quinta-feira, 3 de janeiro de 2019

Ribamar Oliveira: O projeto liberal democrata de Guedes

- Valor Econômico

"O capitão não está preocupado com as próximas eleições"

O ministro da Economia, Paulo Guedes, disse ontem que "agora é a hora de otimizar o crescimento de novo" e que, para isso, o governo vai executar uma política "liberal democrata", que permita a retomada da economia, paralisada pela repetição, nas últimas décadas, de políticas sociais democratas, de intensa intervenção do Estado na economia do país.

A mudança, na avaliação de Guedes, será possível por causa "do aperfeiçoamento das instituições democráticas", ocorridas com a última eleição presidencial. "Depois de 30 anos de aliança política de centro esquerda, há agora uma aliança de centro-direita, entre conservadores, em princípios e costumes, e liberais na economia", argumentou. "É importante que haja isso. A nossa democracia estava capenga. O Brasil merece ter essas duas vertentes", acrescentou.

A aliança de centro-direita permitirá a execução de um "projeto liberal democrata". Quais sãos as peças principais do programa? Guedes vai abrir a economia, privatizar de forma acelerada as estatais, controlar gastos, reformar o Estado, desregulamentar, simplificar e reduzir impostos e descentralizar os recursos para Estados e municípios. No caso do controle dos gastos, a prioridade será a reforma da Previdência Social.

Haverá também ênfase no social. "Vamos apoiar a área social porque os Chicagos Oldies nunca tiveram só essa face da estabilização, dos regimes monetário e fiscal. Eles sempre tiveram a face do capital humano, do investimento em saúde, educação, o foco (nas crianças de 0 a 9 anos)", enfatizou. "A ideia de investimento maciço em capital humano é transformadora, é libertadora".

Guedes disse que foi o projeto liberal democrata que permitiu a Alemanha se reerguer depois da Segunda Guerra Mundial. O mesmo, segundo ele, ocorreu no Japão. E também no Chile, na década de 1970, durante o governo de Augusto Pinochet. Neste caso, o projeto foi executado pelos chamados "Chicagos Boys" - os garotos formados pela Universidade de Chicago, considerada na época o templo do pensamento liberal. "Este (projeto) eu vi e trouxe algumas ideias para cá", disse.

Algumas das ideias adotadas no Chile pelos "Chicago Boys" foram incorporadas por Guedes ao programa de campanha do candidato Afif Domingos à Presidência da República, na primeira eleição direta realizada no Brasil depois do regime militar, em 1989. Afif, com o apoio de Guedes, propôs uma reforma liberal para o Brasil. "Naquela época, eu achava que era possível fazer (executar a reforma liberal) em seis meses. Agora, acho que vai demorar um pouco mais", brincou.

Hoje, como ministro da Economia do governo Bolsonaro, ele cercou-se de "Chicago Oldies" - uma referência ao fato de que alguns dos seus principais assessores serem formados, assim como o próprio ministro, na Universidade americana, mas não serem mais garotos. Alguns deles preferem ser chamados de "Chicago Uncles".

Durante a solenidade de sua posse no cargo de ministro da Economia, Guedes não fez um discurso. Fez uma palestra, ajudado por um papel onde anotou as ideias sobre as quais queria discorrer. Em alguns momentos, não lembrou o que tinha que falar. O diagnóstico do ministro, no entanto, foi muito claro, embora não seja novo, pois está sendo repetido desde quando Joaquim Levy assumiu o ministério da Fazenda, em 2015: o gasto público não para de crescer.

"A dimensão fiscal é o calcanhar de Aquiles da política econômica brasileira", afirmou Guedes. Para ele, a falta de coordenação entre as políticas monetária e fiscal, ao longo de várias décadas foi a principal responsável pelas duas hiperinflações que o Brasil viveu. É preciso, reafirmou o ministro, controlar gastos. Guedes afirmou que o Estado brasileiro gasta muito, mas gasta mal. Para ele, o governo virou "uma gigantesca máquina, perversa, de transferência de renda em todas as suas dimensões".

Por não controlar suas despesas e ter que se endividar no mercado, o ministro disse que o governo brasileiros gasta "um Plano Marshall por ano em transferência de renda para rentistas". O Plano Marshall foi uma ajuda dada pelos Estados Unidos para a reconstrução dos países europeus após a Segunda Guerra. "O Brasil reconstroi uma Europa por ano".

Outra transferência perversa de renda ocorre pela atuação dos bancos públicos. "Os bancos públicos dão recursos para os grandes, não para os pequenos. Os bancos públicos se perderam quando piratas privados, burocratas corruptos e criaturas do pântano político se associaram contra o povo brasileiro", afirmou. Neste momento, Guedes foi longamente aplaudido.

A transferência perversa de renda se dá também, lembrou o ministro, por meio da Previdência, pois os servidores do Legislativo e do Judiciário recebem elevados benefícios, enquanto o povo recebe benefícios de valores baixos. Ele foi, novamente, aplaudido.

Guedes observou que não é preciso cortar gastos para reequilibrar as contas. Para ele, se for possível manter as despesas constantes em valores nominais por dois anos (em outro momento da palestra, ele chegou a falar em três ou quatro anos), com a economia crescendo, o problema fiscal brasileiro estará praticamente resolvido. Mas não é possível controlar gastos, sem a reforma da Previdência, advertiu.

Um dos pilares do programa liberal democrata será, portanto, a reforma da Previdência. Ele disse que, se não for possível realizar a reforma, o governo terá que enviar ao Congresso uma proposta de emenda constitucional desvinculando as receitas orçamentárias. Isso será necessário porque, para manter o gasto dentro do teto, o governo e os próprios parlamentares precisam ter liberdade para elaborar o Orçamento da União.

Os desafios são imensos, lembrou Guedes. Mas ele afirmou que o presidente Jair Bolsonaro está disposto a propor medidas amargas para resolver os problemas. "Nas nossas conversas, ele tem me dito que é preciso fazer o que tem que ser feito, o que é melhor para o povo. O capitão está preocupado com as futuras gerações e não com as próximas eleições", afirmou.

O diagnóstico sobre a economia está correto, embora não seja novo. O problema, no entanto, continua sendo o mesmo: convencer o Congresso a aprovar as medidas necessárias.

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