O presidente Jair Bolsonaro, numa demonstração de bom senso, disse em entrevista à agência Bloomberg que, “se ficar provado” que seu filho Flávio “errou”, ele “terá que pagar por essas ações, que não podemos aceitar”. Afinal, proteger o filho, encalacrado em um escândalo cada vez mais esquisito, acarretaria ainda mais desgaste político a seu governo, justamente no momento em que precisa demonstrar firmeza para enfrentar a dura negociação com o Congresso com vistas a aprovar as medidas que considera essenciais para o País. É pena, no entanto, que o bom senso tenha durado apenas algumas horas. Em entrevista à TV Record, Bolsonaro afirmou que “não é justo atingir um garoto, fazer o que estão fazendo com ele, para tentar me atingir”. Desse modo, o presidente imprudentemente se ligou às desventuras do filho, o que tem o potencial de comprometer o próprio governo.
O maior interessado nessa vinculação, claro, é Flávio Bolsonaro. Incapaz de dar explicações plausíveis para as muitas suspeitas que pairam sobre ele, o senador eleito sugere que o escândalo está sendo alimentado por gente cujo objetivo é desestabilizar a Presidência do pai.
É evidente que, em se tratando de um filho do presidente, e considerando-se que esse filho é muito próximo de Bolsonaro e se mete em tudo que se refere ao governo do qual não faz parte - filho não é cargo nem tem autoridade como tal -, tudo o que envolve o escândalo tem potencial de causar danos ao governo. Esse certamente é o maior motivo pelo qual é de grande interesse do País que Flávio Bolsonaro dê os necessários esclarecimentos a respeito de tão rumorosas suspeitas.
E essas suspeitas não param de se multiplicar, acrescentando ao caso tonalidades bem mais graves do que até aqui se imaginava. Já não se trata mais somente de indícios de que no gabinete de Flávio Bolsonaro, quando este era deputado estadual no Rio de Janeiro, praticava-se o chamado “rachid” - nome do esquema em que os funcionários a serviço de parlamentares lhes devolvem parte do salário que recebem. Tampouco se trata apenas de uma estranhíssima movimentação na conta de Flávio Bolsonaro - depósitos fracionados, com diferença de minutos entre um e outro, totalizando pouco menos de R$ 100 mil. O que surgiu agora coloca a crise em outro patamar, muito mais perigoso.
Segundo as novas informações, o gabinete de Flávio Bolsonaro na Assembleia do Rio contratou a mulher e a mãe de Adriano da Nóbrega, que vem a ser chefe do chamado “Escritório do Crime”, uma das principais milícias do Rio. As duas estavam na folha de pagamento do gabinete de Flávio Bolsonaro até novembro passado.
Em nota, o agora senador eleito, depois de se dizer “vítima de uma campanha difamatória com o objetivo de atingir o governo de Jair Bolsonaro”, afirmou que as duas funcionárias foram contratadas “por indicação do ex-assessor Fabrício Queiroz”. Ou seja, Queiroz, que até aqui se apresentou como um modesto motorista, tinha poder para indicar funcionários no gabinete de Flávio Bolsonaro.
Mais do que isso: apesar de seu salário de motorista, esse mesmo Queiroz movimentou pelo menos R$ 1,2 milhão em sua conta, constatação que chamou a atenção do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) e que deflagrou todo o escândalo. Um dos depósitos em sua conta - de onde, aliás, saiu um cheque para a primeira-dama, Michelle Bolsonaro - foi feito pela mãe do miliciano Adriano da Nóbrega, ora foragido.
Como se vê, trata-se de um novelo que mal começou a ser desfiado. O escândalo do clã Bolsonaro envolve agora as terríveis milícias do Rio, grupos de extermínio formados por ex-policiais travestidos de justiceiros - que foram seguidamente homenageados por Flávio e Jair Bolsonaro. Quando deputado estadual, Flávio disse que as milícias se dedicam a “expurgar do seio da comunidade o que há de pior: os criminosos” e que “há uma série de benefícios nisso”.
Uma fronteira bastante delicada parece ter sido cruzada, e espera-se que o presidente Bolsonaro e seu filho Flávio afinal deem as explicações que a sociedade, apreensiva, aguarda.
Muito a explicar... Até agora nada foi explicado.
ResponderExcluir