domingo, 13 de janeiro de 2019

Luiz Carlos Azedo: A volta do otimismo

- Correio Braziliense

“A única coisa que parece importar para o mercado é a reforma da Previdência. Aparentemente, a resistência dos militares já foi precificada”

Nada parece abalar as expectativas em relação a uma virada na economia a partir deste ano. O mercado financeiro tem dado sinais de alívio com as medidas anunciadas pelo novo governo. Desde a posse do presidente Jair Bolsonaro, o real é a moeda que mais se valorizou em relação ao dólar e a Bovespa tem o segundo melhor desempenho mundial. Não é um fenômeno isolado, tem a ver com os desgastes do presidente norte-americano Donald Trump, por causa da guerra comercial com a China e da crise com o Congresso, provocada pela proposta de construção do muro com a fronteira do México. O rublo, da Rússia (3,9%), e o rand, da África do Sul (3,6%), também se fortaleceram, porém, menos do que o real, que acumula valorização de 4,3% frente ao dólar, negociado a R$ 3,71.

Um sinal de que os agentes econômicos apostam no êxito da política econômica do ministro da Economia, Paulo Guedes, é o desempenho da Bovespa, que fechou a semana em 6,57%, abaixo apenas do índice Merval, da Argentina (11,95%). No ano passado, a alta do dólar era uma preocupação recorrente dos economistas, mas houve uma inflexão depois que Jerome Powell, o presidente do Federal Reserve (Fed), o banco central dos EUA, decidiu abrandar a política de juros norte-americana. A economia dos EUA sinaliza desaceleração, o que melhora a posição relativa do nosso mercado de ações. Entretanto, iniciativas do novo governo também pesam na avaliação de investidores, como as mudanças no Conselho de Administração da Petrobras, cuja composição está sendo alterada para se ajustar à orientação da nova equipe econômica e acelerar a venda de subsidiárias e outros ativos, e a anunciada venda de estatais, entre as quais, a Eletrobras.

O que teve mais impacto na bolsa, porém, foi a mudança de posição do presidente Bolsonaro em relação à venda da Embraer para a Boeing, à qual havia feito restrições. Na sexta-feira, os termos do acordo foram ratificados e, segundo a Embraer, as negociações devem ser concluídas até o fim deste ano, um negócio de US$ 5,26 bilhões. Como a Embraer é a mais importante empresa de tecnologia do país, a venda da empresa consolidou no mercado a ideia de que os militares não se oporão à política ultraliberal de Paulo Guedes, muito pelo contrário. Foram os comandantes militares que convenceram o presidente da República de que a venda era a melhor alternativa para manter a capacidade de produção e desenvolvimento tecnológico da aviação no país, sobretudo porque foi criada uma empresa em parceria com a Boeing para fabricar os aviões militares, principalmente o cargueiro KC-390, de fabricação nacional, mas com controle acionário da Embraer.

Nem mesmo a crise de segurança pública no Ceará, que permanece fora do controle, ameaça o otimismo do mercado. Já era para ter ocorrido uma intervenção militar no estado, mas uma queda de braços entre o governador Camilo Santana (PT) e Bolsonaro, que perdeu a eleição presidencial no estado, complica o enfrentamento da crise. O petista pediu ajuda ao ministro da Justiça, Sérgio Moro, mas não solicitou ao presidente da República uma operação de “garantia da lei e da ordem”, que permitiria o emprego das forças armadas. A onda de violência no estado chegou ao 11º dia seguido, com 194 ataques em 43 municípios, mesmo com a transferência de 35 líderes das facções criminosas para presídios federais e a detenção de mais de 330 suspeitos. Na madrugada de ontem, os bandidos destruíram uma torre de transmissão de energia elétrica em Maracanaú (CE).

Previdência
A única coisa que parece importar para o mercado é a reforma da Previdência. Aparentemente, a resistência dos militares à reforma já foi precificada. O ministro Paulo Guedes anunciou uma reforma profunda, com objetivo de “democratizar” o sistema previdenciário, equiparando as aposentadorias dos funcionários públicos às do setor privado, com a criação também de um sistema de capitalização. Essa é a aposta para acelerar o crescimento e aumentar a produtividade da economia brasileira. Para Guedes, a Previdência está em colapso, com um saldo negativo superior a R$ 300 bilhões neste ano. No regime atual, de repartição, o trabalhador ativo paga os benefícios de quem está aposentado; no sistema de capitalização, a poupança de cada um é que garantirá o complemento da aposentadoria.

Falta combinar com os beques, como diria o Mané Garrincha. O ministro reconhece as dificuldades: “Um sistema de capitalização como estamos desenhando é algo bastante mais robusto, é mais difícil, o custo de transição é alto. Mas estamos trabalhando para as futuras gerações”, justifica. A nova Previdência e as mudanças no sistema atual serão encaminhadas para o Congresso num pacote único, que precisa de aprovação da Câmara e do Senado, com duas votações, cada, no caso de emendas constitucionais. A exclusão dos militares da reforma da Previdência é um precedente para outras carreiras de Estado — policiais militares e policiais civis, auditores-fiscais, diplomatas, procuradores e magistrados, principalmente — se mobilizarem contra a reforma. Como se sabe, o lobby em defesa de interesses corporativos é muito mais concentrado e poderoso do que a defesa de direitos difusos, como os dos trabalhadores do setor privado.

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