordeste brasileiro não seria hoje ainda atrasado se comparado às demais regiões. A despeito de todos os investimentos na industrialização, frutos por exemplo da atuação da Sudene [Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste], estruturada por Furtado em seus primeiros anos, o Nordeste continua atrás das demais regiões. A Coreia do Sul, sem Cepal, compreendeu melhor esta revolução educacional e deu o salto.

Estou convencido que o principal vetor do progresso são os investimentos na educação de base.

• A Cepal hoje está engajada na adesão dos países latino-americanos às políticas públicas vinculadas à Agenda 2030 da ONU, os ODs (Objetivos de Desenvolvimento Sustentável). Busca em linhas gerais superar o desenvolvimento predatório em regiões como a Amazônia pelo novo enfoque da “economia verde”. O senhor acredita que este enfoque é capaz de gerar postos de trabalho em grande quantidade, como por exemplo o Brasil tanto requer? O senhor sabe que estes paradigmas inovadores ainda sofrem, na prática, contestações por parte de setores ligados à produção em nosso País.

CB – Se não houver prioridade para a educação, não vai funcionar. O sucesso para a sustentabilidade não virá apenas da alternativa verde, mas virá do que eu chamo de “alternativa azul”. Verde é produzir mais com matérias primas renováveis. A “alternativa azul” é consumir menos.

Não haverá combustível suficiente mesmo com base no álcool, se continuarmos produzindo tantos automóveis. Enquanto o transporte for privado, baseado no automóvel, mesmo que todo ele utilize o combustível verde, não haverá o suficiente. O álcool também é finito, porque para aumentar a produção são necessários novos hectares. Então vai faltar comida, ou vai faltar terra.

Em resumo: a mudança desses padrões de consumo predatórios também estão ligados a uma maior conscientização, que nasce a partir de investimentos consistentes na educação de base.

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