quarta-feira, 23 de janeiro de 2019

Flávio empregou parentes de suposto miliciano

Mãe e mulher de Adriano Nóbrega, acusado de comandar milícias, trabalharam na Alerj

Roberta Jansen, Constança Rezende / O Estado de S. Paulo

RIO- Flávio Bolsonaro empregou até novembro em seu gabinete na Alerj a mãe e a mulher do ex-capitão do Bope Adriano da Nóbrega, suspeito de comandar uma das principais milícias do Rio. Acusado por homicídio e expulso da PM, ele está foragido.

O deputado estadual e senador eleito Flávio Bolsonaro (PSL-RJ) empregou em seu gabinete na Assembleia Legislativa do Rio (Alerj) até novembro do ano passado a mãe e a mulher do ex-capitão do Batalhão de Operações Especiais (Bope) da PM Adriano Magalhães da Nóbrega. O ex-policial é acusado de comandar uma das principais milícias do Estado, em Rio das Pedras, comunidade pobre na zona oeste.

Nóbrega, acusado de homicídio e expulso da Policia Militar, teve mandado de prisão expedido na Operação Intocáveis, desencadeada ontem pela Polícia Civil e pelo Ministério Público do Rio, e está foragido. O parlamentar atribuiu a indicação das familiares do ex-PM a seu ex-assessor Fabrício Queiroz, apontado como autor de movimentações suspeitas de R$ 1,2 milhão em 13 meses.

A defesa do ex-servidor confirmou por nota que seu cliente indicou as duas para os cargos. “O sr. Fabrício solicitou a nomeação da esposa e da mãe do sr. Adriano para exercerem atividade de assessoria no gabinete em que trabalhava, uma vez que se solidarizou com a família que passava por grande dificuldade pois à época ele estava injustamente preso, em razão de um auto de resistência que foi, posteriormente, tipificado como homicídio, caso este que já foi julgado e todos os envolvidos devidamente inocentados”, informou a nota pelo advogado de Paulo Márcio Ennes Klein.

Segundo a Assembleia Legislativa do Rio, a mulher do ex-capitão, Danielle Mendonça da Costa Nóbrega, trabalhou no gabinete de Flávio de 6 de setembro de 2007 até 14 de novembro do ano passado. Já a mãe de Nóbrega, Raimunda Veras Magalhães, esteve lotada no mesmo gabinete de 11 de maio de 2016 até 14 de novembro de 2018. Ambas recebiam salário mensal de R$ 6.490,35. Raimunda é citada no relatório do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) feito na Operação Furna da Onça, que investiga corrupção no Legislativo fluminense. Raimunda repassou R$ 4.600 para a conta de Queiroz.

A Operação Intocáveis cumpriu cinco mandados de prisão (de 13 expedidos) contra milicianos que atuam nas comunidades de Rio das Pedras e Muzema, na zona oeste. Eles são acusados de grilagem de terras; construção, venda e locação ilegais de imóveis; receptação de carga roubada; e extorsão, entre outros crimes.

Entre os presos, está o major da PM Ronald Paulo Alves Pereira, que chefiaria a milícia com o ex-capitão Nóbrega. Os dois testemunharam no inquérito que investiga o assassinato da vereadora Marielle Franco (PSOL) e seu motorista Anderson Gomes. Eles são suspeitos de integrar o grupo de extermínio conhecido com Escritório do Crime, que estaria relacionado à execução da parlamentar. O Estado não localizou seus advogados para que se pronunciassem.

Nóbrega e Pereira foram homenageados por Flávio em 2003 e 2004 na Alerj por sua atuação como policiais. Nóbrega foi agraciado com a Medalha Tiradentes, considerada a maior honraria do Estado. Pereira recebeu uma menção honrosa.

Em nota, Flávio afirmou que a mãe e a mulher do ex-capitão da PM foram contratadas por indicação de Queiroz. A defesa de Queiroz confirmou que ele conheceu Adriano da Nóbrega quando ambos trabalhavam no 18.º Batalhão da PM. Afirmou também que foi ele quem solicitou a homenagem ao policial.

O ex-assessor é investigado pelo Ministério Público Estadual desde que o Coaf identificou as movimentações atípicas em sua conta. Flávio, como outros 21 deputados, é investigado na esfera cível, por improbidade administrativa, por causa das movimentações bancárias do ex-auxiliar.

Esta é a segunda vez nos últimos meses que policiais denunciados pelo Ministério Público acusados de ligação com o agora senador eleito pelo PSL têm prisão decretada por suposta ligação com milícias. Em setembro do ano passado, o Estado mostrou que outros dois PMs presos haviam trabalhado na campanha dele foram para a prisão, sob a mesma suspeita.

Discurso. Com a notícia da ação policial, circularam na internet trechos de discursos sobre milícias feitos pelo deputado Flávio Bolsonaro (então no PP). Um deles ocorreu quando Flávio votou a favor da criação da CPI das Milícias, em 2008. Nele, apesar do voto favorável à proposição, defendeu a atuação dos grupos armados nas favelas, para combater o domínio do tráfico de drogas.

Em outro discurso, Flávio disse que não se pode “estigmatizar” as milícias. “Não se pode, simplesmente, estigmatizar as milícias, em especial os policiais envolvidos nesse novo tipo de policiamento, entre aspas. A milícia nada mais é do que um conjunto de policiais, militares ou não, regidos por uma certa hierarquia e disciplina, buscando, sem dúvida, expurgar do seio da comunidade o que há de pior: os criminosos ”, afirmou Flávio, no dia 7 de fevereiro de 2007.

A Polícia Civil e o Ministério Público do Rio prenderam ontem cinco supostos integrantes de uma milícia que atua em Rio das Pedras, comunidade pobre da Barra da Tijuca. Um dos detidos é acusado de integrar o Escritório do Crime, organização criminosa suspeita dos assassinatos da vereadora Marielle Franco (PSOL) e do motorista Anderson Gomes, em 14 de março de 2018. Um segundo acusado de envolvimento com o Escritório, que também teve a prisão decretada, está foragido.

“Todos esses presos serão ouvidos na expectativa de que possam colaborar com outras investigações. A gente não descarta a participação no crime de Marielle Franco, mas também não podemos afirmar isso neste momento”, afirmou a promotora Simone Sibílio, coordenadora do Grupo de Atuação Especial no Combate ao Crime Organizado (Gaeco/MP-RJ). Ela também atua na investigação do assassinato da vereadora. “Algumas pessoas que foram presas hoje (ontem) também integram o Escritório do Crime, mas a investigação teve como objetivo combater essa organização em Muzema e Rio das Pedras.”

Outros sete supostos milicianos que agiam na favela têm mandados de prisão em aberto. Até o início da noite, não tinham sido presos.

A ação de ontem mobilizou 140 policiais. Entre os presos estão o major da PM Ronald Paulo Alves Pereira e o tenente reformado da PM Maurício da Silva da Costa, o Maurição. Os dois ocupavam posições estratégicas de liderança do grupo miliciano, ao lado do ex-capitão do Bope Adriano Magalhães da Nóbrega, que está foragido.

São Ronald e Nóbrega os suspeitos de integrar o Escritório do Crime. Trata-se de um grupo de extermínio acusado de assassinar pessoas que “atrapalham” os interesses dos milicianos. Os dois prestaram depoimento como testemunhas na Delegacia de Homicídio na investigação do assassinato da vereadora. A grilagem de terras na zona oeste, principal atividade dos milicianos, é apontada como pano de fundo para o assassinato de Marielle.

Os outros presos na operação de ontem são Manoel de Brito Batista, conhecido como Cabelo, Benedito Aurélio Ferreira Carvalho e Laerte Silva de Lima. Foram apreendidos R$ 50 mil em espécie, além de 200 folhas de cheques preenchidos com altos valores. De acordo com o MP, o grupo atuava na grilagem de terras; na compra, venda e aluguel irregular de imóveis; na cobrança irregular de taxas da população local; e na extorsão e na receptação de mercadoria roubada, entre outros crimes.

A operação é resultado de seis meses de investigações, durante os quais foram interceptadas conversas telefônicas que revelam as hierarquias da quadrilha, bem como a extensão do domínio exercido. As gravações mostram que cada integrante tinha uma função definida, como laranja, despachante, contador e braço armado. É a primeira vez que uma operação contra a milícia no Rio tem como alvo os chefes da organização, afirmaram autoridades.

Repercussão. Em nota, a Anistia Internacional informou que “é muito importante ver que o Ministério Público está atuando contra o crime organizado no Rio. As informações divulgadas publicamente de que existiria no Estado um grupo de extermínio chamado Escritório do Crime’ eram muito preocupantes”. Sobre o caso Marielle, o grupo reiterou que “o único resultado aceitável como solução é aquele que seja baseado em evidências concretas”.

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