quinta-feira, 31 de janeiro de 2019

Ribamar Oliveira: O imbróglio da cessão onerosa

- Valor Econômico

Pagamento com petróleo não afeta meta fiscal e teto

Há uma grande expectativa no governo em torno da receita que será obtida com o leilão do petróleo excedente dos campos da cessão onerosa, pois ela vai definir a programação orçamentária deste ano. O primeiro aspecto que precisa ser entendido é que a montanha de dinheiro do megaleilão não será usada para novas despesas, pois a União está submetida a um teto de gastos. Os recursos serão utilizados, portanto, para reduzir o déficit primário do governo central (Tesouro, Previdência e Banco Central), programado em R$ 139 bilhões em 2019.

Uma questão que ainda não foi esclarecida é quanto a União pagará à Petrobras. Dependendo do valor, o volume de recursos que ingressará no Tesouro com o leilão do excedente do petróleo poderá ser bem menor do que muitos imaginam. Para entender a questão, vale lembrar que a União recebeu, em 2010, R$ 74,8 bilhões da Petrobras pela cessão de 5 bilhões de barris do pré-sal.

O contrato assinado previa revisão do valor pago pela empresa no momento da declaração de comercialidade dos campos de petróleo, o que ocorreu entre 2013 e 2014. Até hoje, a revisão não foi concluída, mas há um entendimento de que a Petrobras é credora, ou seja, de que pagou mais pelos 5 bilhões de barris do que deveria.

Assim, a estatal do petróleo seria credora da União. O valor a ser devolvido ainda depende da avaliação que está sendo feita pelo Tribunal de Contas da União (TCU). Durante a transição de governo, no ano passado, a equipe do ministro da Economia, Paulo Guedes, recebeu um documento da equipe do ex-presidente Michel Temer no qual se informava que a Petrobras teria até US$ 14 bilhões a receber da União, como noticiou o Valor - algo como R$ 52 bilhões pela taxa de câmbio de ontem.

Fontes informaram que essa seria a quantia máxima e que o valor final dependeria do entendimento do TCU. Se, por hipótese, o ressarcimento à Petrobras ficar mesmo em R$ 50 bilhões, a quantia que sobraria para a União seria de R$ 76 bilhões, pois a arrecadação estimada com o leilão é de US$ 34 bilhões (R$ 126 bilhões pelo câmbio de ontem), de acordo com projeção feita pela equipe de Temer.

No ano passado, o ministro Paulo Guedes manifestou o desejo de dividir parte da quantia que caberá à União com os Estados e municípios. O ministro não chegou a informar o valor que seria destinado aos governos estaduais e às prefeituras, embora o presidente do Senado, Eunício Oliveira (PMDB-CE), tenha lutado ardorosamente por 20% do montante da União.

Duas questões paralisaram a negociação. A primeira foi que o repasse do dinheiro do leilão aos Estados e municípios não foi excluído do teto de gastos da União, instituído pela emenda constitucional 95. Ou seja, o repasse é uma despesa da União que está submetida ao teto. Assim, não haveria espaço no Orçamento para a transferência dos recursos.

Muitos governadores alegaram que a lei que autorizasse a partilha do dinheiro do megaleilão poderia determinar que os recursos fariam parte do Fundo de Participação dos Estados (FPE) e do Fundo de Participação dos Municípios (FPM), que estão excluídos da regra do teto. Alguns técnicos argumentaram que a transferência aos governos estaduais e prefeituras poderia ser feita por meio de crédito extraordinário, o que também foi excluído do teto.

A segunda questão é como pagar a Petrobras, sem ferir o teto de gastos e agravar a situação fiscal. Em primeiro lugar, a União terá que reconhecer que tem uma dívida com a estatal do petróleo, ou seja, reconhecer um passivo com a Petrobras. A dívida não está registrada pelo Banco Central. O governo vai, portanto, amortizar um débito, que é, do ponto de vista orçamentário, uma despesa de capital.

Como essa dívida será paga? O governo poderá fazê-lo em dinheiro, em títulos ou em petróleo, se o projeto de lei 78/2018, que tramita no Senado, for aprovado. O projeto já passou pela Câmara dos Deputados. O pagamento terá impacto no resultado primário? Está sujeito ao teto de gastos?

Há um texto disponível na internet, de autoria de Antonio Carlos Costa d'Ávila Carvalho Júnior, que discute as três hipóteses de pagamento. O autor é professor de orçamento público e gestão fiscal e consultor da Câmara dos Deputados. Se o pagamento for feito em dinheiro, haverá impacto sobre o teto de gastos, afirma D'Ávila. Ou seja, é uma despesa que entrará no Orçamento, disputando espaço com as demais despesas da União.

Como é um gasto, com impacto no caixa único do Tesouro Nacional, o pagamento em dinheiro afetará negativamente o resultado primário. Haverá um aumento da dívida líquida do governo federal, em razão da redução do saldo das disponibilidades na conta única. Em outras palavras, a operação agravará o déficit primário da União. O impacto fiscal e a limitação do teto tornam, portanto, o pagamento em dinheiro inviável.

Se o passivo junto à Petrobras for quitado por meio da emissão direta de títulos públicos, D'Ávila diz que haverá um aumento da dívida líquida do governo federal, em razão do aumento do saldo do passivo "dívida mobiliária federal interna" e da "não redução" de qualquer outra obrigação. Ou seja, a operação afetará o resultado primário, com agravamento do déficit. Mas não afetará o teto de gastos, pois não haverá emissão de ordem bancária pelo Tesouro para o pagamento.

Efetuar a quitação da dívida junto à Petrobras com "barril de petróleo" significa dizer, segundo D'Ávila, que o pagamento será efetuado mediante cessão, à estatal, do direito de pesquisa e lavra de determinada quantidade de petróleo em campos do pré-sal. A operação terá impacto neutro no resultado primário, pois não haverá variação no saldo da dívida líquida do governo federal. "Na realidade, a operação envolveria uma receita primária (cessão onerosa) e uma despesa primária (pagamento da dívida), resultando no impacto primário neutro", diz o texto.

Para D'Ávila, não haveria também impacto no teto de gastos, pois, para fins de mensuração do teto, "registra-se a despesa primária quando da emissão da Ordem Bancária (OB)". Neste caso, não haverá emissão de OB.

Todas estas questões estão sendo discutidas com o TCU, que dará a palavra final.

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