quinta-feira, 17 de janeiro de 2019

Ilha à deriva: Editorial | Folha de S. Paulo

Rejeição do Parlamento ao plano de May evidencia dificuldade da premiê de conduzir 'brexit'

Afora a escala da derrota (432 votos contrários e 202 a favor), que se tornou a maior de um governo na história britânica, a rejeição do Parlamento ao acordo para pôr em prática o “brexit” —a retirada do Reino Unido da União Europeia— era uma consequência bastante previsível de um processo mal conduzido desde o seu princípio.

Em que pese a diligência para fazer valer a vontade popular pelo desligamento do bloco, expressa em plebiscito em 2016, não há como dissimular o fracasso da primeira-ministra, Theresa May.

Sua missão precípua, iniciada há dois anos e meio, consistia em chegar a um consenso sobre como o país deixaria a UE. O prazo original encerra-se em 29 de março, e a contundente negativa dos parlamentares à proposta por ela apresentada traz ainda mais incerteza, dado o pouco tempo restante.

May, ao menos, ganhou alguma sobrevida ao superar, por margem estreita, uma moção de desconfiança posta em votação pela Câmara dos Comuns nesta quarta (16).

A permanência no cargo, entretanto, deve-se menos a suas eventuais qualidades e mais à resistência dos correligionários do Partido Conservador à hipótese de cederem o poder aos rivais trabalhistas, que flertam com a ideia de convocar uma nova consulta pública —o que decerto agravaria o cenário de polarização política do país.

Surgem a favor da primeira-ministra, também, sinais de que os principais países-membros da UE, como Alemanha e França, estariam propensos a estender a data-limite da separação, talvez até para 2020. Ainda que venha a dispor de tal concessão, a líder britânica precisará se afastar da hesitação que até aqui permeou seu governo.

Procurando atenuar os prováveis prejuízos decorrentes da retirada, mas sem frustrar os que votaram nessa opção, a governante tentou uma solução intermediária, em que se manteria vínculo comercial com os europeus durante um período de transição. Esse foi um dos pontos recusados pelos partidários de um divórcio completo.

Por mais que May tenha considerável responsabilidade sobre o quadro atual, cumpre dizer que se está diante de um problema mais amplo, a saber, a dificuldade dos partidos tradicionais, à esquerda ou à direita, de lidar com questões sensíveis ao eleitorado.

Uma delas, a imigração, foi explorada pelo movimento nacionalista pró-separação da UE. Embora simplório, o argumento de que cidadãos de outros países do bloco eram uma ameaça ao emprego dos britânicos prosperou, como se viu nas urnas —para incredulidade do então premiê, David Cameron.

A não ser que demonstre uma habilidade política ainda não manifestada, May mantém-se sob o risco de terminar como o antecessor, tragado pelo “brexit”.

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